Crítica // Diálogos com Ruth de Souza

Estrela de brilho singular: veja a crítica de 'Diálogos com Ruth de Souza'

Figura definitiva para as artes cênicas no Brasil, Ruth de Souza, morta há cinco anos, tem o legado recuperado em documentário atualmente em cartaz

Diálogos com Ruth de Souza: documentário -  (crédito: Pretaplay/ Divulgação)
Diálogos com Ruth de Souza: documentário - (crédito: Pretaplay/ Divulgação)

Lutar, "com força", foi a arma de uma desbravadora atriz, em muitos sentidos: Ruth de Souza, que ascendeu quando, como dito no filme assinado por Juliana Vicente, "a tevê era uma criança desconhecida entre todos". Pioneira como atriz negra a se apresentar no Theatro Municipal do Rio, em 1945, justo no dia do fim da Segunda Guerra, Ruth mexeu com renomados artistas nacionais do vulto de Abdias do Nascimento (na liderança do Teatro Experimental do Negro) e Jorge Amado, além de ter conquistado bolsa de estudos pela Fundação Rockfeller e estabelecido marcos na produção junto à TV Globo, em que estrelou A Cabana do Pai Tomás (ao lado de Sérgio Cardoso) e interpretou o testemunho da liquidação de senzala, na novela Sinhá Moça (1986).

"O Brasil deveria ser dirigido por quem já passou fome" é dos discursos na ponta da língua da atriz vista, em 1983, no Caso Verdade global Quarto de despejo, sobre a figura Carolina Maria de Jesus (assumidamente, o papel preferido da atriz engajada). Com registros espontâneos, gerados pela intimidade com a diretora, hábil ainda em costurar uma trama ficcional (ligada a sincretismo), o filme desvenda bastidores tumultuados para a atriz que brigou contra estereótipos de "babá gorda, empregada e escrava". Absurdos como a exigência de que seu nome saísse da linha de frente da abertura de uma novela estão descritos. Exibido na 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o longa venceu um prêmio ofertado pelo Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro e relacionado ao aproveitamento de materiais relacionados à preservação da memória: o troféu Marco Antônio Guimarães. 

Com visão riquíssima da diretora, o filme flui trazendo dados de pioneirismo (com Sinhá Moça, em 1953, Ruth disputou prêmio com Lilly Palmer e Katharine Hepburn), fatos preconceituosos e momentos críticos e sábios de Ruth, que exclama: "(No passado), eu era bonita e não sabia". Entre outros momentos, ela encabeça cena histórica com Grande Otelo, debochando que "preto de alma branca é fantasma". Da rica jornada de cinema fazem parte O assalto ao trem pagador (1962), a generosidade de Eugene O´Neill, a resistência da memória (que ela mesma se esforçou em preservar, mantendo registros de imagens e reportagens, além de documentos), momentos de êxtase com sambas da Mangueira e da Acadêmicos de Santa Cruz e o belo sorriso da diva, morta aos 98 anos, em 2019.

 

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postado em 11/05/2024 06:01
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