Entrevista

"A química dos Paralamas é inexplicável", declara João Barone

Em entrevista ao Correio, João Barone, baterista de uma das maiores bandas de rock do país, fala sobre seu mais novo livro, que narra a trajetória dele com Herbert Vianna e Bi Ribeiro

 Livro 1, 2, 3, 4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso, por João Barone. -  (crédito:  Divulgação)
Livro 1, 2, 3, 4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso, por João Barone. - (crédito: Divulgação)

Além de ser o coração de uma banda, o baterista é um observador especial durante shows. João Barone surgiu para o mundo durante o Rock In Rio de 1985, no meio de bandas como Queen e Iron Maiden. Os meninos dos Paralamas do Sucesso encararam o gigantesco palco com uma garra descomunal. "Foi como estivéssemos ganhando uma Copa do Mundo", destaca João Barone em entrevista exclusiva ao Correio. João acaba de lançar o livro 1,2,3,4! — Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso, que narra com riqueza de detalhes a sua trajetória em um dos grupos mais icônicos do Brasil. Em 22 de setembro, a banda se apresenta em Brasília e o baterista vai autografar sua obra para o público na cidade.

Como surgiu o projeto do livro sobre a sua trajetória e a dos Paralamas do Sucesso?

A tentativa de escrever alguma coisa sobre a minha vivência musical foi amadurecendo depois das minhas experiências escrevendo sobre o Brasil na Segunda Guerra mundial. Os meus livros anteriores sobre esse assunto histórico (Soldado Silva: A jornada de um brasileiro; A minha segunda guerra; e 1942: O Brasil e sua guerra quase desconhecida) foram um esforço pessoal de tirar o tema (Segunda Guerra) de uma órbita academicista ou do meio militar. Queria tentar tornar a história da Segunda Guerra um pouco  mais pop, com uma linguagem coloquial. Meu livro 1942 foi um best-seller. Por conta desses meus projetos, resolvi também falar sobre minha história com os Paralamas, com a música. Deixo bem claro que não é uma biografia oficial dos Paralamas. É minha história, desde a tenra idade, como a música permeou a minha vida e da minha família, e vou juntando esse mosaico, como a bateria entrou em minha vida. A bateria é um instrumento muito lúdico. Um instrumento meio circense. Fiquei encantado pela bateria desde criança, quando via os conjuntos de baile no clube onde eu morava. Vou contando tudo, como no momento em que conheci o Bi Ribeiro e o Herbert Vianna, na Universidade Rural do Rio de Janeiro. Foi um momento de mudança na minha vida. A gente se conheceu em 1981, começou a tocar mesmo em 1982, e em 1983 a gente estava assinando um contrato para gravar um disco. Sempre falo que, naquela época, era mais fácil ir à Lua do que gravar um disco (risos). Era um sonho.

Fale sobre aquele menino que pegava pedaços de bambu para tocar numa bateria imaginária músicas dos Beatles e dos Mutantes...

Esse sonho de ser um músico era uma coisa que alimentava a minha geração. Tinha esse lado de querer tocar violão para conquistar uma menina da rua e tal. Apesar de gostar muito de bateria, não tive o privilégio de meu pai poder me dar um instrumento, nem tinha escola de música perto para poder tentar tocar. Acabei tendo aula de bateria com um músico de uma banda de baile que morava no nosso bairro. Tirava as músicas num toca-disco. Foi acontecendo de uma forma muito ingênua, até o dia em que eu conheci o Bi e o Herbert. Sentimos,nesse encontro, uma coisa especial na hora que a gente tocou num festival (estudantil), que o Vital (primeiro baterista) não foi; e também um bar que tocamos um ano depois, também na Universidade Rural, e que causou uma comoção. A PM mandou parar o show, caramba! Foi um negócio muito especial. Aí, comecei a ir para o Rio. Morava na Universidade Rural e viajava para o Rio, por imposição do Bi e do Herbert (risos). A gente começou a ensaiar na casa da vó do Bi, na Vovó Ondina, que virou parte dessa lenda dos Paralamas. Depois de um show num barzinho no Rio, levantamos dinheiro para gravar uma fita demo e a enviamos para a Rádio Fluminense. As coisas foram acontecendo em uma velocidade espetacular naquele tempo. Foi tudo como um rastilho de pólvora incrível.

Virou sucesso na rádio...

Na Rádio Fluminense, a música Vital e sua moto era pedida para caramba; chamaram a gente para abrir o show do Lulu Santos no Circo Voador, no começo de 1983. E, quando a gente viu, estávamos escolhendo a gravadora para assinar um contrato. A gravadora queria dar um tipo de respaldo na nova cena que estava acontecendo com a abertura política, como as bandas Blitz e Kid Abelha (que tinha assinado contrato com a Warner para gravar um compacto); o Barão Vermelho, com o Cazuza, representando essa geração de ouro dos anos 1980. A gente estava ali, no meio desse bolo, tentando apostar tudo o que podíamos para fazer o que realmente queríamos fazer.

E o encontro com Herbert Vianna e Bi Ribeiro no interior do Rio... E como o empresário José Fortes entrou no time?

O Vital era um amigo de bagunça da sala de cursinho do Bi e do Herbert no Rio. O Herbert era encantado  por violão e guitarra desde cedo. Ele estudou, tinha professor que o ensinou a tocar bossa nova; ele sabia harmonia, sabia tudo de teoria musical. Era um músico completo e, quando o Bi foi morar no Rio, em 1978, o Herbert disse para ele: "Pô, cara, compra um baixo, vamos tocar juntos". O Vital batucava na carteira da sala de aula e eles o chamaram para ser baterista. Vital tinha uma bateria velha e eles tocavam na casa da Vovó Ondina. Tinham outros dois amigos do Bi que eram cantores, o Naldo e o Ronel, que tiveram uma passagem meteórica pelos Paralamas. Os Paralamas já existiam antes de eu entrar para a banda. E aí, na hora que entrei, por esse acidente (o Vital não apareceu ao festival estudantil), as coisas começaram a acontecer e o Herbert ficou empolgado. Um dos maiores elogios que recebi na minha vida foi quando a mãe do Herbert, dona Teresa, falou: "Herbert, meu filho, agora vocês vão conseguir, porque esse baterista é muito bom, não é aquele tuco-tuco-tuco que vocês faziam. Agora senti firmeza". A mãe do Hebert foi uma das primeiras que acreditou no nosso encontro (risos). O José Fortes (empresário) era amigo do Herbert no curso de arquitetura. Na hora que a gente assinou o contrato com a gravadora, o Herbert teve essa epifania, ligou para o Zé e disse: "Quer ser empresário da minha banda, Os Paralamas?" E o Zé aceitou na hora. Ele começou como a gente, não sabia nada de nada. Fomos aprendendo nesse processo. Até hoje a gente está junto. Ele é um dos responsáveis por isso. 

Você inovou a música brasileira com batidas rápidas e com muitas misturas de ritmos. Como foi se encaixar com as letras e os arranjos de Herbert? Como foi essa química?

O que posso dizer é que música é uma resultante. Música não é só uma coisa. Principalmente no caso de uma banda de rock. É uma somatória. Cada um está dando o seu melhor, de entregar o melhor para a música. O Herbert é um cara que foi desenvolvendo essa capacidade incrível de ser compositor. Acho que todos nós, na hora que começamos nossa trajetória, já tínhamos ralado muito, na pré-história dos Paralamas. A gente começou em 1983. Gravamos um compacto e com o resultado legal da música Vital e sua moto, conseguimos gravar um LP (Cinema Mudo). A gente não queria ficar famoso e rico. Isso podia ser uma decorrência, mas o que a gente queria fazer, realmente, era repetir aquele velho clichê: "Mostrar o nosso trabalho". E foi o que aconteceu. A química dos Paralamas é inexplicável. 

No seu livro há detalhes sobre a primeira apresentação dos Paralamas num festival de música estudantil. Todos esperavam pelo baterista Vital, que não apareceu, e naquele momento, sua vida mudou para sempre...

O encontro dos Paralamas foi uma espécie de eclipse raro, uma coisa totalmente ímpar que aconteceu. O momento desse encontro foi uma coisa muito impactante para todos nós. Quando voltei para casa, depois desse show acidental que a gente fez, falei para caramba com eles. "Que bacana! Quem sabe a gente consiga se encontrar de novo, tocar novamente". Levou um ano para isso acontecer. Comecei a encontrar com o Bi na Universidade Rural, eu estava estudando biologia e ele zootecnia. Como conto no livro, a gente se esbarrava e eu perguntava: "Quando a gente vai tocar de novo?" E ele dizia: "Vamos sim!" Aí ele arranjou um show no bar em Seropédica (RJ), que era um bar muito concorrido, próximo da universidade. Dessa vez o Vital foi, ele tocou algumas músicas. Quando entrei para tocar não saí mais. O Vital tocou 20 minutos, eu toquei duas horas. E, depois desse show, o Vital foi embora e tal, e o Herbert e o Bi me chamaram na mesa, e falaram: "João, você está na banda, cara, você leva a tua bateria para o Rio, para a casa da vó do Bi, agora a gente vai tocar". E foi o que aconteceu.

Muitos ensaios...

A gente começou a ensaiar e a tocar. O Herbert assumiu o vocal da banda. A gente tocou num outro boteco no Rio, levantamos uma grana para alugar umas horas de estúdio e gravamos uma fita demo que a gente mandou para a Rádio Fluminense, com o Vital e sua moto e outras três músicas. Foi um sucesso na rádio. A gente gravou o nosso primeiro disco em 1983. Em janeiro de 1985, dois anos depois, estávamos no palco do Rock in Rio. Foi um negócio impressionante, a velocidade de como as coisas aconteceram. Até hoje a gente fica impressionado com isso.

Vocês fazem parte da era de ouro das rádios FM e dos videoclipes... Mas não deixaram o sucesso subir à cabeça. Tinham um mantra especial para evitar a onda "sexo, drogas e roquenrou"? 

(risos) A gente viveu diversas realidades ao longo dessa nossa trajetória. Começamos na era do vinil, depois a gente passou para o CD. Depois a gente passou para o download e depois para o streaming. E assim a gente foi tirando o melhor de tudo. De todas essas fases, fomos conseguindo se virar nos 30 (risos). Acho que os Paralamas tiveram discos que retratam muito aquele momento em que foram gravados. Sempre tivemos uma personalidade musical muito firme. A gente estava muito satisfeito do nosso lance com a música. Não precisávamos de nada extra. Então por isso que a gente passou ao largo dessa situação toda de (abuso de) drogas, mas também não queríamos fazer um discurso careta.

Qual a relação dos Paralamas com Brasília. Bi Ribeiro e Herbert moraram na capital... E você?

Bi e Herbert moraram em Brasília, eu também conto isso no meu livro. Mas nunca não morei. O Herbert e o Bi me contavam histórias tão incríveis que achava que Brasília era uma mistura de Londres com Nova York (risos). Eles foram morar no Rio em 1978, ou seja, muito tempo depois os Paralamas se formaram. Eu entrei para a banda em 1982, gravamos o primeiro disco em 1983. Quando a gente começou a falar em entrevistas, o Bi e o Herbert falavam "a gente veio de Brasília", mas era uma coisa meio de duplo sentido (risos), porque eu sentia a intenção do Herbert de falar de Brasília como esse cenário incrível, que tem um monte de banda legal, desconhecida. Então ele se aproveitou muito para a gente ter uma espécie de conteúdo mais interessante para falar no início da banda.

Foi uma estratégia...

Então, o Herbert foi criando essa mística de que os Paralamas vieram de Brasília, mas, na verdade, a gente se formou no Rio mesmo. O Bi e Herbert moraram na capital do país na época em que eles começaram a se interessar por música, quando Herbert ganhou uma guitarra elétrica pela primeira vez, e as bandas locais estavam se formando na capital do país. A Plebe Rude já existia e tal; o Renato Russo com o Aborto Elétrico, e as informações que a molecada recebia dos filhos de diplomatas que tinham o disco do Sex Pistols. Já tinha punk em Brasília — nem em São Paulo tinha punk! Então, foi uma mística. Foi uma jogada muito esperta do Herbert. Depois, quando a gente chegou em Brasília, com esse status da banda com disco gravado, a gente inspirou um monte de grupos. Os Paralamas viraram uma espécie de abre-alas para aquela turma toda de Brasília.

O primeiro Rock In Rio a gente nunca esquece. Como foi subir num palco naquele janeiro de 1985? E os equipamentos das bandas gringas te intimidaram?

Quando a gente se assustou (risos), a gente estava no palco do Rock in Rio, em janeiro de 1985. Fomos a última atração contratada do festival, muito pela insistência do nosso empresário Zé Fortes, que foi atrás para poder ver se os Paralamas não perdiam aquela grande oportunidade de "mostrar o trabalho', como a gente sempre falou. Quando o Zé conseguiu uma reunião com o Roberto Medina, ele falou: "Ainda bem que você veio aqui, porque eu ia chamar os Paralamas para o festival". Isso foi qualquer coisa inacreditável. A gente aproveitou aquela vitrine, chegou lá e saímos consagrados do festival... Um festival tão grande, tão gigantesco, com atrações incríveis. Queen, Iron Maiden e todo mundo que se imaginava dos grandes medalhões da música brasileira, Ney Matogrosso, Kid Abeira, Barão Vermelho... E saímos consagrados do festival. Como se tivéssemos ganhado a Copa do Mundo. A gente até ultrapassou as fronteiras do Brasil.

Na trajetória dos Paralamas, o acidente com Herbert Vianna foi uma provação, mas também foi um exemplo de amor e de fraternidade da banda, que soube atravessar esse furacão. Vocês continuarão pegando a estrada até quando? 

Quando a gente fez 30 anos de estrada, o Herbert falou que estávamos abrindo um novo ciclo de 30 anos (risos). E, agora, a gente está nos estertores finais dos 40 anos da banda. Vamos fazer agora o show de 40 anos do Rock in Rio. Vivemos com o Herbert, depois do acidente, da maneira mais tranquila possível. Continuamos fazendo o que mais gostamos. O Herbert é incansável, adora viajar, a gente está na estrada o tempo todo. Mas temos um controle, é claro, com essa demanda de shows.

  •  Credencial de João Barone no Rock in Rio de 1985.
    Credencial de João Barone no Rock in Rio de 1985. Foto: Acervo pessoal
  •  Baterista João Barone, da banda Os Paralamas do Sucesso.
    Baterista João Barone, da banda Os Paralamas do Sucesso. Foto: Marcio Farias
  •  Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso.
    Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso. Foto: Arquivo Pessoal
  •  Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso.
    Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso. Foto: Arquivo Pessoal
  • João Barone e Herbert Vianna
durante preparação de show
    João Barone e Herbert Vianna durante preparação de show Foto: Fotos: Arquivo Pessoal
  •  Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso.
    Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso. Foto: Arquivo Pessoal
  •  Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso.
    Baterista João Barone da banda Os Paralamas do Sucesso. Foto: Arquivo Pessoal
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 24/08/2024 06:00
x