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"Diversidade é a beleza da vida", afirma o ator Rodrigo Fagundes, gay assumido

No ar como o divertido Gigi de "Volta por cima", Rodrigo Fagundes se surpreende com o sucesso do personagem e relembra Patrick, tipo caricato que viveu há 20 anos. Gay assumido, o ator celebra a forma como a comunidade tem sido retratada na tevê

Rodrigo Fagundes, ator -  (crédito: Sergio Baia/Divulgação)
Rodrigo Fagundes, ator - (crédito: Sergio Baia/Divulgação)

Há um ano, uma cerimônia de casamento praticamente parou o Rio de Janeiro, reunindo uma lista de convidados estelar, repleta de nomes do universo global e da cultura pop nacional. Mais do que uma festa digna de cobertura televisiva, a celebração que consagrou a união entre o ator Rodrigo Fagundes e seu companheiro de mais de duas décadas, o também ator e roteirista Wendell Bendelack, marca o avanço da sociedade em relação à aceitação do amor entre iguais. Algo que talvez fosse impensável há 20 anos, quando o mineiro de Juiz de Fora despontou para o sucesso interpretando o cômico Patrick no humorístico Zorra total, um gay caricato que sofria bullying e reagia de forma risível.

Em 2015, Rodrigo Fagundes estreou em novelas em Babilônia, como o porteiro de um prédio no Leme, na mesma rua onde viviam as personagens de Fernanda Montenegro e Nathália Thimberg, que, ao protagonizarem um beijo lésbico no primeiro capítulo, "detonaram" toda a produção. Agora, em 2024, Rodrigo encara o quarto personagem fixo em novelas confortável em viver Gigi, um homossexual com caraterísticas afeminadas, porém empoderado, como os novos tempos permitem. E é disparado o tipo mais querido da novela Volta por cima, sucesso das 19h.

"É um grande avanço. A dramaturgia sempre refletiu a sociedade, da forma que lhe convinha e abafava muita coisa que, hoje em dia, devido a grandes lutas, avançamos. Ser gay é uma condição. Nasci assim e não me desculpo por nada que diz respeito à minha condição. Durante muito tempo, sofri por não poder, não saber como me enxergar e me colocar no mundo. O tempo, a arte e as pessoas que considero esclarecidas me ajudaram muito nesse processo. Hoje, a homofobia é crime. Precisou virar lei para que muitos entendessem que somos múltiplos e essa é a beleza da vida: a diversidade", declarou ao Correio o ator de 53 anos. 

 

Sebastian (Fabio Lago), Joyce (Drica Moraes), Belisa (Betty Faria) e Gigi (Rodrigo Fagundes)
Fabio Lago, Drica Moraes, Betty Faria e Rodrigo Fagundes: a aristocracia decadente em contraponto ao subúrbio (foto: Fotos: Fábio Rocha/Globo)

 

Integrante do núcleo dos aristocratas decadentes da trama, que inclui, ainda, Betty Faria e Drica Moraes, Gigi de Macedo Góis é um dos personagens mais amados da novela. "Eu me surpreendi com essa popularidade com 15 dias de novela. Nas ruas, no Uber, no voo.... Fico muito emocionado mesmo. Gigi fala o que pensa, é livre. Isso aguça a curiosidade do público, sobretudo porque vem nessa embalagem do humor", argumentou Rodrigo, que procura aprender com a liberdade do personagem.

"Essa autoestima toda dele eu realmente não tenho", explicou o ator, que completa uma trilogia de trabalhos assinados pela autora, Cláudia Souto, com quem já trabalhou em Pega pega (2017) e Cara e coragem (2022). "Nos conhecemos em 2007, ela era redatora do Zorra total e logo descobrimos que um era mais noveleiro que o outro", destacou.

 

Sem spoiler nem revival

O colaborador de Claudia nos três trabalhos é Wendel Bendelack, mas Rodrigo garante que "santo de casa não faz milagre". "Falamos muito pouco da novela e nunca recebo spoiler", garantiu, acrescentando que é a terceira novela de Claudia Souto que faz juntos sem misturar as estações. "Aqui em casa, assunto da novela não se cria", divertiu-se ele, que tem vários sucessos no teatro, mas admitiu desejar fazer mais do que pequenas participações no cinema. "Ainda não me enxergam lá. Fico triste por isso", lamentou. "Quero muito fazer", reforçou.

Já em relação ao Patrick, personagem que marcou a carreira de Rodrigo e pelo qual ganhou o prêmio de Melhor Comediante de 2005 no Domingão do Faustão, o artista o classifica como um divisor de águas, mas que ficou no passado, sem direito a revival. "Eu amo esse personagem que veio do teatro e ganhou a tevê por tantos anos e, até hoje, recebo um carinho gigante do público. Não penso em fazê-lo mais", declarou.

Rodrigo Fagundes, ator
Rodrigo Fagundes, ator (foto: Sergio Baia/Divulgação)

Entrevista | Rodrigo Fagundes

Gigi tem sido apontado, disparado, como um dos personagens mais queridos da novela Volta por cima. Era esperado? Como tem lidado com a repercussão?

Quando li já fiquei apaixonado. Me surpreendi com essa popularidade com 15 dias de novela. Nas ruas, no Uber, no voo.... Fico muito emocionado mesmo. Gigi fala o que pensa, é livre. Isso aguça a curiosidade do público, sobretudo porque vem nessa embalagem do humor. Isso ajuda muito também! Mas estou muito feliz que a novela é um sucesso.

Você está dando vida a um gay assumido na novela. Em pensar que até poucos anos atrás os atores não podiam explicitar sua opção sexual, como você enxerga esse avanço hoje na arte e na vida?

É um grande avanço. A dramaturgia sempre refletiu a sociedade, da forma que lhe convinha e abafava muita coisa que hoje em dia, devido a grandes lutas, avançamos. Ser gay é uma condição. Nasci assim e não me desculpo por nada que diz respeito a minha condição. Durante muito tempo sofri por não poder, não saber como me enxergar e me colocar no mundo. O tempo, a arte e pessoas que considero esclarecidas me ajudaram muito nesse processo. Hoje, a homofobia é crime. Precisou virar lei pra que muitos entendessem que somos múltiplos e essa é a beleza da vida. Diversidade.

Gigi é dono de uma autoestima muito grande. E você?

Procuro aprender muito com Gigi nesse lado da liberdade. Ele, às vezes, é ácido, mimadíssimo, não sabe o que é não e deve passar por conflitos bem bacanas durante a novela. Essa autoestima toda dele eu realmente não tenho. Mas vou absorvendo a cada cena um pouco mais desse lado livre dele. Tenho me divertido muito e aprendido a levar a vida de forma mais leve.

Gigi não será um gay cômico que só vai se dar bem afetivamente no final. Ele vai pegar muitos boys ou terá em breve um pra chamar de seu?

Disse que a graça dele viria das situações trágicas que ele passa porque está sem grana agora (risos). E, realmente, é cada dia um perrengue. Quanto aos boys, ele continua atirando e diz que não quer se apaixonar, o que, com certeza, deve acontecer em breve. Também estou ansioso por esses novos conflitos na vida desse falido.

Está é a terceira novela solo da Claudia Souto e você está em todas elas. Como é essa parceria?

Uma sorte e um privilégio. Nos conhecemos em 2007, ela era redatora do Zorra total e logo descobrimos que um era mais noveleiro que o outro. Mas isso só foi acontecer em 2017, na novela Pega pega, onde ela escreveu Nelito pra mim. É um triunfo pra qualquer ator ter uma autora que gosta e estimula seu trabalho. E Claudia, além de ser uma escritora maravilhosa, é gente como a gente, é acessível, gosta dos atores e nunca deixa o coração de noveleira desacelerar nas batidas. Sou amigo e fã dela. E grato. Para sempre.

Você trabalha na mesma novela em que seu marido, Wendell Bendelack, é colaborador de roteiro. Vocês conversam sobre o trabalho de vocês, trocam ideias? Tem spoiler sobre a trama?

Santo de casa não faz milagre (risos). Falamos muito pouco da novela e nunca recebo spoiler. Ele diz que não me conta pra não criar expectativa pois as coisas podem mudar na trama etc. Brinco que essa é a terceira novela da Claudia que fazemos e nunca misturamos as estações ou abusamos desse privilégio da amizade. Amo receber os blocos e saber o rumo dos personagens, não só do meu. Mas aqui em casa assunto da novela não se cria (risos).

Qual o significado do Patrick na sua vida?

Divisor de águas. Eu amo esse personagem que veio do teatro e ganhou a TV por tantos anos e, até hoje, recebo um carinho gigante do público. Não penso em fazê-lo mais. Teve uma vida linda. E eu só agradeço tudo que ele me deu.

Muitos humoristas estrearam na TV em programas do tipo e hoje fazem sucesso nas novelas, assim como você. Mas seguir fazendo papeis de humor é uma escolha sua? Tem vontade de fazer dramas?

Nas novelas que fiz pude experimentar muitas cenas dramáticas também. O humor acaba vindo mais forte. Mas, sinceramente, não penso em ser engraçado. Penso em fazer com verdade e torcer para que as pessoas se identifiquem e amem o personagem. Luto por isso, rs!

Com mais de 20 anos de carreira, quais seus sonhos profissionais ainda não realizados?

Queria muito fazer cinema. Nunca fiz. Somente pequenas participações que adorei viver. Ainda não me enxergam lá. Fico triste por isso. O público me conhece muito. Mas, no meio, sinto que existe ainda uma falta de curiosidade de diretores de cinema, até de tevê, sobre o meu trabalho. Então, meu sonho é que eles me notem.

 


postado em 01/12/2024 08:00
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