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"Estava na hora de o Brasil ganhar"

Professor André Cunha citou ao CB.Poder os motivos que fizeram Ainda Estou Aqui conquistar o Oscar de Melhor Filme Internacional

Historiador André Cunha -  (crédito: Reprodução)
Historiador André Cunha - (crédito: Reprodução)

Ainda Estou Aqui conquistou o Oscar de Melhor Filme Internacional e foi tema de debate na bancada do CB.Poder, programa do Correio Braziliense em parceria com a TV Brasília. Em conversa, nesta terça-feira (4/3) com os jornalistas Adriana Bernardes e Ricardo Daehn, o professor André Cunha destacou a sensibilidade da obra ao abordar a ditadura militar e a importância da vitória para o Brasil em Los Angeles. Ele ainda ressaltou a trilha sonora cuidadosamente escolhida por Walter Salles e analisou o modo como o longa aborda a ditadura militar de forma sensível. Além disso, comentou sobre as polêmicas envolvendo o lobby no Oscar e a derrota de Fernanda Torres na categoria de Melhor Atriz.

Clique aqui e assista à entrevista.

O que o senhor destacaria em Ainda Estou Aqui?

O filme é excelente. Acho que estava na hora de o Brasil levar um Oscar. Para nós, é fundamental, a fim de mostrar a imagem do Brasil ao mundo. Por mais que o mérito seja da equipe que fez o filme, acho que todo brasileiro se sente um pouquinho vencedor. O que mais me chamou a atenção foi o fato de o mundo conhecer um pouco da cultura brasileira, mas principalmente da nossa música. Eu chamaria atenção pelo mérito de Walter Salles em escolher a trilha sonora, que é muito legal. Fico pensando nos gringos ouvindo essa música, tendo a experiência de ouvir Tom Zé, Erasmo e Roberto Carlos, Juca Chaves, Nelson Sargento, Caetano Veloso, Gal Costa. Nós brasileiros conhecemos essa galera, mas eu fico pensando um gringo vendo o filme e dizendo: "Pera aí, que som é esse? Vou pesquisar". Se um estrangeiro conhecer o Tom Zé, pronto. Já valeu a divulgação no exterior, porque vende um pouco da cultura brasileira e mostra um pouco da nossa música. No filme, tem uma música linda do Erasmo Carlos que ele canta com uma voz muito doce. A música tem uma arranjo belo, orquestrado de violino, com mistura de guitarra elétrica, uma melodia doce. A letra é magnífica e fala sobre inconformismo, sobre o período da ditadura, mas é atemporal.

Qual sua avaliação da escolha do filme em abordar a ditadura de forma sutil, focando no sofrimento psicológico e nas perdas, em vez de grandes arroubos?

Achei uma boa sacada do Walter Salles o fato de o filme ter um componente político bastante óbvio, mas não ser panfletário. Por mais que fique evidente toda a violência que o regime militar cometeu, não vemos palavras de ordem, mas uma uma mulher, viúva, lidando com o luto. Tudo aquilo que há de abominável na violência contra Rubens Paiva é tão óbvio, que você nem precisa reiterar. Um grande mérito também foi que, geralmente, os filmes são mais interessantes quando têm uma zona cinzenta entre bem e mal. No caso desse filme, fica bastante evidente quem é o algoz, quem é a vítima. Como vamos relativizar o desaparecimento de um pai de família?

Uma das críticas feitas ao Oscar é de que é um prêmio calcado, muitas vezes, não só no mérito dos atores e da equipe, mas no lobby que a produção é capaz de fazer. O senhor concorda com isso?

O jogo é assim. Todos os produtores e diretores fazem isso. Acho uma crítica injusta a de que "Walter Salles foi aos Estados Unidos e encontrou fulano e sicrano". Ele também tinha um objetivo em mente e conseguiu, que era ganhar o Oscar. Esse é o tipo de filme para ganhar Oscar. Além de ser um bom filme, ele fala sobre temas visados pela premiação, como o amor da família e o papel da mãe.

Qual sua opinião sobre a questão do etarismo no Oscar, especialmente em relação à Fernanda Torres?

Acho que é muito subjetivo dizer 'gostei mais desse, gostei mais daquele'. No caso de Melhor Filme estrangeiro, acho que teve todo o mérito. Agora, no caso de Melhor Atriz tirando o ufanismo de lado, outras atrizes que estavam concorrendo, principalmente Demi Moore e Mikey Madison, estavam muito bem em seus respectivos papéis. O fato de Fernanda não ter ganhado Melhor Atriz gerou muitos comentários na internet, como 'marmelada', 'preconceito contra o Brasil', etc. Tendo a ver como uma escolha do júri. Se acharam por bem que outra atriz merecia o prêmio, está dado. Na minha opinião particular, dos filmes que vi, achei Demi Moore a melhor, porque o papel dela é complexo, de uma mulher que, numa idade mais avançada, luta para permanecer jovem e faz coisas extremas para isso. O filme é uma alegoria sobre isso, tanto que ela permanece uma senhora, mas outra mulher sai de dentro dela por causa da substância, daí o título do filme. Um filmaço, um filme corajoso.

Professor, o senhor pode falar um pouco sobre seu livro?

Gosto muito disso na literatura, dessa possibilidade de ser outras pessoas. No caso, do meu livro "Quem Falou?", quem escreve sou eu, André Cunha, mas a narradora e protagonista do livro é uma jovem jornalista de Florianópolis, Santa Catarina, na faixa dos 30 anos. Uma mulher meio doida contando suas memórias e desventuras. Fiquei muito feliz e orgulhoso que esse livro foi indicado ao Prêmio Jabuti no ano passado, na categoria de Melhor Romance Literário, junto com outra autora aqui do DF, Fabiane Guimarães.

Carlos Silva
postado em 05/03/2025 06:00
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