
Comer ostras, partir para uma viagem ou acompanhar a materialização de um hobby, num sonho cultivado pela vida: todas as trilhas escolhidas por personagens de Uma bela vida, o mais recente filme do nonagenário Costa-Gavras, tem um destino certo — a morte. Baseado em livro de ensaísta, Régis Debray, e de médico Claude Grange, o filme, no original, conserva o título mais contundente O último suspiro. Sob a assustadora e perturbadora noção do envelhecimento, o personagem central do filme, o filósofo Fabrice Toussaint (Denis Podalydès, do excelente Conquistar, amar e viver intensamente) repensa o dia a dia, depois de uma consulta médica, ao lado do irmão (personagem de Fabrice Scott), na qual descobre "uma manchinha adormecida" no interior do corpo.
Enquanto pondera onde colocar "o diabo" (seja nos "detalhes" ou no meio da sala), Toussaint esbarra no Dr. Masset (Kad Merad), profissional dedicado ao quarto ramo da medicina, o da investida paliativa, subestimado, frente ao preventivo, curativo ou reabilitador. Num momento de atualização do conteúdo do livro O flagelo dos idosos (pelo escalonado número do contingente mundo afora), o filósofo e escritor Toussaint encontra pesquisa de campo: nos corredores de hospital avoluma a observação de experiências alheias.
De ressonância a imposições familiares de pacientes (obrigação de alimentar ou de liberar transfusões de sangue), brotam personagens a mais especial é Léonie (Françoise Lebrun, de O escafandro e borboleta), lúcida, e capaz de debater catetismo, renascimento budista (Punarbhava), metempsicose (migração da alma) e até catasterismo (mito grego que eterniza homens em estrelas).
Com elenco exemplar, que traz Charlotte Rampling (como a idosa feita joguete de familiares), Karin Viard (como a oncologista, e decisiva, Eléanore) e Ángela Molina (a atriz dos emblemáticos Almodóvar e Buñuel), num papel cativante, em meio à trupe de ciganos, Uma bela vida traz .
Responsável ainda pela edição do filme (ao lado de Loanne Trevisan), Costa-Gavras competiu no Festival de San Sebastián, ao lado de filmes díspares como Conclave e Emmanuelle. Com seu currículo, aos 92 anos, nem precisaria: responsável por marcos como Z (1969), vencedor do Oscar, e de filmes robustos como Amém (de 2002, que reunia manobras do Vaticano e nazismo), Missing — O desaparecido (1982), ambientado em meio ao golpe no Chile contra Salvador Allende, e Muito mais que um crime (de 1989, em que imigrante húngaro é julgado por crimes de guerra), o diretor é muito mais do que uma voz de respeito, e ponderada, no testemunho de nossos constantes desafios.
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