
Uma mulher de consciência volúvel, Teresa (Denise Stutz) move um mundo de memórias, em Nada, filme de estreia do experiente diretor de teatro e cenógrafo Adriano Guimarães, hábil em "criar presenças e provocar sensações", por três décadas nos palcos de Brasília e do mundo (computadas as montagens no exterior. "Acho que levei comigo para o cinema essa sensibilidade teatral de pensar o espaço, o gesto e a relação com o olhar do outro", conta, em entrevista ao Correio.
"A arquitetura monumental do museu de Niemeyer e a casa onde vive Teresa apresentam formas distintas de lidar com as memórias, as ausências e as perdas. Mas em ambos lugares, o extraordinário se integra ao cotidiano na tentativa de dar forma ao que escapa",destaca o artista que, em Nada, deixa entrever a lida cotidiana com questões de multimídia.
No filme, longe de delírio ou invenção pura, há dinâmica de entrosamento entre Teresa e a irmã, Ana (Bel Kowarick), perdida, junto ao comportamento da irmã, que experimenta interferências mentais decorrentes da proximidade com misteriosa antena. Tudo assentado numa lógica própria que norteia Nada.
Entrevista // Adriano Guimarães, cineasta
O que motivou o filme?
O filme foi concebido por mim e pelo Emanuel Aragão (parceiro criativo), que assina o roteiro, a partir de uma peça teatral com o mesmo nome, Nada. A peça se passava durante uma festa de aniversário que durava uma hora e meia, em tempo real, sem elipses temporais. Não havia informações sobre o passado de personagens, nem um desfecho claro. A partir disso, começamos a imaginar como seria revisitar a relação das duas personagens principais, Ana e Teresa, em outro contexto. O processo de criação do roteiro foi longo. Desenvolvemos a história juntos. Como costuma acontecer, o resultado final ficou bem diferente das ideias que tínhamos no início.
Seu filme fala sobre o inesperado e o inexplorado... Brasília e o cenário adjacente favorecem o esoterismo, o desgovernar da realidade concreta?
Desde o início, pensamos o filme como atravessado por uma espécie de fantasmagoria — tanto no sentido das imagens de memória que assombram os personagens quanto na própria natureza do audiovisual: essa máquina de eternizar presenças. A antena, naquela pequena comunidade isolada, funciona como um dispositivo que materializa lembranças e provoca interferências na realidade: visões, ruídos, vozes que se manifestam de forma concreta no ambiente. Teresa, que vive há mais tempo sob essa influência, convive com essas presenças com naturalidade. Ela janta e assiste à TV ao lado da mãe falecida como se fosse parte da rotina. Em Brasília, Ana utiliza a tecnologia fantasmagórica do audiovisual para materializar a presença da irmã, tornando visível o que já não está ali.
Qual significado maior do depoimento da Teresa no filme?
No filme, Ana é artista visual, mas, no início, sabemos pouco sobre o seu trabalho. Em determinado momento da narrativa, ela começa a colher depoimentos da própria irmã, numa tentativa de compreendê-la. A incomunicabilidade entre as irmãs é um dos eixos centrais da narrativa. A câmera funciona como registro, mas, principalmente, como um modo de comunicação — uma forma de criar uma distância que, paradoxalmente, permite algum tipo de aproximação.
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Como notou a incursão em cinema, depois de tanto teatro?
Segui fazendo o que costumo fazer no teatro: tentar entender o que deve ser mostrado, o que deve permanecer oculto e como construir escolhas. No cinema, esse processo se tornou mais complexo, porque as possibilidades se multiplicam — há muito mais variáveis técnicas e estéticas em jogo. Isso me causou certa angústia, mas também um enorme prazer diante da potência da linguagem cinematográfica, dessa máquina de ilusão que é capaz de criar mundos inteiros. O audiovisual oferece uma liberdade de construção muito grande, uma capacidade quase ilimitada de manipular tempo, espaço e percepção. Já o teatro, por mais elaborado que seja, é mais artesanal — a ilusão que ele propõe sempre tem algo de rudimentar.
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