
Toda vez que o MPB4 sobe ao palco, traz junto a certeza de que a música brasileira tem força, tradição, história e, sobretudo, criatividade para se reinventar. Criado em 1965, o grupo, hoje formado por Miltinho, Aquiles Reis, Dalmo Medeiros e Paulo Malaguti Pauleira, acaba de lançar um disco comemorativo dos 60 anos de trajetória e agora desembarca em Brasília para show na Sala Martins Pena do Teatro Nacional.
Não é o show da turnê de 60 anos que o quarteto traz a Brasília — esse foi realizado no ano passado e conta com uma banda equipada com bateria, bandolim e contrabaixo —, mas o repertório da apresentação traz as músicas do disco comemorativo, além de outras representativas da trajetória do grupo. "Em Brasília, somos somente nós quatro, é uma produção mais enxuta, mas a gente toca várias músicas que fazem parte do disco de 60 anos e outras que a gente não canta sempre. O repertório de 60 anos é tão extenso que, de vez em quando, a gente pesca umas coisas", conta Miltinho. "E é bom fazer esse show só os quatro, porque a gente chega no camarim e fala 'ah vamos fazer essa' e é tranquilo."
O repertório do show de hoje terá clássicos como Samba do avião (Tom Jobim), Yolanda (Chico Buarque), Amigo é pra essas coisa (MPB4), Por quem merece amor (MPB4), Porto (Dori Caymmi) e A lua (Toquinho), essa presente em todos os shows. "Aí, começa uma coisa mais forte, para dar recado", avisa Miltinho, que incluiu na lista Gota d'água, Cálice, Apesar de você e Roda viva, músicas que dão o tom político que o MPB4 sempre carregou e nunca deixou de lado. São todas canções de Chico Buarque, um dos maiores parceiros do quarteto nos anos 1960 e 1970. "O MPB4 surgiu na ditadura e nunca se separou da política, fomos um pouco repórteres da época. A gente canta o que os compositores fizeram, e tinha a ver com o momento do mundo inteiro. Temos uma cara que liga, sim, música com polícia, porque uma coisa não está dissociada da outra", avisa Miltinho.
Mesmo no disco em comemoração aos 60 anos, essa postura política entrou, especialmente em Notícias do Brasil, em parceria com Milton Nascimento, e Angélica, com Chico Buarque, uma homenagem a Zuzu Angel, cujo filho foi assassinado pelos militares durante a ditadura. O projeto do álbum, aliás, nasceu de uma vontade de convidar nomes fundamentais na história do quarteto. "A gente resolveu fazer um disco convidando vários compositores e que participassem da gravação junto com a gente. E eles escolheram as músicas, de autoria deles, cada faixa de um autor", conta Miltinho. Todas as canções ganharam novos arranjos e uma boa parte delas nunca haviam sido gravadas pelo quarteto. Estão lá Milton Nascimento, Chico Buarque, Ivan Lins, Alceu Valença, Kleiton&Kledir, João Bosco, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Guinga, Edu Lobo, Francis Hime e Toquinho. Em entrevista, Miltinho fala um pouco sobre o grupo, as dificuldades enfrentadas, a adaptação à indústria musical contemporânea e a fidelidade do público.
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Serviço
MPB4 — 60 anos de MBP4
Show hoje, às 19h, na sala Martins Pena, no Teatro Nacional. Ingressos: R$ 150 (meia) e R$ 500, no site www.esquinashow.com
Três perguntas para// Miltinho — MPB4
O MPB4 passou por dois momentos difíceis: a saída de Ruy Farias, a primeira voz do grupo, em 2004, e a morte de Magro, o arranjador. Como foi passar por isso e chegar ao disco de comemoração dos 60 anos, com novos arranjos sem perder a sonoridade do quarteto?
Essa saída do Ruy foi traumática, ele fazia a primeira voz, mais aguda, e a gente tinha que ter uma pessoa com perfil musical dele, porque os arranjos do MBP4 são feitos, normalmente, com a melodia na voz aguda. A gente conseguiu encontrar uma pessoa de um perfil muito parecido, egresso de conjunto vocal, o Dalmo Medeiros, que tinha cantado no Céu da Boca. Ele caiu como uma luva. Mas, em 2012, o Magro morreu e o trauma foi muito maior, nosso arranjador, a razão musical do MBP4, o cara que inventou nosso som e perpetuou a formação musical do grupo. Foi muito difícil, chegamos a pensar em parar. Mas falou mais alto a coisa de continuar perpetuando esse som e contribuir para música brasileira com essa coisa do vocal. O MPB4 tem uma marca importante na música brasileira. Resolvemos prosseguir e fomos procurar uma pessoa com o perfil parecido com o Magro. E tivemos a felicidade de encontrar o Pauleira, que também tinha feito parte do Céu da boca. Magro é nossa referência, nossa marca. E o Pauleira entrou fazendo os arranjos, mas mantendo essa marca.
Qual o lugar do MPB4 na música brasileira hoje?
O som do MPB4, na formação original, a gente ouve e sabe que são os quatro. É o som original, o que mais me agrada, por uma questão sentimental. Mas a gente continua fazendo coisas maravilhosas. O uníssono do MPB4 é muito forte. Mas o grupo é intérprete, não somos compositores, como Gil, Chico e Caetano. Para nós, é mais difícil, porque interpretamos todos eles. Somos um intérprete de 60 anos que nunca parou e está aí cantando em todos esses anos. Mas a fila anda e, de repente, aparecem novos valores, novos vocais. O MPB4 não para, todos os anos lançamos um disco. Continua sendo referência, pelo menos de um repertório brilhante da música brasileira e do vocal, a gente tem um lugar e um espaço. Mas tudo é dinâmico e é isso que é bonito na música brasileira, não para, é muito rica. Só que, atualmente, não se grava como se gravava. O MPB4 gravava um disco por ano. As gravadoras foram terminando e é difícil gravar um novo disco, com novas pessoas. E o MPB4 não tem patrocínio, a gente junta as coisas todas e vai fazer o show. É mais difícil manter o espaço que teve até então dentro da música brasileira
O que mudou no público do MPB4 ao longo dessas décadas?
A gente continua tendo um público muito fiel, que nos acompanha há muito tempo. Quando a gente faz show, pelo menos 50% da plateia é o público que não deixa nunca de ir. Em todo show, a gente vende e autografa os discos e sempre tem gente que diz que há muito tempo não ouvia um show da gente e grande parte diz que é a primeira vez. Sempre tem uma menina ou rapaz de 20 e poucos que diz 'meu pai é fã de vocês, mas nunca tinha visto um show'. A gente fica muito satisfeito porque existe essa troca de pai, filho e neto. Ainda tem um público e um público novo. A gente consegue emocionar essas pessoas. E, como dizia Paulo César Pinheiro, o importante é que nossa emoção sobreviva.
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