Crítica // Cazuza: boas novas ★★★★
Houve quem quisesse ver Cazuza frágil, mas a realidade era oposta: vinha, de pronto, a chama da "porrada", imperativa no dia a dia do cantor; como destaca um dos entrevistados do documentário Cazuza: Boas novas, a cargo da dupla Roberto Moret e Nilo Romero. Exaurido, o compositor (pioneiro em abrir, publicamente, a condição de portador do HIV), cantava deitado, na urgência de resistir, e passar o recado de inconformismo e afinar o gosto do público, mesmo em indesejada atmosfera mercadológica, quando cedia a entoar Faz parte do meu show ("o namoro da Nara Leão com Menescal", como ironizava um amigo do cantor, morto aos 32 anos, em 1990).
Testemunha cotidiana na vida de Cazuza, Romero (amigo e parceiro musical do artista) busca balizar o longa com harmonia, num encadeamento de memórias e depoimentos que renovam a vitalidade da poesia do "menino querido", como pontua o fotógrafo Flávio Colker. "Tesudo de trocar energia com o público", como ressaltava, Cazuza, outrora o trovador do excesso, é saudado por figuras absolutamente próximas, como Léo Jaime que destaca "a potência vocal, o afinamento e a consciência cênica", mesmo na reta final. Empresária, Márcia Alvarez comparece para contar do contorno de situações como a de ter UTI instalada na porta da gravadora. E é ela quem decifra que Cazuza "era (um) amor" e "era o amor", brilhante e "completinho". Se há crítica, na fita, da imprensa capaz de registrar o "mundo dele, indo", "definhando", num quinhão de "crueldade" (como observa Léo Jaime), há o equilíbrio de um Arthur Dapieve, fabulando o drible na morte imposto por Cazuza (com quê de Xerazade), hábil em perpetuar a importância de suas mensagens.
O Cazuza que esbravejava também habita o documentário. Ele conceitua "o modelinho perfeito" embutido na Aids, à luva, para satisfazer "a deselegância da direita e da Igreja" e também protagoniza o polêmico episódio da cusparada na bandeira do Brasil (desiludido com a irrealidade da "Ordem e Progresso" propalada). À época, ele traçou paralelos entre o Vietnã e a situação da Amazônia e do "Apartheid" de um Brasil "disfarçado de democracia".
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Junto com um riqueza de arquivo, que contempla fotografias de Miriam Prado, e de apresentações de músicas como Quando eu estiver cantando (parceria com João Rebouças) e Codinome Beija-Flor (Cazuza, Reinaldo Arias e Ezequiel Neves), o filme se completa, quando transborda, em cena, amor e encantamento, nas participações daqueles que mais guardaram a luz de Cazuza: a mãe Lucinha Araújo, Frejat, Ney Matogrosso e o pai, João (morto em 2013).
