O Beirut foi um dos principais nomes da música alternativa entre o final dos anos 2000 e a década de 2010. Capitaneado pelo cantor multi-instrumentista Zach Condon, o Beirut lançou o álbum A study of losses em um novo momento. O projeto musical volta a fazer turnês e tenta, por meio das músicas, conservar a memória musical que influencia e sempre inspirou Condon.
O novo disco, que está entre os mais aclamados da primeira metade de 2025 , foi encomendado pelo circo sueco Kompani Giraff e criado a partir da leitura do romance Verzeichnis einiger Verluste, da autora alemã Judith Schalansky. A ideia sempre foi entender os conceitos de impermanência e preservação do mundo a volta de Zach Condon.
Em tradução direta para o português, A study of losses significa um estudo sobre perdas. O disco, portanto, caminha pelas descobertas do artista em 18 faixas sobre culturas, músicas , arquiteturas, espécies, entre outras coisas que podem variar de uma hora para outra e se perder.
Partindo desse princípio, o álbum mostra que foi na música que ele encontrou a forma de preservar o que pode se perder. “Pela forma como sou, me tornei estranhamente um conservacionista de músicas e culturas musicais que estudo. Porque eu vejo elas desaparecerem e isso me deixa muito triste, sinto que estamos realmente perdendo coisas importantes”, explica Zach Condon em entrevista ao Correio.
Para ele, todo o processo do disco foi um retorno para a forma como foi criado. Zach nasceu em Albuquerque, cidade do estado do Novo México nos Estados Unidos. Lá, ele vivia entre referências da cultura hispânica e nativa indígena do país, mas não se sentia parte de nenhuma das duas. Posteriormente se mudou para Alemanha e se viu no mesmo lugar mentalmente ao não ter participação cultural efetiva. “Eu sou do jeito que eu sou, porque sempre me senti distante de uma cultura própria, parece que eu estou sempre procurando uma para mim”, conta.
“Sempre fui obcecado por histórias que claramente eu não fazia parte. Sempre me senti um gringo, senti que nunca faria parte daquilo tudo. Senti isso a minha vida toda. A sensação é de estar sempre do lado de fora, mas olhando para dentro”. No entanto, foi nesse novo trabalho que ele encontrou a forma de fazer parte. “Eu olho para culturas do mundo todo e quero mostrar para todo mundo o que eu vejo de bonito nelas”, afirma.
Dessa forma, o álbum foi também uma caminhada para o autoconhecimento. “Quando eu estava trabalhando no álbum, eu percebi que tinham algumas coisas que eu sentia de forma muito poderosa”, declara o vocalista que disse entender melhor a si mesmo e o Beirut após todo o processo de gravação e lançamento.
Conexão direta
Com o disco, também veio a primeira turnê do Beirut desde 2019. Zach destrincha que esteve longe dos palcos por alguns motivos. Entre problemas de saúde, ansiedade, medo de voar de avião e de falhar, o vocalista se viu sofrendo ao buscar apresentar as músicas na estrada. “Meu problema com turnês é difícil de explicar. Quando eu estava na estrada comecei a despedaçar. Era muita pressão”, revela.
“Eu fiquei paranoico”, lembra Zach que não saia de casa e evitava qualquer forma de adoecer, o que tensionava muito todas as turnês. “Eu fiquei louco, porque tentava parar uma força da natureza que eu era incapaz de controlar. Era assustador”, complementa o artista.
As viagens de avião ainda eram um agravante para toda a situação. “Eu lutei com esse medo por mais de 17 anos, mas se tornou cada vez mais intenso. Já tentei de tudo. Muitos tipos de terapia, bebia muito para entrar no avião. Eu não posso fazer isso”, comenta o artista que agora desistiu de voar. “Eu cansei de achar que ia morrer o tempo todo. Passei minha vida inteira entre voos. Era muito difícil para mim”, reflete.
A turnê de retorno aos palcos foi toda para lugares que conseguia chegar de trem pela Europa. “Quando eu tirei a viagem de avião do caminho, percebi que as turnês não eram tão ruins, na verdade, eram muito divertidas. É legal perceber as pessoas aproveitando a música, rever meus amigos que moram nesses países, andar nas cidades novamente”, analisa.
Porém, ele ainda quer voltar às viagens aéreas para se conectar à outras culturas. “Se um dia eu conseguir voltar a andar de avião, o Brasil estará na rota com certeza”, diz. “É um país com tanta cultura e amor pela música que sempre vai me influenciar como artista”, exalta Condon que chegou a ver o Beirut ser anunciado no Popload Festival de 2019 em São Paulo, mas cancelou a participação.
As viagens da música
Se o artista não consegue viajar, a arte dele já conquistou o mundo. Ele acumula dezenas de milhões de reproduções nas plataformas de streamings e viu faixas terem embalado a vida de muitas pessoas que nem falam a mesma língua que ele. Um bom exemplo é Elephant Gun, que chegou a entrar na trilha sonora da minissérie brasileira Capitu. “É irreal para mim pensar que tanta gente se conectou com o meu trabalho e ao mesmo tempo sinto que cumpri meu dever”, destaca.
Zach lembra que quando começou se sentia sozinho e escrevia músicas no antigo quarto de infância da casa dos pais em Santa Fé, nos Estados Unidos. Ele havia largado os estudos e não achava respostas para os sentimentos. “Eu lembro de, mais novo, escrever essas músicas e pedir: ‘por favor, tomara que mais alguém sinta as mesmas coisas que eu’”, recorda. “As emoções eram tão intensas que eu só queria que aquilo se conectasse com as pessoas. Eu já tinha desistido de qualquer outra coisa além da música”, completa.
Agora com 39 anos e mais de 20 desde que decidiu se dedicar somente à música, ele vê, por meio das conquistas e das criações, que ele se conectou e que toda aquela dor, não só o levou a grandes lugares, como também valeu a pena. “Saber que essas músicas chegam as pessoas mostra que os meus instintos estavam corretos. Acho que deu certo”, acredita.