Entrevista

"Nossa bandeira é dar protagonismo ao amazônico", diz Fafá de Belém sobre a COP30

Ao CB.Poder, a artista ícone da MPB contou os planos para comemorar o aniversário de 50 anos de carreira. Além disso, comentou sobre a sua fé, a importância de valorizar o povo da Amazônia e a expectativa em torno da COP30

 04/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - CB.Poder entrevista a cantora Fafá de Belém. -  (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
04/08/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - CB.Poder entrevista a cantora Fafá de Belém. - (crédito: Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A cantora Fafá de Belém, que completa 50 anos de carreira em 2025, foi a convidada do CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília — de ontem. Durante a entrevista, ela contou sobre o Projeto Varanda de Nazaré e sobre o Fórum Amazônia, dois projetos idealizados por ela, que têm como objetivo dar mais visibilidade ao povo amazônico, com discussões protagonizadas por pessoas que vivem na Amazônia. Às jornalistas Adriana Bernardes e Mariana Niederauer, ela comentou sobre a representatividade que cantar para três papas tem para o povo do Pará. Ela também ressaltou os planos para a comemoração do aniversário de carreira, que incluem shows e produções como documentário e uma biografia. 

Nesses 50 anos, você possui o projeto Varanda de Nazaré. Conta um pouquinho para gente sobre esse projeto. 

O projeto Varanda de Nazaré começou há 15 anos, porque as pessoas sempre me perguntavam: "Por que todo mundo fala de (Nossa Senhora de) Aparecida e não falam do Círio de Nazaré (festividade religiosa que acontece em Belém)?". Eu também não tinha explicação para isso. Percebi que não tinha um olhar das mídias que colocasse o Círio em um lugar de destaque. A minha preocupação se voltou às pessoas que trabalhavam durante essa festividade, e um questionamento veio à mente: o que essas pessoas faziam no restante do ano? Não tínhamos um bom atendimento de hotel, não tínhamos um bom atendimento de restaurante e resolvi pensar em alguma coisa. Em algo nos moldes do carnaval da Bahia, que, há 45 anos, mudou (na gestão do) evento, renovando a cidade de Salvador, por exemplo. Então, com o projeto, trazemos esse olhar de fora para a cultura paraense durante o Círio. Há 15 anos eu trago olhares que vão desde babalorixás, padres, teólogos, Leandro Karnal, (Mario Sergio) Cortella e apresentadores e jornalistas. 

Outro projeto que você encabeça é o Fórum Amazônia. O que te inspirou a criar esse fórum?

Há três anos, durante a COP Egito, foi anunciada a COP no Brasil e havia a possibilidade de acontecer em Belém. Também há três anos, fui a um evento musical em Nova York e tinha um fórum gigantesco produzido por brasileiros dentro da ONU (Organização das Nações Unidas) que falava da Amazônia, mas sem nenhum representante amazônico. Não havia um pensador da Amazônia, um professor, um intelectual amazônico. Aí, eu pensei: "Como pode falar de Amazônia apenas com pessoas que idealizam uma Amazônia?". Liguei para o Eugênio Pantoja, um querido amigo, e perguntei se dava para fazer um fórum sobre a Amazônia. A ideia era trazer ribeirinhos, coletivos de mulheres, coletivos de jovens para tratar desse conhecimento. O primeiro fórum foi maravilhoso e, agora, seguimos para o terceiro com o tema: O futuro da Amazônia é agora.

Quais são as reivindicações que provavelmente serão levadas para esses fóruns?

A nossa bandeira é dar protagonismo total ao amazônico, recebendo pensadores de fora e os fazedores culturais. Há uma dificuldade de fazer alguma coisa porque eles (os amazônicos) ficam longe, a cerca de 3h30 de tudo, e há um preconceito. Lembro-me que quando o Coldplay veio há uns dois anos, utilizavam-se muito imagens da Amazônia. O vocalista (Chris Martin) jogava bola em Copacabana e falava de "Save a Amazônia". Tudo era imagem da Amazônia, mas eles não foram à Amazônia para fazer shows gratuitos aos ribeirinhos. Se o Coldplay está usando a imagem da Amazônia, ele deveria estar lá. Nem que fosse em uma viagem para conhecer as pessoas, conhecer coletivos e saber das histórias das pessoas. É fundamental que os olhares se cruzem. Precisamos de olhares, de estudos e de investimentos, mas tem que ser com os nossos. Essa é minha bandeira que irei levantar durante o COP. Todos os eventos que farei na conferência, estou levando coletivos de poetas, músicos e artistas que não estão na programação oficial. Vamos falar de biomas brasileiros, de mudança climática universal, falaremos dos saberes ancestrais. 

Falando sobre ancestralidade, como foi seu aprendizado com a pensadora Djamila Ribeiro?

Eu achava que a ancestralidade era só sanguínea, que era sobre DNA. E ela me disse que não, que a ancestralidade é tudo que você recebe durante o seu crescimento, tudo que se torna pele. Isso foi muito importante, porque eu não consigo entender por que o paraense não viaja sem um banho de cheiro e uma farinha. Isso é ancestral. Falamos disso sem qualquer academicismo. O primeiro contato das pessoas mais pobres com a alimentação é água com farinha, que é o chibé. E essa questão da ancestralidade também estará presente no fórum.

Além da ancestralidade, outro ponto muito importante para você e sua carreira é a fé. Você cantou para três papas, será que o Leão XIV virá ao Brasil para te ouvir?

Se o Vaticano mais uma me convidar, estarei lá. Foram três momentos muito fortes na minha vida. Venho de uma cidade que tem a maior procissão de fé, que tem três milhões de pessoas que recebem a todos. Quando o Vaticano me convidou para cantar para os papas (Santo João Paulo II, Bento XVI e papa Francisco), sinto que quem me levou para lá foi o meu povo. E se, mais uma vez for convidada, agradecerei com muita honra. Quando recebi o convite, eu perguntava "por que eu?" Depois do papa Francisco eu entendi que não era sobre mim, era sobre meu povo. 

Falando sobre os 50 anos de carreira, o que tem de novidade para essa comemoração?

Tem muita novidade. Tem um musical chamado Fafá de Belém, um musical. E estão fazendo um filme baseado na minha história chamado A garota do norte, que conta a história de uma menina que enfrenta os mesmos problemas de 50 anos atrás, o bullying e o machismo. Que, naquela altura, na juventude, a gente não percebia. Também tem a minha biografia que estou escrevendo, que eu prometi há tempos. E também tem um documentário que estamos gravando, gravamos no Círio e no dia 21 iremos gravar quando irei receber o título de cidadã soteropolitana, representando o início da minha carreira que foi em Salvador. E vamos voltar, no ano que vem, com o espetáculo A filha do Brasil, que conta os meus 50 anos de carreira.  

Acreditamos que a sua biografia vai contar sobre a sua participação durante as Diretas Já. Como é para você hoje, olhar para essa Constituição Cidadã que está sendo aplicada? Você acredita que o Brasil está seguindo um caminho que busca cada vez mais
pela igualdade?

Participei de 35 comícios das Diretas Já. Fui de mula, de carona em bicicleta, de barco, de carro. Fiz tudo para estar presente. Depois participei da Constituinte, ao lado do Dr. Ulysses Guimarães, que foi uma honra. O resgate da democracia em 1984, passando pelo Congresso Nacional e escolhendo um presidente civil, que acabou não ocupando o cargo, mas também veio o (José) Sarney e todo um pensamento democrático. Estamos em uma trajetória de democracia, esse processo democrático é fundamental, com seus erros e acertos. É como uma criança aprendendo a andar, ainda dá tempo de errar e consertar. O importante é sempre consertar para o rumo das liberdades conquistadas e adquiridas, de forma democrática e com respeito ao outro. O ódio não leva a lugar nenhum. 

 

* Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

  • Aponte, aqui, a câmera do celular para assistir à entrevista completa
    Aponte, aqui, a câmera do celular para assistir à entrevista completa Foto: DA Press
  • "Foram momentos muito fortes na minha vida", afirma Fafá de Belém sobre cantar para três diferentes papas
    "Foram momentos muito fortes na minha vida", afirma Fafá de Belém sobre cantar para três diferentes papas Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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postado em 05/08/2025 06:00
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