
A série original Globoplay Dias perfeitos surge como uma obra que transcende a mera adaptação. Sob a pena da roteirista Claudia Jouvin e a batuta da diretora Joana Jabace, a narrativa extrai do best-seller homônimo de Raphael Montes não apenas sua essência, mas uma nova camada de profundidade. Se o livro já nos conduzia pela mente perturbada de Téo, a versão audiovisual ousa adentrar também os labirintos da psique de Clarice, tecendo uma tapeçaria de dualidades em que percepção e realidade se entrelaçam de modo inquietante. Quatro episódios desembarcaram na plataforma na última quinta-feira (14/8), seguidos por mais dois nos dias 21 e 28, como capítulos de um suspense que se desdobra em ritmo de tormento.
"Dar voz a Clarice era essencial para que ela não fosse reduzida a uma figura passiva, um mero objeto da obsessão de Téo", reflete Claudia Jouvin. "Essa perspectiva não apenas enriquece a trama, mas forja uma personagem complexa, contemporânea e resiliente — mesmo quando engolida pelo turbilhão de sua própria história. Cuidamos para que os fãs do livro não se sentissem traídos; ela ainda é a Clarice da literatura, apenas vista por um ângulo que o livro, preso ao olhar de Téo, não explorava. É como descobrir uma carta escondida dentro de um romance já conhecido."
A fotografia e os enquadramentos da série não são meros adornos, mas instrumentos narrativos que amplificam o abismo entre os dois protagonistas. Cada movimento de câmera é um reflexo das almas em conflito: para Téo, planos precisos e calculados, espelhando sua frieza metódica, sua compulsão por controle. Já Clarice é retratada em lentes desestabilizadas — ora o balanço cru de uma câmera na mão, ora closes sufocantes em macro, como se a própria imagem tremesse diante do horror, do desespero, da angústia que a consome.
A narrativa se desdobra em quatro atos distintos — Apresentação, Confinamento e obsessão, Falsa liberdade e Desfecho —, cada um marcado por uma evolução visual e emocional. O cenário urbano, inicialmente vibrante e realista, vai aos poucos se tingindo de tons sombrios, como um véu que se rasga para revelar o pesadelo por trás da fachada. "Não se trata de uma divisão rígida da dramaturgia, mas de uma bússola para nossas escolhas estéticas", explica Joana Jabace. "Essa estrutura nos guiou na construção de uma jornada que o espectador não apenas assiste, mas sente — episódio após episódio, como um lento mergulho na loucura."
Tensão sustentada
Produzida pela Anonymous Content BR, a série acompanha a aspirante a roteirista Clarice e o estudante de medicina Téo, cuja obsessão nasce de um encontro casual e desemboca em sequestro, na crença delirante de que, com tempo suficiente, ela aprenderá a amá-lo. O elenco ainda conta com Débora Bloch e Fabíula Nascimento como as mães dos protagonistas, além de nomes como Elzio Vieira, Julianna Gerais e Clarissa Pinheiro, em uma teia de relações que amplifica o suspense.
Para Julia Dalavia, intérprete de Clarice, a experiência foi um exercício de resistência emocional. "A divisão das narrativas — tão distintas quanto na vida real — foi fascinante. O maior desafio foi sustentar a tensão por tanto tempo, mas tivemos a sorte de estar nas mãos de Joana, uma regente que soube conduzir essa orquestra com cuidado."
Já Jaffar Bambirra, que dá vida a Téo, descreve seu personagem como "uma ebulição de contradições". "Ele não cabe em si mesmo, e quando conhece Clarice, vê nela uma permissão para ser quem realmente é — e essa verdade é aterradora. Foi como mergulhar em emoções que não são minhas, mas que precisei habitar."
Assinando os roteiros ao lado de Claudia Jouvin, Dennison Ramalho e Yuri Costa completam a equipe que transforma Dias perfeitos em mais que uma adaptação: é um espelho quebrado, refletindo as mesmas histórias, mas de lados opostos — e, talvez, mais sombrios do que jamais imaginamos.