CINEMA

Vencedor do Urso de Prata em Berlim, 'O último azul' chega aos cinemas

Filme de Gabriel Mascaro chega aos cinemas com protagonismo de Denise Weinberg e retrato sobre envelhecimento no Brasil

Denise Weinberg percebeu as gravações na Amazônia como um grande privilégio  -  (crédito: Divulgação )
Denise Weinberg percebeu as gravações na Amazônia como um grande privilégio - (crédito: Divulgação )

Após vencer o Urso de Prata no Festival de Berlim, O último azul, dirigido por Gabriel Mascaro chega aos cinemas brasileiros. Na trama, o Brasil vive uma realidade na qual uma política de exílio é forçada sobre os idosos para que os jovens possam viver sem preocupações com os mais velhos. Os idosos são transferidos para colônias habitacionais e chegou a vez de Tereza.

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Com 77 anos, Tereza mora em uma cidade industrializada na Amazônia e recebe o chamado do governo para morar nas colônias. Porém, ela ainda não se sente pronta para abandonar sua vida e embarca em uma viagem pelas águas amazônicas em busca de realizar um último desejo. O último azul traz uma reflexão sobre envelhecimento e mostra que nunca é tarde para se entregar à vida e tem o protagonismo de Denise Weinberg e a  participação de Rodrigo Santoro.

Gabriel Mascaro quis abordar o corpo feminino idoso em uma jornada de pulsão e desejo e teve algumas dificuldades em achar como contaria essa história. "A gente começa a perceber que é muito difícil porque é como se as tradições narrativas de gênero não dessem conta desse corpo idoso. O corpo idoso no cinema é um corpo dissidente, as narrativas não abraçam esse corpo como abraçam os corpos jovens", comenta o diretor.

O cineasta quis brincar com o gênero coming of age, conhecido no cinema por falar de jovens na flor da idade. "Ele caminha para uma distopia, depois vira uma coisa meio surreal e, de repente, cai num filme de jornada, no boat movie amazônico, na qual a estrada é o rio. Essa personagem se conecta com esse gênero do coming of age, a diferença é que é um coming of late age, da idade avançada. É um florescer na maturidade. O filme tenta passar essa mensagem de que nunca é tarde para ressignificar a vida", ressalta.

Denise Weinberg, protagonista do filme, comenta que acha a personagem de Tereza muito rica. "É um brinde para uma atriz, um presentão. Claro que eu me identifiquei, estou na terceira idade, tenho 69 anos, sou mais nova que a Teresa, mas eu tenho o mesmo espírito dela. Isso vai me ajudar a atravessar, a fazer a travessia e para isso que a gente é atriz, para ajudar a entender um pouco essa vida louca e breve. Eu mergulhei, e ainda tinha o brinde extra de ser na Amazônia, era naquela loucura toda,  era uma jornada pesada. Mas quando você faz o que gosta, você esquece a hora", destaca a atriz sobre o processo de gravação.

A Amazônia se torna uma personagem pulsante dentro da narrativa e recebe um arco de transformação, assim como Tereza. "O filme começa com a linha de produção de jacarés, é pensar a Amazônia enquanto personagem próprio com transformação e arco", comenta o diretor. Gabriel destaca que a jornada da personagem se conecta à floresta. "Começa com o jacaré e termina com ele, mas, no final, solto nadando no rio. Acho que a gente também cria esse arco amazônico para falar sobre liberdade desse corpo que começa domesticado", afirma.

Denise destaca que gravar na Amazônia modificou completamente sua experiência. "A Amazônia tem uma pulsação que te contamina. Você não cansa, teu físico cansa de trabalhar 10 horas, mas você não se sente cansado. Eu voltei morrendo de saudade de lá. Voltei ainda querendo mais, ainda não satisfeita com dois meses. Foi tão bom ter o privilégio de ver o nascer do sol e o pôr do sol todos os dias na Amazônia, é para poucos, acho que é para muito poucos", destaca. Além disso, a atriz enfatiza que a Amazônia não foi retratada de forma romântica, mas de forma real. "É uma Amazônia que é real, onde tem coisas terríveis: indústrias, tráfico, prostituição fortíssima, tem as populações ribeirinhas, uma vida sofrida. O Gabriel retratou uma Amazônia sem pena. Eu tirei qualquer possibilidade de sonho, coisas oníricas. A Amazônia é linda, mas é assustadora também", reflete a protagonista.

O último azul levou para casa o segundo maior prêmio do Festival de Berlim, o Urso de Prata, concedido pelo grande júri. "A gente teve uma alegria imensa de estrear no Festival de Berlim, que já consagrou filmes como Central do Brasil, Tropa de Elite e fomos confirmar essa força do cinema brasileiro ganhando o Urso de Prata no ano que a gente ganha um Oscar. É muito bonito estar em um ano tão potente para o cinema brasileiro. Eu espero que as pessoas vão celebrar o cinema brasileiro dentro do cinema", destaca o diretor sobre as expectativas para o lançamento no Brasil.

Denise Weinberg deseja que o longa leve os brasileiros aos cinemas. "Eu insisto muito que as pessoas não fiquem esperando o cinema chegar na casa delas. A gente precisa das pessoas nas telas de cinema. A gente faz cinema para isso. Uma coisa é ver O último azul, no telão, no escurinho do cinema. Outra coisa é ver no sofá da casa mexendo no celular. Você fica na sua vida cotidiana e, de vez em quando, dá uma olhada no filme. Eu acho que esse filme merece uma atenção, não porque a gente fez, mas porque é uma observação sobre o panorama atual na Amazônia, que pode ser visto como distópico, mas acho que é completamente real", finaliza a atriz.

Três perguntas para Rodrigo Santoro

Como esse convite chegou até você e o que te interessou no projeto inicialmente?

Na verdade, a minha história com o Gabriel começa quando ele fez Boi Neon. Eu vi o filme e fiquei fascinado com o trabalho dele. Procurei o Gabriel e disse que eu queria trabalhar com ele. Conversamos quando o Gabriel foi fazer o Divino Amor, mas eu estava trabalhando, não funcionou e aí ele me procurou com esse roteiro e falou: "Olha, agora escrevi uma personagem para você. Eu queria ver o que você sente, uma participação. Me diga o que você acha". E eu fui arrebatado pelo roteiro, pela personagem, pela temática do filme, sobre o tipo de reflexão que ele propõe. É uma protagonista idosa que vive numa pulsão de vida, que tem vontade de viver, que resiste a um ponto final,que no caso do nosso filme, o governo está querendo colocar na vida dela, mas é uma grande metáfora para dizer como nós nos relacionamos com o envelhecimento, com os idosos.

Como foi a sua preparação para esse personagem?

O que me chamou atenção no Cadu foi justamente o olhar na contramão do que a gente está acostumado a ver a figura do masculino, especialmente num barco. Um homem num barco é uma figura livre e o barco para o Cadu é justamente o contrário, é uma prisão. O Cadu sofre a dor de estar distante do grande amor da vida dele. É um homem que começa embrutecido com o coração nu, e que por meio do encontro com a Teresa, e de uma experiência com os encantos da floresta amazônica, ele toma coragem e toma a rédea da própria vida, vai lidar com as suas próprias fragilidades, assumir elas. Eu acho uma forma de falar de um homem solitário muito interessante, especialmente contemporânea. No mundo de hoje, é uma grande sacada lançar esse olhar sobre o masculino. E aí, eu fui para a locação uma semana antes. Fiz a preparação ali com o barco, navegando. E, essencialmente, entendendo como funciona o tempo daquele lugar. Eu, como um homem urbano que vive na cidade, que tem celular, cheguei lá e a primeira sensação que eu tive foi de ficar ansioso quando eu entrei no Igarapé e senti aquele silêncio.Quando eu vi, eu estava tomado por um ritmo, que não é o ritmo do Cadu, é o ritmo da das pessoas que vivem imersas na natureza. Esse já foi o primeiro tapa na cara e eu vi que precisava começar por aí. Eu comecei sintonizando meu instrumento, que é meu corpo com minhas emoções, minha mente, com aquela com a professora que é a mãe natureza.

Quais as expectativas com a chegada do filme nos cinemas brasileiros?

A expectativa é maior possível, porque o filme, por onde passou, encantou as pessoas. Foi agraciado com o Urso de Prata, um festival tão importante. Mas, além do reconhecimento internacional, eu acho que o que mais me emociona de verdade, é o que aconteceu, por exemplo, com Ainda estou aqui, a gente viu as pessoas voltando aos cinemas, prestigiando o cinema nacional. Acho que é uma forma do público participar ativamente e fomentar o audiovisual brasileiro, porque o cinema depende desse resultado, senão o filme entra em cartaz e desaparece na segunda semana. Foi lindo ver o orgulho do brasileiro pelas produções nacionais, que isso se converta em presença nas salas, que a gente possa pegar esse esse movimento e solidificar ele, que isso seja concreto para que a gente consiga continuar contando as nossas histórias e a nossa identidade. A maior expectativa é de ver isso acontecer.

 

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postado em 28/08/2025 05:00 / atualizado em 28/08/2025 16:59
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