Critica

Viagem ao centro do coração: Wim Wenders, no auge, em Paris, Texas

Ao completar 40 anos, o clássico Paris, Texas volta aos cinemas, em cópia restaurada que valoriza o talento e a beleza de Nastassja Kinski

Nastassja Kinski em Paris, Texas -  (crédito: Fotos: O2 Filmes/ Divulgação)
Nastassja Kinski em Paris, Texas - (crédito: Fotos: O2 Filmes/ Divulgação)

Crítica // Paris, Texas ★★★★★

Filmes com tramas que farejam rastros de personagens emblemáticos, entre os quais Onde andará Dulce Veiga?, Iracema — Uma transa amazônica, Diário de uma paixão, Ainda estou aqui e Iris, por si, geram uma curiosidade das grandes. Em Paris, Texas, soma-se a isso a conjuntura de somatório de talentos ímpares da sétima arte. Para começar, a fotografia ampla e, igualmente, intimista de Robby Müller, fotógrafo de filmes de Peter Bogdanovich, Andrzej Wajda, Jim Jarmush e Lars von Trier, assenta diferencial para esta obra de 40 anos, assinada por Wim Wenders, e que retorna ao circuito de exibição brasileira, restaurada em 4K.

A música de Ry Cooder, na mesma medida, reitera a grandeza do longa rodado no deserto de Mojave, ao sudoeste norte-americano. No roteiro do dramaturgo Sam Shepard (ator de filmes como Álbum de família, Os eleitos e Amor bandido), Travis, o protagonista, perambula, catatônico, em busca de horizontes. Mudo e com expressão assustada, o personagem de Harry Dean Stanton (brilhante, assim como em Lucky, seu filme de despedida, em 2017) busca o fio da meada, quatro anos depois de distanciado do filho Hunter (Hunter Carlson, artista cuja carreira estagnou), da ex-esposa Jane (Nastassja Kinski, a quintessência da beleza e do talento no cinema dos anos de 1980) e ainda do irmão Walt (Dean Stockwell, morto em 2021, com carreira ligada a David Lynch). Ann (Aurore Clement) completa o circuito de Travis, como confidente e como um figura algo maternal.

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Num universo de roupas coloridas, que contrastam com o ambiente árido, e de walkie-talkie (rádio portátil de comunicação) no lugar de celulares, Wenders cria uma ode ao poder do cinema (nos trechos de Super8, Hunter se reencontra com a mãe) e decifra rituais de confiança que unem humanos. Princípios de um amor distorcido (com ecos de posse) deixam a indelével marca, junto com a sensualidade impressa pela personagem de Nastassja. Numa cena de grandeza extrema, Travis e Jane se encorajam (dada a proteção de um vidro) de gozarem da oportunidade de retomar — numa segunda chance — tudo o que não foi dito. Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, Paris, Texas ainda rendeu o prêmio (inglês) Bafta de melhor direção para Wenders.

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postado em 26/09/2025 08:02
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