MÚSICA

Dori Caymmi celebra 82 anos com lançamento do álbum 'Utopia'

Aos 82 anos, Dori Caymmi lança álbum Utópico e afirma que segue a tradição dos grandes compositores que o antecederam

Pintura de Dori aos três anos feita pelo pai, Dorival Caymmi, ilustra a capa do álbum -  (crédito: Divulgação/Biscoito Fino)
Pintura de Dori aos três anos feita pelo pai, Dorival Caymmi, ilustra a capa do álbum - (crédito: Divulgação/Biscoito Fino)

Na ativa desde a década de 1960, o cantor e compositor brasileiro Dori Caymmi celebra o aniversário de 82 anos com o lançamento de Utopia, disco que reúne uma nova safra de canções inéditas, compostas ao lado do fiel escudeiro Paulo César Pinheiro e dos músicos Roberto Didio, Sérgio Santos e Ivan Lins. O novo disco estreia após pouco mais de um ano de Prosa e papo, inspirado pela trajetória e vivência com o pai, Dorival Caymmi. Lúcido, como gosta de ressaltar, o músico conversou com o Correio sobre o projeto, a atual geração da música brasileira, a admiração pela figura paterna e a morte da irmã, Nana.

Como o título Utopia simboliza o álbum?

Ele simboliza o tipo de música que eu faço. Um grande contemporâneo meu, que eu não preciso citar o nome, falou que a música do jeito que conhecíamos iria acabar. Hoje em dia, ela tem uma outra proposta. Fazer um disco dessa natureza, com o tipo de canção que eu faço e seguindo a tradição dos grandes compositores que me antecederam, é utópico. A música agora é algo muito mais penetrável, fácil e popular. Então, lançar um disco como o meu, que fala de coisas brasileiras, com poemas de Paulo César Pinheiro, Sérgio Santos, Ivan Lins e Roberto Didio, é meio utópico. Muitas pessoas me chamam de reacionário, mas eu sou apenas brasileiro. Eu tenho um compromisso. Eu sou filho de um grande compositor nacional e jamais poderia fazer outro tipo de coisa com a influência que  tive dentro de casa. Eu sempre digo que, com o passaporte Dorival Caymmi, conheci quase todos os nomes mais importantes da música, da literatura e das artes plásticas do Brasil. Eu não poderia pensar de uma maneira diferente. Um senhor de 82 anos fazendo um disco desse tipo, tem que se chamar Utopia mesmo.

Existem artistas das novas gerações da música que te encantam?

Existem alguns cantores e compositores por quem eu realmente tenho muita admiração, mas que são pessoas que não são mais tão jovens, é um pessoal que está chegando nos 50 ou já passou disso aí. Uma delas é a Mônica Salmaso, a cantora que melhor exprime o sentimento brasileiro ao cantar. Ela me traz uma tranquilidade em relação a influências futuras, para que as pessoas não cantem só mecanicamente. Eu torço para que cantem como ela canta, como a Elis cantou, como a Nana cantou, como a Gal cantou e como a Bethânia canta. Com um pouco mais de alma, de força, de útero. Outro que eu admiro é Sérgio Santos, compositor mineiro que, inclusive, participa de uma das músicas do Utopia. Ele é um cantor e um arranjador fabuloso. E também tem o Renato Braz, um cantor formidável que eu conheci há muitos anos e ajudei a produzir e a orquestrar um dos álbuns dele. De compositor, temos o Miguel Bastos, de um talento incomensurável e filho de um compositor incrível, que é o Cristóvão Bastos. A música dele tem uma força danada. Em São Paulo, tem o Mário Gil, o Paulo Aragão, um violonista excepcional, que também está no disco, e o irmão dele, Pedro. Então, existe toda uma geração sem mídia. Esse é o grave problema.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

No ano passado, você lançou o Prosa e papo e, depois de Utopia, você já está preparando um álbum para lançar em 2027. O que te motiva a continuar gravando discos?

É o que eu amo e é a sobrevivência. Graças a Deus,  estou lúcido. Já pensou, eu me aposentar? Eu não quero. Enquanto  tiver ideia,  vou trabalhar, porque é o que me faz bem. Eu faço música por amor ao trabalho. Eu fiz parte do primeiro disco do Gilberto Gil, estive no Viola enluarada do Marcos Valle com Milton Nascimento. Eu tenho uma história muito grande com o Brasil, com a música brasileira. Então, enquanto eu tiver a cabeça boa e minhas mãos conseguirem tocar violão, vou fazer discos.

A capa do álbum é uma pintura que seu pai fez de você quando era menino. Por que trazer esse retrato para o disco?

Eu quis prestigiar o grande pintor que era meu pai. Eu acho que a memória do brasileiro é muito vaga, se esvai com muita facilidade. Eu até não posso me queixar em relação ao meu pai, porque estão sendo feitos vários documentários sobre ele e fico muito contente que essas coisas tenham uma repercussão fantástica entre as pessoas. Ele era um homem muito inteligente e muito criativo. Ele era um pintor que eu sempre respeitei e sempre adorei. E as pinturas dele conversavam com suas canções praieiras. Ele pintava sereias à beira da praia, nas ondas, como se estivessem abençoando os peixes. Aquilo teve uma influência muito grande na minha infância e na minha vida como músico. Então, eu quis mostrar um pouco esse lado dele também. Papai era um espírito divino, Dorival Caymmi era um espírito divino. Eu tinha mais ligação com o artista do que com o pai. Admiração mesmo eu sentia mais forte quando via ele tocando violão. Para mim, é um encanto até hoje.

Em maio deste ano, você perdeu uma irmã e o Brasil perdeu uma grande artista. Que legado Nana Caymmi deixou para a música nacional?

A Nana tinha um modo intenso de cantar. Era um canto sem preocupação de enriquecer, de nada. Ela sempre foi intensa com tudo que ela fez com relação a música e sempre teve um desapego dessa preocupação de enriquecimento, que vem do meu pai. Ela deixou uma grande impressão nas pessoas e, cantar do jeito que ela cantava, eu acho que não vi nenhuma pessoa fazer naquela intensidade. Ela partia de peito aberto e saía cantando de um um jeito que comovia, tanto pela originalidade quanto pela paixão. Ela era apaixonada pelo que ela cantava, isso é muito importante. Eu sou fã da cantora, e acho que, se as pessoas querem cantar seriamente, elas deveriam continuar escutando à Nana.

 


  • Google Discover Icon
postado em 28/09/2025 04:32
x