LITERATURA

Escritora baiana lança em Brasília seu 'manifesto contra a insensatez humana'

A noite de autógrafos acontece no próximo dia 26, às 18h, no bistrô da livraria Sebinho

São dois livros, reunidos na série “Histórias”, em que Suzana Varjão chora os desvios civilizatórios e os descaminhos humanitários do Brasil: “Diário de uma louca” e “Divagações”. Baiana radicada em Brasília, a escritora e jornalista é conhecida por produções de defesa de direitos no campo da comunicação de massa, trabalho que lhe rendeu mais de 20 prêmios de reportagem.

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“Diário de uma louca” é uma sátira sociopolítica, escrita com bom humor e nonsense. Com o sugestivo subtítulo “Ou um sanatório chamado Brasil”, é, nas palavras da autora, um “manifesto contra a insensatez humana”. Recheado de lirismo, “Divagações – ou retratos brasileiros” pincela cotidianos de um país semicolonial, “com suas disparidades, violências e opressões”.

Nesta entrevista exclusiva, Varjão fala sobre o “truque com espelhos” que fez para colocar o Brasil “frente a frente com a própria insanidade”; o impacto da palavra na realidade social; as violências embutidas em narrativas consideradas universais; e o que faz para trilhar o caminho inverso, ou seja, para desnaturalizar violências nesse campo. Confira!

Em poucas palavras, como você define a série “Histórias”?
Como o exercício de alguém que perdeu completamente a ingenuidade em relação à palavra. De alguém que compreendeu que racismo, machismo, homofobia, misoginia, opressões e desumanismos em geral não podem ser enfrentados de uma única maneira. As formas e frentes de luta têm, necessariamente, que ser múltiplas, multidimensionais, como são essas perversidades. E um dos campos de luta mais efetivos é o campo simbólico, o campo da palavra.

Pode-se deduzir, então, que se trata de literatura engajada?
Essa pergunta é interessante, porque carrega em si um grande debate. Esse conceito sempre foi associado a uma literatura de má qualidade, mas, na realidade, toda literatura é engajada, porque carrega valores, bem ou mal narrados. O que ocorre é que quando as histórias são narradas a partir da ótica dos vencidos, elas são rotuladas de engajadas e, por serem engajadas, automaticamente de má qualidade.

No caso dos vencedores...
Nesse caso, a literatura não é considerada engajada, apenas boa ou ruim. Só que muitas vezes são narrativas que, no mínimo, naturalizam violências, mas de modo sutil e com qualidade estética. Por isso, me afasto desse conceito. Prefiro classificar como literatura humanista, que é minha forma de pensar e agir no mundo. E para produzir efeito inverso ao das narrativas que naturalizam violências, procuro usar as mesmas ferramentas: engenho e apuro estético.

São o que você chama de atos linguísticos?
Sim. Narrativas formam mentalidades, que geram realidades. E não devem se restringir aos discursos diretos, utilitários. Utilitários no bom sentido, não os estou negando. Eles são absolutamente necessários. Eu os produzi durante minha vida inteira, e continuo produzindo. Mas eu compreendi que o lúdico fisga, que quanto mais prazerosa uma leitura, mais as mensagens são apreendidas, absorvidas, e as mentalidades, formadas.

Formadas para o bem ou para o mal...
Isso. A literatura, ficcional ou não, é prenhe de construções lúdicas que naturalizam desumanismos, como o racismo, por exemplo. Desde a Antiguidade, as narrativas religiosa e ficcional são prenhes de proto-racismos. Um exemplo claro é um conto das Mil e uma Noites que narra a história de um bom escravizado negro que, depois de uma vida de fé e virtude, foi recompensado depois da morte ao tornar-se branco...

Você falou das linhas gerais da série. Como define o “Diário” e “Divagações”, especificamente?
O “Diário” é uma crítica sociopolítica, mas feita com bom humor, ironia e muito nonsense. Foi escrito durante o primeiro ano da pandemia, no auge, portanto, de um dos maiores desastres político-humanitários da pós-modernidade vividos no País. E reflete esse momento. Mas pra registrar essa realidade, eu fiz uma espécie de truque com espelhos, invertendo a lógica da debilidade mental da protagonista pra colocar o Brasil frente a frente com a própria insanidade.

Por que “Diário de uma louca”? Quem é a louca que escreve esse diário?
A louca desse diário não tem nome, não tem face, não tem gênero definido. É uma louca que reúne múltiplas identidades, e que, diante de um processo de manipulação extrema da razão coletiva, inserida num contexto criado para, por exemplo, fazer as pessoas acreditarem que a terra é plana, crê ter perdido, ela, a razão. Entra então em conflito, e passa a se negar, a negar tudo no que sempre acreditou, coisas como humanismo, cidadania, respeito à diversidade...

É como se fosse um diário coletivo...
Sim, mas catalisado por uma personagem, porque apesar de representar uma coletividade, o conflito é interno, é mental. Aliás, uma personagem, não, três, porque pra dar maior visibilidade ao conflito, eu uso mais duas personagens, que são na verdade os outros “eus” da protagonista. São suas âncoras internas, que fazem de tudo para que ela desista de desistir de seus ideais, de sua luta em prol de um mundo mais justo, mais humano, mais solidário.

O “Diário” é dedicado “Às ideias, que não se pode prender, ou matar”. É referência política direta?
Com certeza. O “Diário” é um manifesto contra a insensatez humana. É, portanto, por si só, um ato político. Mas há referências diretas, disfarçadas de ficção, dado o absurdo dos fatos que recrio. A dedicatória é uma referência direta às ideias de justiça social, humanismo e liberdade, catalisadas por um homem, ou um nome, mas que vem de uma parte da sociedade brasileira que não está, felizmente, doente.

O “Diário” então não é obra de ficção?
Sim... e não (rs). O “Diário” situa-se no entrelugar do jornalismo e da literatura. Literatura na forma, porque pratico o exercício estético na linguagem escrita, mas jornalismo no conteúdo, porque todos os acontecimentos nele registrados, por mais desatinados que possam parecer, são verídicos. É meu rito de passagem para a literatura, para o pleno exercício estético da linguagem escrita, que se concretiza em “Divagações”.

“Divagações” tem também cunho político?
Sim, porque é obra de ficção, mas reflete cotidianos de um país semicolonial, com suas disparidades, violências e opressões. Ou seja, é literatura, mas pautada em um contexto real, como toda narrativa ficcional. “Divagações” estampa a mentalidade escravocrata, os abusos, eugenias e coronelismos do Brasil, além das feridas que se abrem na psique dos violentados. São diminutos retratos brasileiros, esboçados por quem perdeu a ingenuidade em relação à palavra e suas cargas simbólicas, que instituem, ou destituem, perversidades.

FICHA TÉCNICA
O quê: lançamento de livro(s)
Quando: 26 de setembro de 2025
Onde: Bistrô da livraria Sebinho (CLN 406, bloco C, Asa Norte – Brasília/DF)
Horário: 18 hs
Títulos: “Diário de uma louca” e “Divagações” (série “Histórias”)
Autora: Suzana Varjão
Contatos: (61) 9 8162-0788 e (61) 9 8301-2755 (assessoria); (61) 9 9682-6829 (livraria)

*Marcela Ribeiro é jornalista e pesquisadora da UnB, dedicando-se ao estudo sobre racismo e
sociedade, igualdade de gênero, etarismo e direito universal ao cuidado. Tem experiência em
instituições como ONU Mulheres, ACNUR e Fundação Cultural Palmares

https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/04/7121170-canal-do-correio-braziliense-no-whatsapp.html 

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