Crítica // Aqui não entra luz ★★★★
Empatia e identificação com as personagens do documentário de estreia de Karol Maia trazem o sabor à la Eduardo Coutinho de fazer cinema. Com percurso semelhante ao do longa de Gabriel Mascaro, Doméstica (premiado pelo Correio, com o Saruê, no Festival de 2013), Aqui não entra luz trata da exclusão, dos afetos encabulados (ou inexistentes), numa olhada pela fresta da porta de serviço de lares brasileiros. E, por sorte de avanços sociais, e de conquistas.
Por vezes desprezadas por "sinhás perversas" e afins, que interditam as nuances humanas das "criadas" autômatas Rosarinha, Cris, Mãe Flor, Marcelina e Miriam (mãe da realizadora) trazem relatos profundos de contrastes entre casas grandes e senzalas contemporâneas. Discursos criminosos que traçam a dureza de falas preconceituosas detidas em termos como "preta, feia, fedorenta", estão inseridos no filme da diretora que, na infância, testemunhou à distância ("Eu existia, sem que nunca me percebessem") parte do dia a dia da lida da mãe Miriam (presente no filme, e com quem, por tempos, partilhou conflitos em silêncio).
Vivências desesperançosas, a princípio, em que brotam relatos de trabalho em "troca" de comida, carteira jamais assinada e proibição no direito a distrações junto a rádio e de televisão, no filme (com a montagem de Cesar Gananian e Fer Krajuska), se tornam menos dolorosas, dada a impressionante precisão na pesquisa de escolha das personagens. Condições impensáveis e rudimentares relatadas encampam agressões físicas, sequestros e obrigação com o dízimo que corrói salários, em si, já débeis. "Você é 'como' minha filha" é uma das frases a ficarem na memória do espectador.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Sonhos deixados no acostamento das estradas destas profissionais do lar vêm sufocados por assédios e abusos. Entretanto, brotam frases como "Gargalhar é sinônimo de vida" e "Deu, deu. Não deu?, desce!" — elementos que rimam com uma visão de Gonzaguinha: o "segue em frente e segura o rojão". Determinação, dignidade, pequenos caprichos e consciência irrompem dos exíguos "quartinhos de empregada". Prover e testemunhar "as vitórias" dos filhos (de muitas) suplanta "cuidados e zelos" nem sempre correspondidos com reconhecimento e valorização.
Saiba Mais
