Rodrigo Zeferino nasceu e cresceu em Ipatinga, Minas Gerais, às margens da Ferrovia Vitória a Minas, que liga Belo Horizonte a Vitória, no Espírito Santo. A memória dos trens passando o acompanhou até a vida adulta, quando decidiu ir a campo para entender melhor a realidade do que está à margem delas: as pessoas e como elas lidam com o volume de riqueza transportado.
Iniciou o projeto em 2020, inspirado pelo vídeo de um colega. O registro era de uma ferrovia no Pará e mostrava um trem passando num viaduto, enquanto a comunidade transitava por baixo. A ideia de percorrer a ferrovia e entendê-la visualmente, então embrionária, tomou forma. No começo, partiu em duas direções opostas no estado natal: para Itabira, entre Belo Horizonte e Ipatinga; depois, para Governador Valadares e Aimorés, em direção ao litoral, destino final desses minérios.
A viagem foi possível graças à vitória do Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, da Funarte, que financia projetos da área. Quatro anos depois, voltou a receber a premiação. Pôde então seguir em direção ao norte: à Estrada de Ferro Carajás, que liga a Serra dos Carajás, no Pará, ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão.
Essas duas viagens formam a exposição Veia Aberta - à margem da estrada do ferro, que será inaugurada nesta quarta-feira nas comemorações de 30 anos da Referência Galeria de Arte (202 Norte). Nesta entrevista, Rodrigo fala da gênese da série de fotos, das viagens, da imensidão da ferrovia e dos impactos sociais da estrada de ferro.
Por que a Estrada de Ferro Carajás foi escolhida?
Eu trabalho com o tema da mineração, até então em Minas Gerais, e agora estou expandindo. Tenho convívio com uma ferrovia de mineração. É diferente do trem de passageiro, que tem e passa uma vez por dia, mas é uma quantidade ínfima perto das ferrovias dedicadas ao transporte de pessoas. E essas foram construídas especificamente para transportar a produção de minério para o litoral, com fim de ser exportado.
É uma coisa impressionante que eu tento mostrar nos meus trabalhos: o volume de terras raras que são tão cobiçadas pelo capital e geoeconomia todo o tempo. Passei tanto tempo à margem das ferrovias de mineração e você vê, o tempo todo, trem atrás de outro, trem atrás de outro. São intervalos pequenos e com muito material. Cada trem tem 330 vagões e, se estiver em velocidade média, vai demorar de 4 a 5 minutos para passar. É um volume inacreditável e são os nossos morros e paisagens que são triturados e escoados. Vai deslizando para fora do Brasil uma riqueza da qual pouquíssimo fica para a gente, e essas comunidades à margem veem isso.
Quais são os principais problemas que afetam as comunidades locais?
Não tem tantos problemas de mineração. Tem uma coisa que, às vezes, as pessoas depreendem que é a questão do impacto da mineração. Porque não estou próximo de áreas mineradas, estou na parte da logística, então tem os impactos da ferrovia e esses existem. Vibração do solo, que causa rachaduras em construções; ruído o tempo todo, noite e dia; poeira que se espalha… já foi pior, mas, hoje, já desenvolveram produtos para que o minério fique mais úmido e melhore a situação. Mas, mesmo assim, a gente percebe a camada de poeira.
Durante a execução do projeto, houve alguma mudança de perspectiva da sua parte?
Não estar em contato com a ferrovia me fez de fato perceber algumas questões, detalhes. Na mesma semana, vou lançar um curta-metragem no YouTube e esse filme trata de outra abordagem dessa mesma situação, da realidade de estar em contato, perceber, andar na ferrovia, ver o trem de perto parado, poder chegar perto. Me abriu a visão de algumas questões que pude explorar para trazer essas imagens mais poéticas.
Por exemplo, fui ouvindo os sons do trem e é muito impressionante. Dependendo do trem, de onde você está e do relevo, o ruído tem características específicas. A junção de uma ferrovia com outra tem um barulho diferente. O minério é úmido, e vai pingando pela ferrovia e deixando-a prateada. Essas observações só foram possíveis pela convivência diária.
Como você pensou a captura das fotos?
Nos primeiros dois anos, fazia um registro puramente documental dos lugares que passava. Mas num certo momento, entendi que dava para expressar num contexto diferente, panorâmico. Então, carrego comigo uma lente específica, Tilt-Shift, que tem um deslocamento lateral, mas sem mudar o ângulo. Capturei três imagens e faço a junção digital. A maior parte das fotografias, 11, são panorâmicas, porque trazem essa horizontalidade que é típica da ferrovia, ela se alonga.
Mais tarde, desenvolvi um método para aderir o minério nas fotos. Várias têm o próprio minério aderido ou dentro do vidro. Minérios em diversas etapas do processo: no formato final, no pó brilhante, em lascas, em pedrinhas menores. E também insiro dentro do vidro, entre a foto, fica preso ali. E desenvolvi uma massa com água e cola para literalmente pintar sobre a fotografia. Pinto sobre elas com o minério aderido e colado com uma mancha. Então isso torna essas obras únicas, porque a foto, a gente oferece uma tiragem de cópias. Mas, nesse caso, é uma obra única. Por acaso, é a primeira vez que ofereço obras únicas.
Inauguração de Veia Aberta - à margem da estrada do ferro
Nesta quarta-feira, na Sala Principal da Referência Galeria de Arte (202 Norte), às 18h. Visitação até 15 de novembro. Entrada gratuita.
