
José Eduardo Agualusa havia acabado de sair de uma livraria, no Rio de Janeiro, quando concedeu entrevista ao Correio, por telefone. O escritor, que morou dois anos na cidade durante a década de 1990, está surpreso com certas mudanças. “Hoje as bancadas estão cheias de livros de autores africanos, o que não acontecia 30 anos atrás.” Esse aumento do interesse do público brasileiro, completa Agualusa, reflete “um bom momento para a literatura africana” no país.
Nesta terça-feira (18/11), o escritor angolano participa da Feira Literária de Saquarema (Flis). Ao lado do português Rui Couceiro e da atriz e escritora Bruna Lombardi, Agualusa integra a mesa de conversa “O poder da escrita: tocar o invisível”. O evento, realizado pela prefeitura da cidade fluminense, recebeu na atual edição nomes como Itamar Vieira Junior, Conceição Evaristo e Eliana Alves Cruz.
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Finalista do prêmio Oceanos 2025, Agualusa entende a literatura como espaço para tratar de “preocupações presentes”, mesmo que de maneira indireta, e aponta: “Romances não devem defender ideias nem se preocupar em transmitir mensagens”. Confira a entrevista completa:
Qual a importância de discutir literatura com outros escritores de língua portuguesa, como no evento de amanhã?
São experiências muito diversas, mas que têm pontos em comum, principalmente no caso de Brasil e Angola. Há também diferenças de geração. Rui Couceiro é mais novo. Eu e Bruna [Lombardi] temos idades mais próximas. Ela escreve poesia, sou ficcionista, mas que me alimento muito de poesia. Enfim, o tema da conversa pode levar a vários caminhos.
O senhor é finalista do prêmio Oceanos pelo livro Mestre dos batuques, que parte de fatos históricos de Angola. Por que essa escolha?
É uma volta que dou, na verdade, para tratar da memória de Angola. Houve vários reinos no Planalto Central de Angola durante a ocupação portuguesa. No meu livro, um deles, o reino de Bailundo, ganha a guerra e permanece independente, ao contrário do que aconteceu. É, portanto, um falso romance histórico. A narrativa se refere a fatos do século 20, mas começa no presente. Esses fatos explicam o que é Angola hoje, uma estrutura complexa, muito diferente da visão que o Brasil tem da África.
A literatura deve ter uma função social?
O escritor sempre toca em questões do seu tempo, ainda que indiretamente. Não pode ser de maneira forçada. Romances não devem defender ideias, nem se preocupar em transmitir mensagens. Esse é o lugar do ensaio. Em Mestre dos batuques, as grandes preocupações são o colonialismo e o resgate de saberes ancestrais, que considero adequados para lidar com preocupações presentes.
No Brasil, está previsto o lançamento do livro Tudo sobre Deus em 2026. O próximo grande tema é a religião?
É um livro sobre a morte. Um geólogo e poeta, que está morrendo, compra uma igreja abandonada. O terror da morte e a ideia de Deus atravessam a história. Quando terminei de escrever, me dei conta que se tratava de um livro animista, uma concepção presente também na África.
Como tem sido a recepção do público brasileiro?
Nos últimos anos, a situação de autores africanos mudou muito. Acabei de sair de uma livraria e vi bancadas cheias de livros africanos. Hoje existe essa atenção, essa curiosidade. Tenho leitores fiéis. É um bom momento para a literatura africana no Brasil.
*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco
