
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie descreveu seu estado diante do mundo atual como “desorientada, descrente”. Em entrevista concedida à filósofa Djamila Ribeiro, publicada no jornal O Globo, Adichie afirmou que lê as notícias e pensa: “Isso está mesmo acontecendo?”. Apesar da incerteza, ela diz que, como mãe e escritora, sente-se “incrivelmente grata e cansada”, definindo-se com humor como “uma velha correndo atrás de meninos pequenos”.
Perguntada se a literatura pode decolonizar a imaginação popular, Adichie citou autores africanos como Chinua Achebe e Camara Laye, que transformaram sua visão de mundo: “Antes, eu pensava que livros falavam da vida de pessoas brancas, mas entendi que o meu próprio mundo era digno da literatura”. Para a autora, “educação não é só aprender, é também desaprender”.
Embora seja frequentemente chamada de ativista, Adichie relativizou esse papel: “Eles foram ativistas de verdade, eu não mereço esse título”, disse, referindo-se aos que enfrentaram a ditadura militar nigeriana. A escritora reforçou que não quer que o ativismo sobreponha sua escrita: “Dizem que sou uma ‘escritora feminista’, mas não é verdade. Sou escritora e feminista”. Segundo ela, viver em um mundo tão injusto torna irresponsável ter uma plataforma e não usá-la para incentivar a mudança.
Para as jovens negras, Adichie deixou um conselho: “Não peça desculpas por ser quem você é. É impossível agradar a todos, então é melhor ser você mesma. Seja o seu eu mais autêntico. Me entristece muito ver jovens negras que sentem que precisam se encolher para não serem julgadas. É fácil cair no estereótipo da “mulher negra raivosa”. Em todo lugar, mulheres em posição de poder e influência têm que provar sua competência o tempo todo.”
Sobre seu sucesso, a autora ainda afirmou preservar uma fome criativa e o desejo de continuar produzindo. A maternidade, por sua vez, trouxe descobertas profundas ao permiti-la sentir um amor que não conhecia, além da empatia por outras mulheres: “Agora entendo como o amor por um filho pode te levar a decisões que não são necessariamente as melhores para você”.
Nigéria e Brasil
Ao visitar o Brasil pela primeira vez, Adichie relatou um questionamento: “Onde estão as pessoas negras? A negritude era invisibilizada de modo muito perverso. Nas imagens que conhecia do Brasil praticamente não havia pessoas negras! Minha percepção mudou porque conheci pessoas negras em posições de destaque, mas ainda há muito o que avançar. Admiro muito a resiliência dos negros brasileiros, embora saiba que o custo emocional é gigantesco. Não é como se o país todo estivesse do lado de vocês, mas vocês não desistem e me dão orgulho.”
Já a relação com o público brasileiro sempre foi afetuosa. “Sempre me senti em casa no Brasil. É lindo ser abraçada pelos leitores”, resumiu Adichie. “Gostaria de saber português porque alguma coisa se perde na comunicação. Existe um calor humano que, como africana, eu reconheço não só nos negros brasileiros, mas em todos. Muitas jovens me disseram que se assumiram feministas por minha causa.”
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Escritora do prefácio da edição americana de Lugar de Fala, de Djamila Ribeiro, a nigeriana destacou a importância de apoiar outras mulheres em um mercado competitivo: “Se eu fui sortuda o suficiente para subir alguns degraus da escada, quero ajudar outras mulheres inteligentes e talentosas a fazer o mesmo. É bom lembrar que os homens se ajudam. Nós mulheres temos que nos ajudar, porque o mundo não é feito para nós.”
Questionada sobre o que tem sonhado, respondeu com humor: “Sabe em concursos de beleza quando as concorrentes dizem que o sonho delas é a paz mundial (risos)?”. Depois, completa: “Esse é mesmo o meu sonho”. Adichie deseja ainda manter a saúde, criar seus filhos e continuar contando histórias — sua vocação essencial.
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