Com uma trajetória que atravessa três décadas, Miguel Nader, 50 anos, consolidou-se como um dos talentos mais versáteis da cena artística brasileira. Nascido em Pureza, distrito de São Fidélis (RJ), o ator transformou o sonho de ser jogador de futebol em uma sólida carreira na atuação, marcando presença no teatro, cinema e nas principais emissoras de televisão do país.
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A versatilidade é a marca registrada de Nader, que transita com facilidade entre o drama e a comédia. Entre seus papéis mais icônicos, destacam-se o fiel mordomo Cardoso na aclamada novela Cobras & lagartos (2006) da TV Globo, e suas participações nos quadros humorísticos do Pit Bicha, ao lado de Tom Cavalcante.
"Eu me vejo como um operário da arte", costuma dizer o ator, que já atuou em produções de grande relevância como A favorita (Globo), Pecado mortal (Record) e a recente série DNA do crime (Netflix). Recentemente, ele ganhou destaque com o personagem Terremoto em Tremembé (Prime Video), demonstrando sua capacidade de se reinventar a cada novo projeto.
Mergulho metódico
A construção do personagem Terremoto representou um dos trabalhos mais meticulosos da carreira de Miguel Nader, que é casado há 31 anos e tem dois filhos dessa união. O processo começou com uma base literária específica: cerca de 25 páginas do livro de Ulisses Campbell que detalhavam a psicologia do personagem. "Foi onde eu comecei a ver que era um cara que tinha prazer em matar, era frio", revela o ator.
Nader elaborou uma linguagem corporal única para Terremoto, engordando até chegar a 130 kg para criar uma presença física impositiva. "Eu queria imprimir uma coisa do 'peso', de que quando eu pisasse, o chão tremesse", explica. Essa escolha física se estendeu até para a vocalidade: "Minha voz tinha que ir pro chão, pra terra, não podia nunca subir pro céu, porque ele era chão, ele era base".
O ator destaca a complexidade das relações do personagem dentro do presídio, especialmente a dinâmica afetiva e sexual com o personagem Gal (Luan Carvalho). "Era o único momento em que a minha voz subia um pouco. Era uma coisa como se tivesse um amor, a leveza do amor, mesmo em toda aquela loucura". Essa nuance demonstra o cuidado de Nader em criar um personagem multidimensional, capaz de expressar tanto a violência quanto a vulnerabilidade.
Sobre o trabalho em cena, Nader desenvolve uma filosofia particular que equilibra preparação intensa com entrega orgânica. "A gente chegava lá preenchido", descreve, referindo-se ao extenso trabalho prévio com coordenadores de intimidade e preparadores de elenco. No entanto, o momento da atuação exigia um processo de desapego: "A gente se esvaziava para preencher com o que a cena estava realmente pedindo de verdade".
Essa abordagem revela um profissional que valoriza tanto a técnica quanto a espontaneidade. "O que a cena real estava pedindo, e não a cena que a gente estudou, que estava ali estudada, decorada. A gente deixava a cena acontecer". Para Nader, esta é a essência do trabalho do ator: a capacidade de manter-se presente e receptivo às verdadeiras necessidades dramáticas de cada momento.
Entre a vida e a arte
Ao discutir as conexões pessoais com o personagem, que logo na primeira cena coage o recém-chegado detento Luka (João Pedro Mariano) a lhe fazer sexo oral em troca de um armário, Nader oferece insights profundos sobre seu método.
O ator enfatiza a importância de representar estas relações "com verdade", mesmo dentro do contexto brutal do presídio. "Essa talvez seja a memória: estar representando ali, não em termos da violência, mas do afeto". Esta declaração sintetiza a abordagem de Nader: uma busca constante pela humanidade essencial em cada personagem, independentemente de suas circunstâncias. E ele celebra o avanço da abordagem do universo LGBTQIAPN+, que, no passado, era caricatual e com deboche.
A representação da homossexualidade do personagem foi especialmente significativa: "A memória que eu trago ali é do meu irmão, que é homossexual, e de todos os amigos". Essa referência familiar tornou-se um guia ético e emocional para sua atuação.
Construção gradual
Com 30 anos de carreira, Nader rejeita a noção convencional de "divisor de águas". "No meu caso, nunca teve um 'divisor de águas' específico. Tem sempre cada personagem agregando, um somando ao outro", defende, em uma perspectiva que reflete uma carreira construída através de trabalho consistente, em vez de momentos isolados de glória.
O ator menciona o personagem Sandro, de Cúmplice de um resgate (SBT) como exemplo de um papel que transcende o tempo: "É uma novela que já acabou há 10 anos e continua atual, marcou uma geração". Para ele, a longevidade desse personagem na memória do público ilustra o impacto duradouro que um trabalho bem-feito pode alcançar.
A relação de Nader com sua profissão beira o devocional. "Eu posso te falar que eu sou um felizardo. Eu sou um agraciado, eu fui escolhido pela profissão", declara. Essa gratidão fundamenta sua ética de trabalho extraordinária: "Eu não sei o que é esse silêncio, esse deserto. Eu emendo trabalhos".
Sua rotina atual exemplifica esse compromisso: entre a recusa de trabalhos para se dedicar à sua escola de cinema, televisão e teatro, a finalização de um longa-metragem, a preparação de dois solos e a organização de um festival de teatro, Nader personifica o artista multifacetado. "O rio corre pro mar, e ao que tem é acrescentado, e ao que não tem, até o que tem é tirado", filosofa, sintetizando sua visão sobre o fluxo constante do trabalho criativo.
Sua postura em testes e oportunidades profissionais revela um profissional que valoriza o processo acima do resultado: "A minha parte eu faço, eu mando o meu material. Porque mesmo que eu não seja escolhido, mas a minha parte eu tenho que fazer". Esta integridade profissional, combinada com sua versatilidade — do circo ao Shakespeare — constrói o retrato de um artista completo, cujo sucesso é fundamentado não apenas no talento, mas na disciplina, dedicação e um profundo respeito por sua arte e por todos que com ela colaboram.
O legado e o futuro
Com a maturidade de quem já transitou por todas as emissoras e plataformas de streaming, Nader segue com o mesmo vigor do início da carreira, sempre se desafiando. "Sonho com personagens históricos complexos, figuras públicas que tenham uma sombra, uma ambiguidade", revela, citando o desejo de interpretar clássicos de Shakespeare como Macbeth ou Ricardo III.
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