Para chegar às salas de cinema, filmes costumam percorrer trajetória em festivais e eventos voltados a agentes de mercado, como o Ventana Sur, em Buenos Aires (Argentina). Esse é o atual estágio de Ela foi ali guardar o coração ali na geladeira, sexto longa do cineasta brasiliense Gustavo Galvão. Parceira de roteiro nos últimos quatro trabalhos, Cristiane Oliveira compartilha também a direção da nova obra. Filme estreia no Brasil em 2026.
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Na história, a personagem Luiza, interpretada por Maria Galant, recebe, de uma estranha uruguaia, vídeos que revelam fatos familiares. Boa parte do filme foi rodada em Maldonado, Montevidéu e Punta del Este. “Fazia todo o sentido para a narrativa que desenvolvíamos transportar parte da história para o Uruguai”, comenta Galvão. Também do país vizinho é a atriz Verónica Perrotta, premiada no Festival do Rio de 2016, que protagoniza o longa.
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Ao Correio, Gustavo Galvão se diz cada vez mais interessado em filmes “feitos com equipe mínima e em ambiente mais intimista”, como Ela foi ali guardar o coração na geladeira. Ele também reforça o imaginário brasiliense impregnado nas obras e avalia a importância de exibir o filme no Ventana Sur. “Ter sido selecionado para a Copia Final já é uma conquista, são apenas seis títulos que passaram pela peneira da seleção, nos dá esperanças para o que virá a seguir”, diz o cineasta, que conversou com o Correio sobre a produção.
Entrevista///Gustavo Galvão
O filme tem como ponto de partida videos do Uruguai recebidos por Luiza. Poderia explicar como essa personagem surgiu e adiantar um pouco da história dela?
O filme é a soma de uma série de ideias que eu e Cristiane acumulamos ao longo de muitos anos, ainda sem saber ao certo para onde essas ideias nos levavam. Tínhamos vontade de fazer algo com a estética das videocartas e sabíamos que esse seria nosso primeiro longa em codireção. Depois percebemos que videocartas que são enviadas, mas não querem respostas, seriam o recurso ideal para explorar os traumas de uma mulher que perde a identidade já como adulta, perto dos 50 anos de idade, ao descobrir algo terrível sobre a história de sua família. Essa é a história da uruguaia Verónica e acabará sendo também a história de Luiza, que vive em Porto Alegre.
Como esse título metafórico se relaciona com essa ação-chave do filme, que é a chegada das fitas?
O título é uma metáfora da condição da protagonista, que se chama Verónica (como a atriz que a interpreta). Com a descoberta de um episódio que envolveu o nascimento dela, Verónica fica totalmente sem chão e sem identidade. Ela precisa repensar tudo que viveu, absolutamente tudo, sem qualquer apego emocional, de forma a encontrar um sentido para o que lhe resta de vida.
A escolha de vídeos enviados do Uruguai foi feita antes ou depois da seleção da atriz Veronica Perrotta?
Tínhamos ideias mil na cabeça, só não sabíamos ainda como canalizar tudo. Então, em abril de 2023, surgiu o detalhe que faltava para fechar a proposta. Apresentava no Festival Internacional del Uruguay, em Montevidéu, Inventário de imagens perdidas, dirigido por mim e produzido por mim e pela Cristiane. Era um filme de baixíssimo orçamento que não economizava em pirações visuais e em questionamentos estéticos e existenciais. A diretora artística da Cinemateca Uruguaya, Alejandra Trelles, nos fez um desafio de repente: por quê não fazem um filme assim aqui no Uruguai? Aceitamos o desafio e pensamos imediatamente na Verónica Perrotta. Fazia todo o sentido para a narrativa que desenvolvíamos transportar parte da história para o Uruguai.
Como é internacionalizar o processo de produção?
Além de Brasília, onde ainda se encontra meu imaginário, longas anteriores meus me levaram a filmar em Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Berlim. Mais do que apenas "internacionalizar", me atrai a ideia de diversificar minhas referências visuais e culturais.
Como se deu a criação com a Cristiane, antiga parceira de roteiro, que agora também co-dirige o filme?
Além de parceira criativa, Cristiane é parceira de vida, nós vivemos juntos desde 2008. Nossa rotina é uma incessante troca de referências e ideias, podemos falar de até três projetos ao mesmo tempo ou no espaço de um minuto. Isso é muito estimulante. Sempre tem algo meu nos filmes dela e sempre tem algo dela nos meus filmes. Almejamos a primeira codireção por muito tempo e aconteceu de forma natural.
Qual a importância de levar o trabalho ao Ventana Sur?
O Ventana Sur é o mais importante evento de mercado da América Latina. A seção específica em que o filme será exibido, chamada Copia Final, faz a ponte entre um grupo seleto de filmes praticamente fechados e o mercado internacional, em especial agentes, distribuidores e programadores de festivais. Ter sido selecionado para a Copia Final já é uma conquista, são apenas seis títulos que passaram pela peneira da seleção, nos dá esperanças para o que virá a seguir.
Como você descreve o atual momento da carreira?
Estou cada vez mais interessado em filmes como este novo, feito com equipe mínima e num ambiente mais intimista. Filmes assim atiçam minha criatividade e renovam minha crença no cinema como uma arte transformadora e questionadora. Me sinto confiante para empreender grandes projetos e tenho alguns em desenvolvimento, mas os projetos menores, menos apegados a estruturas convencionais, continuarão brotando por um tempo.
*Estagiário sob supervisão de Nahima Maciel
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