
Foi de uma experiência puramente pessoal que nasceram Guru e Lino, os personagens da tirinha mais brasiliense de todas. Em 2009, Pedro Sangeon, artista plástico, começou a estudar meditação para benefício próprio. Morava na Europa, produzia obras e, ao mesmo tempo, voltava os olhos para práticas de bem-viver. "Gostei muito da experiência, principalmente pelos aspectos que as práticas contemplativas me traziam. E dei essa espécie de desculpa pra mim mesmo: vou investigar como um trabalho de arte visual, o que uma pessoa que faz esse tipo de exercício pode gerar depois de um tempo de prática", conta.
Sangeon gerou então os dois personagens, fundidos num só sob o nome de Gurulino, guardou em forma de garatuja no cantinho de um pequeno bloco de anotações e foi, com o tempo, desenvolvendo as histórinhas, agora reunidas em um livro de 192 páginas intitulado Tranquilo, mas agiliza, com lançamento marcado para dia 12 de dezembro na Livraria Platô. Neste primeiro volume, o autor avisa no subtítulo, Gurulino, está contemplativo e espirituoso. É uma combinação que Sangeon preza muito. Tanto que foi um dos pontos de partida para criar as tirinhas. Ao longo de 10 anos, tempo durante o qual esteve muito envolvido no estudo da meditação, ele leu "as coisas mais esquisitas". Não queria cair na obviedade da cultura indiana, então foi atrás de práticas como Radja Yoga e rituais místicos, contemplativos vindos dos livros de Helena Blavatsky, Sri Aurobindo e de Psicomagia, de Alejandro Jodoroswky, além do sufismo, por uma questão familiar. Essa última, uma dimensão meio mística do islã, tem a ver com as origens sírio-libanesas do artista.
Ele foi tentando transformar parte do que estava aprendendo em algo revestido de humor. "Sinto que esse tipo de conhecimento mais místico e religioso, a gente tende a levar muito a sério e grande parte dos abusos e confusões que acontecem, tanto em grupos de espiritualidade e religiões, muito é por causa da seriedade com que se leva. Eu, como artista, sei que a arte é um lugar muito sério, mas também sei que é preciso se divertir e criar uma irreverência na forma de lidar", explica. Assim, Sangeon decidiu tomar as figuras do discípulo e do guru e transformá-los em personagens de uma tirinha de humor que, em vez da acidez relacionada a coisas da política, da sociedade e do cotidiano, ocupasse um espaço ainda vazio. "É um espaço para falar com humor de um caminho espiritual místico, mas com aspecto poético, falar dos perrengues e situações cômicas. E também denunciar, levantar algumas questões, colocar algumas interrogações nessa relação de mestre e discípulo", conta.
Gurulino começou a tomar forma com desenhos que Sangeon fazia para si mesmo no caderno de anotações. Em 2013, quando voltou para o Brasil, uma amiga sugeriu colocar o personagem na rua. O artista gostou especialmente da ideia porque colocar o Gurulino nos muros da cidade lembrou as performances realizadas no início da carreira e a relação do próprio trabalho com o espaço urbano. "E comecei a colocar em público, tanto na rua quanto na internet, em quadrinhos", lembra. O personagem é o que o autor chama de "uma síntese da síntese". Sangeon escrevia muito, transformava o texto em tirinha e tentava fazer uma segunda versão para levar para as ruas um conjunto resolvido.
Nas ruas, Gurulino começou a encarnar características particulares do brasiliense. "E hoje, como estamos num momento de formatação do que é a cultura brasiliense, acho que as pessoas olham e falam 'isso faz parte do que minha cultura é'. E esse retorno foi de forma despretensiosa que começou", diz Sangeon, que começou a tirinha já pensando em um possível retorno do público. "Foi uma decisão, desde o começo, de que parte da natureza desse trabalho seria o que as pessoas vão retornando nas conversas, um diálogo entre o personagem e a massa da cidade, esse pensamento coletivo", explica. "E hoje sinto que ele é quase esse mix de uma forma de ser. Formalmente, ele tem uma coisa minimalista de quem vive numa cidade moderna: a forma de desenhar o Gurulino é muito simples e objetiva mas, ao mesmo tempo, encarna essa mística de Brasília estar dentro do Cerrado, um lugar que envolve uma natureza incrível e pouco explorada, com toda essa mística espiritual onde todos os povos e tribos se encontram."
No livro, as tirinhas estão organizadas em ordem cronológica. Boa parte delas foram publicadas, mas nem todas. O artista ainda tem material para mais dois volumes, em produção. E para uma série animada, cuja primeira etapa contou com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC/DF) e consiste em um roteiro para uma primeira temporada. "A série vai ser um desdobramento muito mais complexo desse universo do personagem", avisa Sangeon. Como as tiras são soltas, elas não têm uma história contínua, são independentes e não entram em assuntos muito específicos. A série vai trazer o entrelace das histórias, criar o passado dos personagens e investigar as relações entre eles. "Tem uma riqueza enorme de detalhes. E como é uma aventura animada, precisamos de ação e movimento, mas a perspectiva dos textos é reflexiva e contemplativa, então o mais provável é uma série com nível de psicodelia considerável, com um aspecto de além, de dar vazão para uma imaginação, para a mágica, para o som", avisa o autor.

Diversão e Arte
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