Por Cláudio Ferreira Claudioferreira_64@hotmail.com—
Confesso que ainda estou me acostumando a chamar o Dia do Índio de Dia dos Povos Indígenas. Sou de uma geração que se “fantasiava” na escola todo dia 19 de abril, achando inocentemente que estava fazendo uma homenagem aos habitantes originários dessa terra. Foi muito depois que vi interpretações diferentes sobre como temos nos referido a eles historicamente e propostas de novas abordagens.
Como estou sempre disposto a prestar atenção nas mudanças — e como trabalho com as palavras há quase 40 anos — estou treinando para incorporar, tanto ao vocabulário profissional quanto ao cotidiano, os novos sentidos. Para quem precisa escrever diariamente, não é fácil, mas não é impossível.
Já tive muita má vontade com o “politicamente correto”. Ainda vejo alguns exageros na troca de alguns termos e, principalmente, na posição defensiva de certos grupos que militam por causas específicas e que, por vezes, agem como se o resto da população estivesse, deliberadamente, querendo maltratá-los com as palavras.
Por outro lado, até por trabalhar com elas, entendo qual é o peso das palavras. Cada um de nós tem uma balança individual, que pende para um ou outro lado dependendo do que ouvimos. É mais sobre quem ouve do que sobre quem fala, mas os que falam, mesmo sem ter controle de como vai ser a interpretação daqueles que ouvem, podem sempre ter cuidado com as palavras.
Uma providência importante, em minha opinião, é abolir apelidos pejorativos. Não adianta querer apagar o passado se você passou sua vida escolar nomeando seu colega a partir da cor da pele, da altura ou da orientação sexual. Você errou, nós erramos, machucamos pessoas queridas, não adianta mais. Mas é possível pensar no “daqui pra frente”, sempre com uma bússola: a empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, que todos nós temos.
Da minha lista de mudanças a serem feitas está, por exemplo, trocar “escravo” por “escravizado”. O plural mais abrangente “amigues”, depois de “amigos” e “amigas”, já tem uma resistência minha mais difícil de vencer. E assim, entre altos e baixos, idas e vindas, existe um esforço para adequar a linguagem que resulte em bem estar para quem ouve ou lê.
Além do politicamente correto falado, ainda é preciso incorporar algumas ações. Ainda me vejo em dificuldades, por exemplo, com o tratamento às pessoas trans ou àquelas cuja aparência me deixa em dúvida sobre o seu gênero. Teoricamente, já sei o que fazer, mas, na prática, o olho vai primeiro do que o cérebro, e a imagem da pessoa termina por me confundir. Na dúvida, adoto o “menos é mais” e vou passo a passo.
Que bom que a vida é um aprendizado contínuo e que, com raríssimas exceções, nos perdoamos por palavras mal colocadas ou descontextualizadas. Falar e escrever são como praticar um esporte – é preciso treinar todos os dias e, mesmo sabendo que o pódio é para poucos, fazemos a nossa parte.
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