Na tragédia grega Medea, a personagem traída e rejeitada mata os dois filhos para se vingar do marido, Jasão. A história criada por Eurípedes em 431 a.C é um clássico e sempre esteve no radar da atriz Fani Feldman, mas foi preciso descobrir o texto contemporâneo do inglês Mike Bartlett para levar a tragédia para o palco. Em cartaz na Caixa Cultural de hoje até domingo, a Medea de Bartlett é uma adaptação do clássico para os tempos contemporâneos. "Sempre gostei muito de Medea, uma das minhas personagens favoritas. E um dia descobri essa versão inglesa escrita por Mike Bartlett, um autor pelo qual sou fascinada. Todos os textos dele sempre me tiraram o fôlego. Quando descobri que tinha uma Medea dele, na hora quis fazer", conta Fani.
Na versão contemporânea do clássico grego, Medea é uma jovem mãe no puerpério, com um bebê recém-nascido. Traída e abandonada pelo pai da criança, sozinha e submetida à extrema pressão da vida cotidiana na qual precisa conciliar, sem ajuda, os cuidados com o bebê e a vida profissional, ela sucumbe à depressão. "É uma Medea contemporânea, então ela traz o quanto tem de tragédia na nossa vida cotidiana", avisa Fani.
No texto original, a personagem tem dois filhos e é trocada por Glauce, com quem Jasão decide se casar por ter origem nobre, ao contrário da mãe de seus filhos, que é plebeia. Para facilitar o arranjo, ele decide mandar Medea para o exílio. Ela se revolta e mata os filhos. "Nossa preocupação era como fazer o público compreender o estado em que a personagem está ao cometer esse crime", explica Fani. "Não é uma defesa do que ela faz e, sim, a exposição de a que ponto uma mulher pode chegar em uma sociedade que não a ampara em nenhum momento, principalmente na maternidade. No puerpério fica mais claro esse estado."
A atriz começou a ensaiar a peça durante a pandemia e chegou a fazer algumas versões on-line, já que o projeto data de 2019, mas não chegou a ver o palco por causa do fechamento dos teatros. A estreia ocorreu há dois meses e Fani ficou surpresa com as reações do público feminino: "As identificações são intensas porque é um espelho da sociedade em relação às questões femininas. E, como a gente está nesse momento em que se fala muito da maternidade real, hoje as mulheres podem falar um pouco sobre as dificuldades que enfrentam na maternidade".
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