De repente, voltei ao ano de 1977. Porém, não era mais a criança que viveu naquela época, mas, sim, uma mulher feita, mãe de dois filhos adolescentes. Aliás, eles também estavam lá, ao meu lado, no saguão do São Luiz, o mais tradicional cinema de rua de Recife, aguardando para assistir ao lançamento de Carrie, a estranha.
Não. Não se trata de um sonho sem nexo, daqueles que costumamos acordar aos risos de tão louco que parece. A cena, de fato, aconteceu em uma tarde chuvosa de sábado, no cinema que, durante parte da minha infância, adolescência e juventude, foi quase um segundo lar. E parte dos amigos de faculdade que costumavam me acompanhar nas incursões ao São Luiz também estava lá.
A viagem no tempo ocorreu graças a um convite inusitado feito no grupo de WhatsApp da galera da universidade. O cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho, diretor de Bacurau, que também faz parte da turma, perguntou quem toparia fazer figuração no seu mais recente filme, O agente secreto, que está sendo rodado em Recife. Eu, que passava férias na cidade, nem pensei duas vezes, e me juntei a outros amigos que também aceitaram o chamado.
Quando cheguei à Rua da Aurora, que estava interditada no trecho onde fica o São Luiz, mal deu para segurar a emoção. Fuscas, brasílias, corcéis, opalas se perfilavam ao longo da via, que tinham placas de antigas marcas comerciais na fachada das lojas. Os letreiros do cinema mostravam que O magnífico entraria em cartaz em breve, assim como Dona Flor e seus dois maridos e Tubarão.
Antes de ser transportada no tempo, entramos no figurino. Para mim, foram escolhidos vestido reto laranja e fios presos em um coque. A minha filha ganhou cabelos ondulados, short e tênis conga com meias soquetes à mostra. Já o meu filho, de jeans apertado e camiseta branca, exibia uma costeleta. Meus amigos também ficaram no clima dos anos 1970, com roupa, cabelo e make a caráter.
O saguão do São Luiz, onde gravamos a cena cuja estrela era o ator Wagner Moura, protagonista do filme, está exatamente do jeito que era quando eu o frequentava. O chão de mármore branco, o imponente painel pintado por Lula Cardoso Ayres, o velho carrinho de pipoca, as luminárias em bronze, o revestimento das paredes em jatobá, tudo me levou de volta às décadas de 1980 e 1990, quando frequentava o local.
Foi lá que vi, aos prantos, ET deixar o amigo Elliot na Terra e voltar para casa; acompanhei as aventuras de Indiana Jones; emocionei-me com Cinema Paradiso, O carteiro e o poeta, Perfume de mulher, Ghost e outras comédias românticas dos anos 1990; fui apresentada à genialidade de Tarantino e de Scorsese. Não tenho certeza se assisti a todos esses filmes no São Luiz, afinal, eu me revezava também com o Veneza e o Art Palácio, outros ícones do cinema de rua de Recife.
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