Com 65 anos, Brasília tem personalidade e, diferentemente do que muitos brasileiros de fora pensam, a capital já tem uma identidade muito forte, formada ano a ano, à medida que foi amadurecendo como cidade, acolhendo pessoas de todos os lugares, até começar a ter suas primeiras gerações de brasilienses.
Quem chegou à cidade jovem, na década de 1980, já podia observar alguns traços dessa identidade brasiliense, um deles era o quanto a diversidade geográfica não era fator de discriminação e preconceito, como ocorria em grandes centros, São Paulo e Rio, por exemplo.
Aqui, os nordestinos, no meu caso, por exemplo, sentiam-se tão bem recebidos como os mineiros, gaúchos, paulistas. No conjunto de habitantes e em relação às origens geográficas, sempre houve uma atmosfera mais receptiva. Chegado aqui, por algum motivo, o imigrante havia deixado a terra natal e isso colocava todos no mesmo barco, ou melhor, no mesmo avião.
Tanto que, logo que me mudei pra cá, lembro-me bem que uma das características típicas dos brasilienses era tentar adivinhar de onde você era, a partir do sotaque. Isso era tão comum que eu achava que era um tipo de passatempo das pessoas. Até hoje, vir para Brasília, de vez ou por um tempo, faz parte da vida da cidade. As pessoas vêm, vão ou ficam, e ser de fora, independentemente de onde, é normal, faz parte.
Ao longo dos anos, uma linguagem local foi se formando, e por mais que digam que é difícil identificar um sotaque de Brasília, há temos como "Véi", "Valeu!" "De boa", "Cabuloso" e tantos outros que são facilmente identificados como brasilienses. Já existem muitas particularidades que formam a identidade do famoso quadradinho, nas mais diferentes áreas.
O comportamento das pessoas diante de alguns e temas é o que mais me chama atenção. Seja o de parar na faixa de pedestre e sentir orgulho por isso, o de não buzinar no trânsito, ou pelo menos buzinar muito menos de qualquer outra cidade, o de fotografar árvores, principalmente os ipês coloridos, o de ocupar espaços públicos e criar novos lugares de convivência coletiva, o de reclamar por tudo, principalmente de mudanças, e de criar polêmica sempre. São muitos traços interessantes, típicos daqui e que podemos afirmar que formam uma identidade local. Um deles, que sempre me chama a atenção, é como o brasiliense gosta de falar do clima.
Faz parte do dia a dia do brasiliense falar das temperaturas, mínimas e máximas, comentar sobre a umidade do ar, sobre a previsão de chuvas, sobre a quantidade de raios, apostar na data da primeira chuva após a seca, de comparar se a seca do ano está pior do que a do ano anterior, de admirar e olhar pro céu, se tem nuvens, se está azul ou se mudou de cor, se tem névoa, se tem neblina, a velocidade do vento, ou se não tem vento. Meteorologia é um assunto brasiliense.
Comentar sobre o clima, ouvir a previsão, reclamar da secura, reclamar da chuva, do calor, do frio, faz parte do dia a dia e da identidade do brasiliense, independentemente da classe social, nível de instrução, local de moradia. Sobre o clima, sempre há algo pra falar, faz parte da maneira brasiliense de ser e de viver no planalto.
