
Por Ricardo Nogueira Viana—Após meses de espera, o tão esperado show Phonica — Marisa Monte & Orquestra Ao Vivo finalmente aconteceu no dia 29 de novembro, no gramado do Eixo Cultural Ibero-Americano. Um espaço diferente, e ousado até: ergueram grades em uma área de uso comum e cobraram caro, bem caro, por um ingresso. Fazia muito tempo que eu não via a musa do pop, MPB e samba; a última vez tinha sido em 2014, no meu aniversário de casamento, em férias no Rio de Janeiro. Desde então, um verso esquentava a minha cabeça: "Ela vai voltar, vai chegar; e se demorar, I'll wait for you".
O dia chegou e lá estávamos nós, eu e minha esposa, numa noite que tinha tudo para ser terapêutica e nostálgica. "Já sei namorar, já sei beijar de língua, agora só me resta sonhar". Queríamos um lugar privilegiado e comprei a pista premium; pelo visto, todo mundo teve a mesma ideia. Chegamos cedo, mas o local já fervilhava de gente. Ainda assim, com um pouco de paciência, corpo de lado e gentileza, nos encaixamos. À nossa frente, um palco grandioso; atrás dele, como cenário de cartão-postal, a Torre de TV recortando o céu, onde se desenhava uma lua inesquecível: "Olha o canto da sereia; lalaó, oquê, ialoá; em noite de Lua cheia".
O evento estava marcado para as 19h, mas algo me dizia que iria atrasar. Coincidia com a final da Libertadores, e o Palmeiras enfrentava aquele time que eu, como vascaíno, recuso-me até a pronunciar o nome. Marisa, embora botafoguense, não sacrificaria a alegria da banda nem da orquestra com mais de cinquenta músicos. Era certo: tinha flamenguista ali. No pouco espaço que tínhamos, abri o celular e comecei a ver o jogo. Vai, porco! Aos poucos, as pessoas ao redor passaram a espiar a minha tela minúscula; quando percebi, éramos uma pequena torcida improvisada, desconhecidos que se tratavam como velhos amigos. Final de jogo, aquele time campeão, e, como se obedecesse a um apito invisível, o show começou.
Primeiro, a orquestra. Depois, Marisa: "Tchurururu, tchu, tchu, tchu, uô, uô, uô, uô". As luzes explodiram em cores, e um mar de gente entrou em êxtase, cantando e se mexendo dentro do pouquinho de chão que cada um. De repente, um fã grita lá do meio: "Te amo, Flávio Dino!". Suspeitei que o ministro estivesse ali, misturado na multidão. Ao final da primeira música, Na estrada, ouvi um pedido insistente, doce e nasalisado: "Carinhoooso!". Vieram "Depois", "Beija eu", "Vilarejo" e tantas outras em duas horas e meia de espetáculo, e, entre cada música, a mesma súplica encantadora: "Carinhoooso!".
Passei a procurar de onde vinha aquela voz até encontrá-la. Estava ao meu lado: era a Alice, igual à minha sobrinha Alice. As duas tinham algo a mais que o mundo chama de síndrome de Down; eu prefiro chamar de luminosidade. "E a gente canta, a gente dança, a gente não se cansa; de ser criança, a gente brinca, na nossa velha infância".
Confesso que, dali em diante, dividi minha atenção entre Marisa e Alice. Ela sabia todas as músicas, cantava cada verso com a alma, e o grupinho que tinha assistido ao jogo comigo agora se derretia por aquela menina-anjo, afetuosa e encantadora, que pedia, sem descanso: "Carinhoooso!". O aperto do espaço passou a ser detalhe; o ambiente ficou leve, divertido, quase familiar — mas também um pouco tenso. E se Marisa não cantasse Carinhoso? A cada fim de música, a menina levantava sua prece em forma de palavra, e nós, a plateia de dois shows — o de Marisa e o de Alice — passamos a torcer pela próxima canção como quem torce por um gol nos acréscimos. E nada.
"Eu a ensaiei!", ela explicou, com a convicção de quem fez um pacto com o palco. A mãe completou, paciente: a música seria apresentação na escola, e ela vinha se preparando. Marisa precisava cantar. Ah, precisava. Às 22h45, Marisa se despediu. Alice, nós e o pequeno fã-clube em volta dela ficamos atônitos. A frustração naquele rostinho fraterno era tão visível que parecia se espalhar em ondas pela nossa pequena comunidade improvisada. Então notei: a orquestra permanecia imóvel. Bom sinal. Ela voltaria. E voltou. Alice explodiu em alegria, pulando e gritando: Carinhoooso!. Eu comecei a rezar — para Deus, para o mito Pixinguinha e para João de Barro, o compositor.
Mas o que veio foi outra canção: "Para calar a boca: rícino; pra lavar a roupa: Omo; para viagem longa: jato, para difíceis contas: calculadora". Marisa se despediu de novo. A nossa pequena comunidade se inclinou em direção a Alice, tentando ampará-la com palavras, abraços, olhares. Era o que tínhamos. Mas, no fundo, não era suficiente. Não, não, não. Acima de nós, havia mais um pedido em trânsito, de um anjo que não se conformava.
E Marisa voltou outra vez. E então o tempo parou. Alice cruzou os braços no peito, fechou os olhos, deixou a cabeça balançar suavemente, como se já soubesse o que viria: "Meu coração, não sei por que; bate feliz quando te vê; e os meus olhos ficam sorrindo; e pelas ruas, vão te seguindo, mas mesmo assim, foges de mim". Não sei quando Marisa saiu do palco; o que sei é que vi aquela menina chorar, flutuar e reinar, como se a noite inteira tivesse sido escrita para ela. Uma noite com dois shows: o de uma diva e o de uma criança que transformou um pedido em mil orações. "Vem matar essa paixão, que me devora o coração; e só assim, então, serei feliz, bem feliz". Tchau, Marisa. Alice, foi um prazer.
Ricardo Nogueira Viana, Professor de Educação Física. Mestrando em Direitos Humanos e Segurança Pública - UFG. Delegado Chefe da 35ª DP.

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