A contagem regressiva para o governo encaminhar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2022 ao Congresso Nacional começou. O prazo termina no próximo dia 31, e tudo indica que o governo enviará aos parlamentares uma enorme peça de ficção, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, constantemente afirmar que apresentaria um Orçamento o mais realista possível.
Os problemas do Ploa de 2022 são muitos e, por conta disso, não haverá espaço para novas despesas do governo, que tenta emplacar a todo custo a principal bandeira da campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022, o Auxílio Brasil, mas não consegue recurso.
O governo será obrigado a colocar no Orçamento a previsão de despesa de R$ 89,1 bilhões com precatórios (dívidas judiciais da União), porque a polêmica Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite o parcelamento dessa despesa ainda não tem sequer um relator. Portanto, não haverá espaço extra para novas despesas. A medida é considerada inconstitucional pela maioria dos especialistas. Eles alertam, ainda, que a PEC burla o teto de gastos e acaba com a regra de ouro, que proíbe o governo de emitir dívida pública para pagar despesas correntes, como salários e aposentadorias, sem o aval do Congresso.
Mas os principais problemas do Orçamento começam pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que norteia a elaboração do Ploa. Os parâmetros da LDO, publicada ontem no Diário Oficial da União, estão desatualizados. Os dados não condizem com as projeções do mercado e, portanto, tornam as previsões de receita e de despesas fora da realidade.
“O orçamento que será enviado ao Congresso será uma mera folha de papel. Não vai ter consistência alguma”, destacou o especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, economista do Senado Federal. Ele lembrou que cerca de 70% das despesas obrigatórias são indexadas ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que deverá encerrar o ano bem acima dos 4,27% previstos pelo governo, ou da última projeção do Ministério da Economia, de 6,2%.
Com base na estimativa de INPC, a LDO projeta o salário mínimo de 2022 em R$ 1.147. Mas, se for considerado um reajuste de 8% (segundo a previsão de mercado para o índice), o valor do piso salarial passaria para R$ 1.188. Para cada real adicional no salário mínimo, as despesas do governo aumentam R$ 350 milhões.
Logo, esses R$ 41 a mais no mínimo implicariam em um gasto adicional de R$ 14,3 bilhões, que precisará ser incluído em algum momento no Orçamento. Esse montante integra a lista das surpresas que devem pressionar o teto de gastos, cuja margem adicional já está encolhendo por conta da persistência da inflação neste segundo semestre.
De acordo com a economista Juliana Damasceno, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), apenas pelo fato de o INPC encerrar 2021 dois pontos percentuais acima da previsão de 6,2% do governo, a margem extra do teto estimada pelo governo deverá encolher R$ 16 bilhões, passando de R$ 30,4 bilhões para R$ 14,4 bilhões.
Logo, o governo não vai ter espaço para conceder o reajuste de 50% no Bolsa Família como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vinha prometendo, o que implicaria em um benefício perto de R$ 300, mas que custaria cerca de R$ 30 bilhões além da previsão inicial para o programa no ano que vem, em torno de R$ 35 bilhões, destacou Juliana Damasceno. “A cada mês que passa, esse espaço extra fica mais apertado. Os parâmetros da LDO estão defasados, e o governo ainda precisará incluir os precatórios nessa conta”, disse a pesquisadora do Ibre.
“As premissas adotadas na LDO são fantasiosas. Crescimento de 2,5% e IPCA de 3,5% para 2022, não há quem justifique. Selic média a 4,74% ao ano e dólar médio de R$ 5,15, também não”, resumiu o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Peça de ficção
Parâmetros macroeconômicos da LDO de 2022, que devem constar no Orçamento, estão defasados
Indicador 2021 2022
LDOMercado*LDOMercado*
PIB -Crescimento real PIB (%)3,205,272,502,00
IPCA acumulado (%)4,427,183,503,93
Taxa Selic (% a.a.)2,87,504,707,50
Taxa de câmbio (R$/dólar)5,305,215,155,20
*dados do boletim Focus, do Banco Central
Fontes: LDO de 2022, Banco Central e FGV Ibre
4,27%
Índice previsto na LDO para a correção do salário mínimo, que iria a R$ 1.147 em 2022
8,1%
Previsão do FGV Ibre para o INPC deste ano, que é o fator de correção do piso salarial, o que poderá gerar uma despesa adicional de R$ 16 bilhões
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Guedes vê "equilíbrio"
Após criticar o “negacionismo em relação à economia”, que seria praticado pela mídia e alguns economistas de “centro-esquerda”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que os fundamentos econômicos do país estão equilibrados. "No ano que vem, a previsão de deficit fiscal é de 0,3% do PIB. Acabou o déficit", disse, durante evento promovido por empresários do setor de varejo. Segundo ele, nos próximos dias o governo anunciará mais um recorde de arrecadação.
O ministro defendeu mais uma vez a polêmica PEC dos precatórios e ainda deu um puxão de orelhas no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a quem acusou de ter abandonado a agenda de reformas. “Em algum momento, ele vai se engajar na agenda das reformas. Nós precisamos de apoio parlamentar”, assinalou.
Paulo Guedes afirmou, ainda, que, em conversas com os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ficou acertado que haverá “um encontro de contas, assim como já foi feito com as dívidas de estados e municípios, que se valem do parcelamento dos precatórios”. “Nós precisamos desse apoio para fazer essa PEC (dos precatórios). Tem muitos interesses políticos. Antecipação das eleições. A mídia está fazendo seu papel, mas existem militantes na mídia, assim como também economistas militantes”.
O ministro admitiu, porém, que “existe muita dúvida, incerteza e insegurança no momento”. “A democracia é barulhenta. Temos que entender o barulho, que é melhor do que o silêncio da ditadura. Mas temos que nos concentrar no que temos de fazer”, afirmou.