CONJUNTURA

Banco Central eleva projeção de inflação de 5,8% para 8,5% no fim do ano

Relatório trimestral aponta que inflação chegará a 10,2%, mas arrefecerá, especialmente em razão dos reajustes na Selic

Fernanda Fernandes
postado em 30/09/2021 10:43 / atualizado em 30/09/2021 11:50
 (crédito: Editoria de ilustração)
(crédito: Editoria de ilustração)

A inflação acumulada em quatro trimestres deverá atingir 10,2% ainda este trimestre, mas arrefecerá e deve encerrar o ano em 8,5%, segundo as novas projeções do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), divulgadas nesta quinta-feira (30/9) por meio do relatório trimestral da inflação dos meses de junho, julho e agosto. Para chegar neste resultado, o colegiado combinou a taxa Selic da pesquisa Focus e a taxa de câmbio seguindo a paridade do poder de compra (PPC).

De acordo com o comitê, a revisão foi afetada pela mudança da bandeira tarifária de energia elétrica de vermelha patamar 2 em junho, ainda no antigo valor da bandeira (reajustada em julho), para a bandeira “escassez hídrica” em setembro. Segundo o relatório, “a inflação projetada entra em trajetória de declínio, terminando 2021 em 8,5%”. O valor é 3,25 ponto porcentual acima do intervalo de tolerância (5,25%) da meta para a inflação (3,75%).

Entre os principais fatores de revisão para baixo na inflação de 2021, a autarquia aponta a trajetória mais elevada da taxa Selic, prevista em 8,25% no fim do ano. Segundo o colegiado, a elevada projeção deverá se propagar para 2022, via inércia inflacionária. A inflação projetada para o próximo ano passou de 3,5% para 3,7%.

De acordo com o relatório, as projeções representam a visão do Copom e são resultado da combinação, dentre outros fatores, das projeções de especialistas, da utilização de modelos macroeconômicos, de modelos satélites e de modelos específicos para os itens de preços administrados.

Retomada econômica

Além da expectativa para a inflação, o documento divulgado nesta quinta-feira pelo Copom também explica fatores conjunturais sobre os mais recentes indicadores econômicos, como a queda de 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no segundo trimestre em relação ao trimestre anterior, que interrompeu o ritmo de altas iniciado em meados de 2020. A principal motivação, segundo o comitê, foi o recuo em grandes setores como agropecuária, indústria e serviços. “Esses fatores têm se mostrado persistentes e foram recentemente agravados pelo impacto da variante Delta do coronavírus em países asiáticos”, diz o documento.

A análise do BC explica que, no setor agropecuário, a baixa foi registrada em razão da base alta do trimestre anterior, que obteve safra recorde, e das condições climáticas no país, que afetaram colheitas. Já na indústria, o relatório chama atenção para a queda no ritmo de produção de veículos, que há meses sofre com a escassez de insumos e diminuiu mais intensamente em comparação aos demais bens duráveis e à indústria em geral.

O resultado no setor de serviços, que, segundo a autarquia, antecipou parte da recuperação esperada para o segundo semestre, engloba atividades mais dependentes de interações presenciais, como alojamento, alimentação, atividades artísticas e culturais.

Embora o consumo das famílias tenha demonstrado estabilidade no período, o BC afirma que foi abaixo das expectativas, que se mantinham em alta em razão da recuperação do mercado de trabalho e da mobilidade, do retorno do auxílio emergencial e da antecipação do abono salarial e do 13º salário de aposentados. “O consumo das famílias mostrou estabilidade no segundo trimestre, apesar de fatores que apontavam para resultado mais positivo”, diz o documento.

Os serviços prestados às famílias ainda continuam substancialmente deprimidos, segundo o BC, apesar de as séries desagregadas da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) e da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) sugerirem que, em geral, o consumo de bens já atingiu ou superou o patamar pré-pandemia. "A melhora recente da pandemia, o avanço da vacinação e a evolução dos indicadores de mobilidade apoiam esse cenário de recuperação do consumo das famílias ao longo dos próximos meses”, informa.

Para os membros do Copom, que assinam o relatório, a normalização da cadeia de insumos industriais, mesmo que gradual, também deverá ter efeitos positivos sobre o crescimento nos próximos meses. “As perspectivas para agropecuária e indústria extrativa, em ambiente de preços internacionais de commodities ainda elevados, também são positivas”, diz o colegiado.

Há, contudo, fatores que restringem o ritmo de recuperação no segundo semestre deste ano e no próximo, afirma o Copom. “No curto prazo, choques de oferta afetam negativamente atividade e consumo. Adicionalmente, o ciclo de aperto monetário, cujos efeitos devem ser sentidos principalmente em 2022, tende a diminuir o ritmo de fechamento do hiato”, explica.

O colegiado projeta crescimento do PIB de 4,7% em 2021 e 2,1% em 2022, e aponta três riscos relevantes para piora desse cenário: um eventual agravamento da crise hídrica, especialmente se forem necessárias restrições ao consumo de energia elétrica. A evolução da pandemia da covid-19. E os ruídos político-fiscais que aumentam o prêmio de risco e a confiança do mercado financeiro. “Ações que piorem as expectativas a respeito da trajetória fiscal podem pressionar os prêmios de risco e a confiança dos agentes, com impactos negativos, possivelmente defasados, sobre a atividade econômica e os investimentos em particular”, alertam os membros do Copom.

Risco fiscal

Entre as ações que aumentam o risco fiscal para investidores estrangeiros, o Banco Central pontua questões relacionadas ao programa Bolsa Família, à maior despesa projetada com sentenças judiciais (pagamento de precatórios) e a menor desaceleração da inflação no segundo semestre de 2021. “(Esses) São temas com impacto potencial sobre o conjunto de despesas programadas para 2022. Nessa conjuntura, houve piora da percepção de analistas de mercado sobre o risco fiscal para o próximo ano e aumento relevante da curva de juros, com impacto sobre o custo de financiamento da dívida pública no longo prazo”, informa o relatório trimestral.

O colegiado explica, no entanto, que essa piora ainda não é evidente nas projeções de dívida do mercado financeiro, por meio da pesquisa Focus, uma vez que as projeções realizadas entre o fim de 2020 e o momento atual indicam queda de 13,8% da relação dívida/PIB esperada para o fim de 2021. ”O Copom reconhece que o risco fiscal segue elevado, apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública. (...) A própria percepção, pelos agentes econômicos, de uma possível mudança do regime fiscal pode ter impactos sobre prêmios de risco do país, a taxa de juros neutra, as expectativas de inflação e, consequentemente, a política monetária”, reforça.

Deficit primário

Apesar do alerta a médio e curto prazo sobre aumento de risco fiscal, o BC reconhece que as receitas continuam a surpreender as estimativas de mercado, trazendo consigo uma perspectiva de resultado fiscal melhor que o esperado inicialmente para o ano corrente. O deficit primário do Governo Central (despesas federais), por exemplo, foi de R$ 135 bilhões, ante os R$ 222 bilhões esperados no início do ano e os R$ 201 bilhões estimados em junho. As estimativas oficiais seguiram o mesmo caminho: o deficit de R$ 226 bilhões, previstos no primeiro bimestre, passou para R$ 155 bilhões, segundo projeções oficiais mais recentes até a publicação do relatório.

As despesas subnacionais, de estados e municípios, também surpreenderam, com crescimento tanto das receitas próprias (+19%) quanto das receitas transferidas pela União (+21%), mesmo com cerca de 50% as despesas de pessoal congeladas pela Lei Complementar nº 173/2020.

“Tal elevação se traduziu em surpresas nos resultados primários ao longo do ano. Em termos reais, os resultados mensais foram recordes em quatro dos sete meses, de maneira que o resultado é o melhor da série histórica no acumulado do ano”, diz o relatório sobre o superavit de R$ 55,7 bilhões no resultado primário acumulado em 2021. Apesar do resultado positivo, não há como dizer se o aumento do nível de receitas é permanente, segundo o Copom. “Há incerteza sobre quanto do recente aumento do nível das receitas é permanente. (...) A evolução recente das receitas se mostra substancialmente influenciada pelo preço das commodities em reais e por recolhimentos de impostos atípicos”, informa.

Emprego

O Banco Central confirma que a taxa de desocupação, medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), recuou novamente no segundo semestre de 2021. Na avaliação do colegiado, o desempenho reflete recuperação mais rápida da força de trabalho e da população ocupada do que no trimestre anterior, em linha com o arrefecimento da crise sanitária nos últimos meses.

“Para o crescimento da população ocupada, inclusive, houve maior contribuição das ocupações formais que em períodos anteriores. Mesmo assim, tanto a população ocupada como a força de trabalho permanecem em nível consideravelmente abaixo do período pré-pandemia, sinalizando um mercado de trabalho ainda frágil”, reconhecem os membros do Copom no novo relatório.

O comitê reforça que os dados sobre mercado formal de trabalho medido pela Pnad Contínua seguem divergindo do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged). “Essa última fonte mostra o emprego formal com desempenho bem mais favorável desde meados do ano passado, mantendo geração mensal de postos formais elevada, impulsionada pelo aumento das admissões. Por outro lado, os desligamentos retomaram o patamar obser vado antes da pandemia, acompanhando a maior rotatividade do mercado de trabalho com o arrefecimento da crise sanitária e a recuperação econômica”, explica.

Segundo o Copom, a diferença entre os números da Pnad Contínua e do Novo Caged mostra que permanece a dificuldade de avaliação do mercado de trabalho e sugere cautela com os resultados dessas duas fontes de informações. “Nesse contexto, indicadores alternativos complementam essa análise. [...] (E mostram que) A massa de rendimento do trabalho, que resulta da combinação do rendimento com o número de pessoas ocupadas, encontra-se ainda em nível bastante deprimido, influenciada pela recuperação incompleta da ocupação”, aponta.

Cenário externo

No documento, o Banco Central reconhece que a recuperação da economia global observada desde meados de 2020 desacelerou no terceiro trimestre deste ano, em algumas economias relevantes. Segundo a autarquia, o cenário ainda depende bastante da evolução da pandemia e da capacidade da oferta em se ajustar às mudanças no padrão de consumo global que, segundo aponta o relatório, é menor nos países emergentes (que inclui o Brasil).

“A recuperação da atividade prossegue mais vigorosa nas economias avançadas que nas economias emergentes, principalmente nos emergentes afetados por novos surtos de casos, com campanhas de vacinação relativamente mais vagarosas e menor disponibilidade de vacinas”, informa o BC. “Com menor espaço fiscal e vulneráveis às alterações das condições financeiras globais e a novos surtos da pandemia, as economias emergentes continuam mais sujeitas a riscos de descontinuidade em sua recuperação econômica”, completa o relatório.

Os países com economia mais avançada, como Estados Unidos e países do euro, seguem em ritmo mais acelerado de recuperação econômica, segundo o BC. Alguns mais relevantes na economia global, como a Alemanha, enfrentam dificuldades devido à falta de insumos.

A China, maior parceiro comercial do Brasil, também apresenta sinais de desaceleração em relação ao seu ritmo de crescimento. Entre os motivos, o relatório destaca o ressurgimento de coronavírus em algumas regiões, que afetou a mobilidade urbana, eventos climáticos que, assim como no Brasil, também tiveram impacto sobre a economia chinesa em algumas províncias e a desaceleração do setor imobiliário. “A transição global para uma economia de baixo carbono também tem contribuído para o desequilíbrio observado entre a oferta e demanda de produtos como commodities minerais e energéticas. Na China, as metas de redução de consumo energético limitaram a produção de insumos industriais, como aço e alumínio, provocando escassez na sua oferta global e consequente pressão altista nos preços”, destaca.

Ainda segundo o relatório trimestral da inflação, a desaceleração da atividade econômica em algumas economias relevantes tiveram efeitos na elevação de preços de commodities, nos gargalos na cadeia produtiva, na reabertura das economias e na alteração de preços que refletiram sobre as taxas de inflação em economias avançadas e emergentes.

“Em alguns países, principalmente emergentes, já foi iniciado o processo de normalização da política monetária”, diz a análise. O cenário externo, segundo o Banco Central, prossegue com elevado grau de incerteza. “O apetite por ativos de maior risco pode se reduzir, especialmente daqueles países com maiores fragilidades fiscais e perspectivas menos favoráveis de crescimento econômico. Esse cenário pode tornar o ambiente desafiador para países emergentes”, informa.

 

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