TRANSPORTE

Saiba como anda o processo de privatização dos aeroportos no país

Iniciada em 2011, a transferência de terminais públicos para o setor privado vem transformando a aviação no Brasil. Recentemente, ocorre em ritmo mais acelerado, mas o usuário quase nem tem percebido

Rosana Hessel
Deborah Hana Cardoso
postado em 22/05/2022 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Na última década, o brasileiro vivenciou mudança brutal nos principais aeroportos nacionais privatizados. Vários foram modernizados e, atualmente, são de padrão comparável ao internacional, como é o caso do Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília — que chegou a ter puxadinhos para o embarque remoto dos passageiros e era caótico sob a administração pública. O empreendimento foi concedido à iniciativa privada em 2012 e quem assumiu foi a argentina Inframérica.

De lá para cá, dezenas de terminais trocaram de mãos e a expectativa é de que o serviço prestado ao consumidor seja mais eficiente. O programa de privatização dos aeroportos começou no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que sempre preferiu utilizar o termo "concessão" em vez de "privatização".

Naquela época, a modernização dos aeroportos tornou-se necessária para o país não fazer feio na Copa do Mundo de 2014. O primeiro aeroporto concedido à iniciativa privada foi São Gonçalo do Amarante, em Natal, em 2011.

Desde então, foram realizadas seis rodadas de concessões à iniciativa privada. E, com isso, dos 65 aeroportos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), hoje, restaram 20 sob a gestão da estatal, conforme dados do Ministério da Infraestrutura (MInfra).

Contudo, três concessões foram devolvidas em meio à frustração da demanda: Galeão (RJ), Viracopos, em Campinas (SP), e São Gonçalo do Amarante (RN). Os terminais estão na programação das novas rodadas para serem relicitados no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

De acordo com a assessoria da Inframérica, que detinha a concessão, "após novos estudos e análises feitas para melhorar os contratos dos próximos aeroportos que foram leiloados, a única possibilidade de mudança contratual seria uma nova licitação do ativo". Além disso, a queda no tráfego de passageiros durante a crise econômica, ocorrida justamente no período inicial da concessão, impactou diretamente o turismo.

Os estudos iniciais previam um movimento de 4,3 milhões de passageiros em 2019. Contudo, o fluxo registrado foi de 2,3 milhões, cerca da metade do previsto. O pedido de devolução, inclusive, aconteceu antes mesmo do início da pandemia. "Com a covid-19, o impacto foi ainda maior", afirma.

A partir de 2019, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), 34 aeroportos do país foram concedidos à iniciativa privada, somando R$ 9,62 bilhões em investimentos previstos, com R$ 5,67 bilhões em outorgas, de acordo com o MInfra. A pasta informa que há duas rodadas programadas para este ano e para o próximo. Os processos para o leilão da 7ª rodada de concessão de aeroportos, a relicitação de Viracopos e de São Gonçalo do Amarante estão sendo analisados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a expectativa é de que o edital seja lançado no segundo semestre.

O MInfra programou a realização da 7ª rodada para o terceiro trimestre e tirou o Santos Dumont (RJ) da listagem. Estão previstas as concessões de 15 aeroportos, além da relicitação dos terminais de São Gonçalo do Amarante e de Viracopos. Ao todo, o investimento previsto é de R$ 7,3 bilhões. Inicialmente, serão ofertados três blocos de aeroportos: o primeiro, de aviação geral, é integrado pelos aeroportos de Campo de Marte e de Jacarepaguá (RJ).

O segundo bloco, o Norte II, tem os terminais de Belém e Macapá. E o terceiro, o mais cobiçado, é composto pelos aeroportos de Congonhas (SP), Campo Grande (MS) e aeroportos regionais do Mato Grosso do Sul, do Pará e de Minas Gerais. Já a 8ª rodada contará com o leilão dos aeroportos do Galeão e Santos Dumont (RJ), segundo a pasta.

Avanços

Fabio Rogério Carvalho, principal executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa), avalia que o setor aeroportuário brasileiro passou pela "maior transformação nos últimos 10 anos", a partir do início do processo de concessão dos terminais aéreos.

"A gestão privada mostrou-se absolutamente eficaz em responder às demandas que lhe foram apresentadas às épocas dos grandes eventos, e trouxe os aeroportos brasileiros para um nível de qualidade elevado, inclusive nos padrões internacionais", afirma. Porém, ele reconhece que a pandemia trouxe lições à regulação, especialmente no que tange o compartilhamento de riscos de demanda.

"O Brasil teve um avanço importante nas concessões de aeroportos, apesar de a última década ter sido perdida do ponto de vista econômico. Alguns aeroportos tiveram problemas na modelagem e os passivos acumulados não foram bem resolvidos", destaca o especialista em infraestrutura Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan. Ele cita como exemplo o caso de Viracopos e lembra que outro problema a ser resolvido é acertar a modelagem para a concessão do Aeroporto do Galeão, privatizado em 2014.

A Changi, de Cingapura, assumiu o controle em 2017, quando a Odebrecht deixou o empreendimento. "Um aeroporto tão grande continua com potencial subaproveitado", diz. Ele destaca que um dos principais problemas é a falta de uma ligação metroviária com o Santos Dumont.

Não à toa, o lote que inclui Galeão e Santos Dumont ficou para 2023, mas tudo indica que eles poderão ser leiloados depois. "A concessão desses dois terminais deve ficar para 2024. O principal terminal da sétima rodada será o de Congonhas, que tem atratividade mesmo com o mercado em uma situação ruim. Existe tráfego e perspectiva de futuro. E o investidor só deve entrar nesses leilões se achar que o negócio é rentável", explica Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes, centro de estudos e pesquisas em transportes, logística e mobilidade urbana da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Para ele, é provável que os valores pagos sejam menores do que os de leilões anteriores. "O risco e a incerteza atuais pesam muito na modelagem financeira, mas acho que haverá atratividade, mas com um apetite menor."

Douglas Bassi, diretor da Virtus BR Partners, lembra que, com a inflação atual em dois dígitos, o custo do crédito para financiar empreendimentos do porte de um aeroporto vem aumentando, enquanto os títulos do governo pagam inflação mais 6%, no pós-fixado, ou de 12% a 13% ao ano, no pré-fixado.

"Muitos investidores vão olhar para a taxa de retorno para um empreendimento de longo prazo, com horizonte de mais de 20 ou 25 anos. O investimento em infraestrutura tem uma maturidade grande e é uma boa oportunidade de investimento, desde que não se pretenda sair dentro de quatro ou cinco anos", alerta.

De acordo com o presidente da Infraero, o tenente-brigadeiro do ar Hélio Paes de Barros Júnior, com a maturidade dos processos, as coisas melhoraram para as empresas. Segundo ele, no passado, o TCU tinha ressalvas ao processo, mas isso mudou no decorrer dos anos. "O governo identificou que a estatal não tem dinheiro para fazer investimento em aeroportos e para melhorar a qualidade. Nas próximas rodadas, estarão inclusos Santos Dumont e Congonhas, "as joias da coroa", como o mercado trata", avalia.

Segundo ele, os contratos atuais são baseados em performance conforme as melhorias dos aeroportos, "deixando o processo mais palatável, mais técnico, aumentando o valor do bid (da aposta que o investidor fará na licitação)". Barros Júnior ainda lembra que poucos aeroportos são rentáveis para a estatal. "A maioria desses terminais são deficitários e, por intermédio de uma política pública, a gente consegue administrar para que sejam certificados para melhorar o serviço à população e voar com suas pernas", afirma.

Na avaliação de Quintella, da FGV, um dos principais problemas da devolução dos três aeroportos foi que eles foram concedidos em conjunturas política e econômica diferentes do momento atual, e as situações favoráveis não se concretizaram. "E, para piorar, veio a pandemia, que atingiu o setor aéreo em cheio", explica, acrescentando os problemas do baixo crescimento do país, que não foram sanados.

"O aeroporto é o termômetro da economia. Ele, por si só, não gera viagem, não gera passageiro e não gera demanda. A conjuntura econômica é que atrai viagens de negócios e de turismo. Não adianta ter os melhores aeroportos do mundo se não há uma situação política e econômica favorável", explica.

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