MERCADOS

Falas de Lula ajudam Bolsa a cair e a operar o dia no vermelho

Após Lula mostrar que quer mudar a meta de inflação e ainda voltar a criticar os juros, mercado financeiro reage negativamente às sinalizações do presidente. Bolsa cai e fecha com queda de 0,15% e dólar sobe 0,16%

Rosana Hessel
postado em 06/04/2023 19:09 / atualizado em 06/04/2023 19:11
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a dar declarações que mexeram com o mercado. Em café da manhã com jornalistas, nesta quinta-feira (6/4), o presidente chegou a sinalizar que quer mudanças na meta de inflação e não poupou críticas ao atual patamar dos juros.

“Se a meta está errada, muda-se a meta”, afirmou Lula, aos jornalistas, em uma frase que deixou sinais de que o novo governo pode tentar interferir na autonomia do Banco Central (BC) aprovada pelo Congresso em 2021 e fez a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) operar no vermelho ao longo do dia.

“Essa taxa de juros é incompreensível para o desenvolvimento do país", ressaltou ele, dando uma declaração contrária ao que consta na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), publicada em 28 de março, indicando que a pressão inflacionária também é de demanda, como uma das razões para a manutenção da taxa básica da economia em 13,75% ao ano. “Não existe inflação de demanda no Brasil”, disse o chefe do Executivo, que vem dando indícios claros do incômodo em ter um BC independente.

As notícias sobre as declarações polêmicas de Lula fizeram a B3 – que estava dando sinais de recuperação no começo do pregão e chegou a ficar acima de 101 mil pontos, atingindo a máxima de 101.628 pontos – recuar para o piso de 100.444 pontos, na contramão das bolsas europeias que fecharam o dia no azul. Ao longo da tarde, houve uma redução no tombo do IBovespa, mas o indicador acabou fechando o dia com queda de 0,15% a 100.821 pontos.

As ações da Natura lideraram as perdas após a confirmação, na terça-feira (05/4), da venda da marca australiana de produtos para pele e cabelo Aesop para a gigante francesa L'Oréal por US$ 2,5 bilhões. Os papeis da companhia recuaram 5,49%. O volume de negociações somou R$ 16,8 bilhões. O dólar, por sua vez, abriu o pregão oscilando pouco, mas encerrou o dia com alta de 0,16%, cotado a R$ 5,058 para a venda. 

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos minimizou um pouco o impacto das falas de Lula na Bolsa, por se tratar de um dia tradicionalmente fraco para o mercado financeiro na véspera da Sexta-Feira Santa. “A Bolsa passou boa parte da manhã em queda já, acredito que uma postura defensiva antes do feriado e considerando que, amanhã, saem dados de desemprego nos Estados Unidos”, destacou.

De acordo com Cruz, o mercado já estava considerando aumento da meta de inflação de 2024 para 4%, na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) de junho. Mas, após as falas de Lula, Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos, considerou que o mais provável é que a meta de inflação do próximo ano suba para 4,5%. "Esse é o nosso cenário, porque é o patamar em que estava a meta nos dois primeiros mandatos de Lula. E ele até citou essa taxa como exemplo", destacou.

Megale alertou, contudo, para o fato de que com uma meta mais alta, o custo para que os juros caiam será maior e, infelizmente, a Selic deverá continuar em patamares elevados, terminando em 11% no fim de 2024, pelas estimativas da XP, que antecipou a queda da taxa para agosto em vez do início do próximo ano. Não à toa, as perspectivas de crescimento foram mantidas a 1%, tanto para 2023 quanto para 2024.

Metas de inflação

A composição do CMN, no novo governo, tem quatro integrantes: o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que não tem mais status de ministério por conta da autonomia aprovada pelo Congresso em 2021, mas o mesmo peso na votação; o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck.

A meta de inflação é fixada pelo CMN desde 1999, quando foi iniciado o regime de metas. Apenas em 2003, as metas foram ajustadas pelo Conselho em 8,5% para 2003 e de 5,5% para 2004. Entre 2005 e 2018, a meta permaneceu em 4,5%, com intervalo de tolerância de 2,5 pontos percentuais em 2025, e de 2,0 pontos percentuais de 2004 até 2016. Nos anos de 2017 e 2018, a meta continuou em 4,5%, mas o intervalo de tolerância foi reduzido para 1,5 ponto percentual. A partir de 2009, a meta se tornou descendente, partindo para 4,25% até chegar a 3,25% neste ano, e passando para 3%, em 2024 e em 2025.

Nas reuniões de junho, tradicionalmente, o CMN costuma reafirmar as metas de inflação do ano corrente e do seguinte e ainda anuncia a meta para o segundo ano seguinte.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, considera que uma proposta de ajuste na meta de inflação para cima na reunião de junho é apenas “uma possibilidade”. “O ministro Haddad será alertado que isso pode contaminar as expectativas de inflação para cima”, avisou.

Velho também reconheceu que as declarações de Lula ajudaram na queda da Bolsa. “Junto com isso ainda tem a incerteza do ajuste de preços dos combustíveis e maior intervencionismo, desta vez também na política monetária, o viés será mais negativo do que benéfico”. Ele não prevê queda na Selic na próxima reunião do Copom, em maio.

O economista da JF destacou ainda que quando Campos Neto elogia o arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, não significa que a nova regra fiscal repercutiu para reduzir as expectativas de inflação, e, “além disso, não significa menor taxa de juros em maio ou em junho”. “De forma concreta, ressaltou que o ritmo de crédito está razoável e o mercado de trabalho mais resiliente do que se imaginava. Parece que deu pistas que a inflação de serviços e o grau de persistência inflacionária não beneficiam flexibilização dos juros no Copom de maio”, afirmou.

Piora nas projeções

Vale lembrar que as projeções de inflação, como o BC alertou na última ata do Copom, estão desancoradas. No boletim Focus publicado pela autoridade monetária na segunda-feira (03/4), a previsão para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de 5,93% para 5,96% de uma semana para outra. Há quatro semanas, essa previsão era de 5,90%.

E, diante do cenário de que haverá aumento na gasolina com a perspectiva de aumento de impostos estaduais e também com a redução da produção pelo cartel da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), as instituições financeiras estão fazendo novas revisões para cima para as estimativas de inflação, pois, na semana, o barril do tipo Brent, negociado em Londres e utilizado como base para a política de preços da Petrobras, fechou com alta acumulada 6,5%.

Nesta quinta-feira, o Bradesco divulgou novas projeções para o IPCA de 5,9% para 6,2%. “Incorporamos a alteração na tributação dos estados sobre a gasolina e, assim, os preços administrados deverão ter alta de 10,5% em 2023. Apesar da desaceleração dos núcleos desde o pico no ano passado, mostrando eficácia da política monetária, há certa rigidez à baixa nesse curto prazo, especialmente em serviços, respondendo ao mercado de trabalho ainda resiliente e com aumento da renda ampliada”, destacou o diretor de Estudos e Pesquisas Econômicas do banco, Fernando Honorato Barbosa. Ele manteve em 1,5% as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), neste ano e no próximo. Além disso, prevê que a taxa Selic deverá encerrar o ano em 12,25% ao ano, passando para 10% anuais, no fim de 2024.

Pelas estimativas de Caio Megale, economista da XP, em 2023, devido às pressões inflacionárias e também à possível mudança na meta de inflação, o IPCA deverá fechar acima de 6% e, em 2024, acima de 5%, ambas taxas acima do teto das metas atuais, de 4,75% e de 4,50%, respectivamente.

 

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