OPINIÃO

Raul Velloso: Aportar ativos para o país voltar a crescer

"Quanto menos os governos, que são os principais atores nesse filme, investem em infraestrutura, menos o país cresce economicamente", afirma economista

"É bom lembrar que nossa taxa de longo prazo até não muito longe era estimada ao redor de 7% ao ano, e esse valor, passados cerca de 40 anos, parece ter desaparecido do mapa de discussões sobre o tema" - (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Correio Braziliense
postado em 05/09/2023 18:52 / atualizado em 05/09/2023 18:53

Chama a atenção do analista atento uma tendência fortemente declinante das taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) que se vê de 1980 para cá, em boa medida respondendo a idêntico movimento de queda da razão entre o investimento público em infraestrutura e o PIB, na presença de investimentos praticamente estagnados, em termos reais, do lado privado nessa mesma área há muito tempo. Assim, resultados que, às vezes, animam no curto prazo podem não significar uma evolução favorável duradoura, enquanto os fatores centrais de causação dos problemas estiverem presentes.

O ponto central é que o crescimento do PIB partia de praticamente 9% ao ano quando medido em termos de médias móveis anuais, desde o início dos anos 1980, para chegar a apenas 1% ao ano, no fim de 2022. Chocante, não é? É bom lembrar que nossa taxa de longo prazo até não muito longe era estimada ao redor de 7% ao ano, e esse valor, passados cerca de 40 anos, parece ter desaparecido do mapa de discussões sobre o tema.

Ou seja, quanto menos os governos, que são os principais atores nesse filme, investem em infraestrutura, menos o país cresce economicamente. Por outro lado, para os que desconhecem esse dado, os investimentos privados em infraestrutura estão oscilando ao redor de 1,1% desde meados dos anos 1980, o que mostra que há muito o que mudar na gestão econômica do país para eles se tornarem uma opção real e viável a curto prazo.

O fator que aparece com maior peso na explicação do que está por trás de toda essa complexa situação é a expansão desmedida dos gastos com previdência, especialmente a pública, em todas as esferas de governo.

Isso sem sombra de dúvida reflete a enorme transformação que ocorreu na estrutura do gasto da União, por exemplo, desde 1987 — um ano antes da última grande reforma constitucional —, em decorrência de mudanças relevantes nas prioridades da atuação do nosso setor público, que decidimos pôr em prática, conforme bem mostram os dados relativos à execução financeira da União. Aliás, no tocante a ela, se destaca exatamente o já citado e forte crescimento real dos gastos em previdência, que passaram de 19,2 para 51,8% do total, dali até 2021, contemplando os gastos tanto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como os da Previdência pública.

E quando se observam com lupa os dados dos gastos previdenciários de todas as esferas de governo em um período mais curto e recente, ganha grande destaque, em ordem decrescente, o maior crescimento real das despesas dos regimes próprios municipais em primeiro lugar, depois o dos estaduais e o da União, seguindo-se, finalmente, o do INSS.

Assim, no conjunto, e sem a adoção das medidas certas, os dirigentes foram simplesmente empurrados a promover a desabada dos investimentos públicos em infraestrutura, por ser o item mais flexível entre os mais relevantes do restante da pauta. Daí à derrocada do crescimento do PIB no mesmo diapasão foi só um passo. Nesses termos, enquanto isso perdurar, poder-se-á esperar tudo menos um desempenho robusto do PIB, ainda que aqui e ali apareçam resultados favoráveis, embora pouco duradouros.

Ou seja, embora isso seja pouco reconhecido, foi o predomínio de elevados déficits previdenciários na formação dos déficits primários totais nos últimos tempos (e a decorrente acumulação de gigantescos passivos atuariais nesse mesmo processo), que, visto de hoje e olhando para trás, explica o forte crescimento da dívida pública.

Assim, se olharmos para trás, o lado desfavorável dessa estória é que teremos chegado, em 2021, a uma dívida pública consolidada líquida (DCL) de R$ 5,7 trilhões, por sua vez decorrente, em boa medida, de deficits primários alimentados, sistematicamente, por deficits previdenciários expressivos. Já se olhássemos para a frente, veríamos algo hoje ainda menos percebido, que é um passivo.

Assim, se olharmos para trás, o lado desfavorável dessa estória é que teremos chegado, em 2021, a uma dívida pública consolidada líquida (DCL) de R$ 5,7 trilhões, por sua vez decorrente, em boa medida, de déficits primários alimentados, sistematicamente, por déficits previdenciários expressivos. Já se olhássemos para a frente, veríamos algo hoje ainda menos percebido, que é um passivo atuarial fortemente exigível (ou seja, que tem por trás a exigência de pagamentos mensais em dia aos aposentados e pensionistas especialmente dos regimes próprios de previdência), onde o valor presente dos déficits periódicos chega a algo da ordem de R$ 5,3 trilhões, que precisaria ser equacionado (isto é, zerado), para permitir uma gestão macroeconômica que faça mais sentido. (Com efeito, um processo de zeragem dos déficits atuariais cujos resultados apareçam desde logo no início do ajuste implicará uma redução mais rápida dos antigos déficits primários anuais e uma célere retomada dos investimentos).

Conforme especialistas da área sugerem, além de uma série de outras medidas de menor dimensão, e à parte mais reformas de regras, deveríamos aportar ativos em montante relevante à previdência pública. Penso, particularmente, no valor presente dos royalties do petróleo (algo ao redor de R$ 3,4 trilhões), além de outros ativos menos conhecidos como os recebíveis relacionados com a extensão da EC 103/19 a todos os entes que, na última hora, foram desobrigados pelo Congresso de aplicar as medidas de ajuste adotadas pela União, algo que, se aprovado agora por emenda como a ora proposta pela CNM, poderia chegar ao valor presente de R$ 0,4 trilhão em aporte adicional de recursos. Finalmente, cabe considerar a possibilidade de aportar também à previdência recebíveis como os relacionados com a chamada “dívida ativa”, algo que já se tentou fazer, mas até hoje não conseguiu funcionar a contento.

 

 

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