Rio de Janeiro — Na busca por alternativas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, a energia nuclear desponta como aposta de fonte estável para a descarbonização do planeta. Apesar de defendida como energia verde, ela ainda causa medo e desconfiança na população, principalmente por conta do histórico dos acidentes de Fukushima, no Japão, em 2011, e de Chernobil, na Ucrânia, em 1986.
Apesar da inconstância dos investimentos, o programa nuclear brasileiro resiste e tenta se apresentar como a solução para o esgotamento das fontes hídricas e a instabilidade da geração solar e eólica. Além da produção de energia, a Marinha do Brasil segue o seu esforço para o desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear, considerado pela Força como o meio absoluto de dissuasão das ameaças ao território nacional e proteção da Amazônia Azul, nome dado à zona de exploração econômica exclusiva (ZEE) do país no oceano.
Mas se os investimentos são modestos no Brasil, o restante do mundo vive uma nova corrida nuclear para a geração de energia. Na Conferência do Clima das Nações Unidas de 2023, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, 22 países anunciaram a meta de construir mais plantas nucleares e assim triplicar a geração desse tipo de energia até 2050, uma estratégia que mira a descarbonização para conter as mudanças climáticas.
Para o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, a corrida nuclear é evidente e o Brasil não pode ficar para trás. “Vivemos uma nova corrida nuclear, vários países que deixaram a energia estão voltando, apenas a Alemanha ainda resiste. Vivemos um momento de uma corrida nuclear, mas não pela bomba atômica, mas por energia, por novas usinas, por descarbonização”, destaca o representante setorial.
Existem, hoje, 440 reatores nucleares operacionais distribuídos em 32 países. Pelo menos mais 57 estão em construção. Outros 92 já estão planejados e devem ficar prontos em até 15 anos.
A China lidera a corrida. O gigante asiático tem, atualmente, 30 novas usinas em construção e mais 41 planejadas. Somadas aos 56 reatores em operação, o país deve se tornar o líder na utilização da tecnologia. Junto com a França, que tem o mesmo número de reatores, só perde para os Estados Unidos, que contabiliza 99 equipamentos em funcionamento. A Índia já constrói sete novos reatores com outros 12 planejados. Em seguida vem a Rússia, com quatro em obras e 14 planejados.
Com tantos projetos usando o urânio, o Brasil pode ter a oportunidade de participar desse mercado de bilhões de dólares. Levantamentos realizados em um terço do território apontam que o país está entre as oito maiores reservas do mineral. Especialistas acreditam que o Brasil pode alcançar o terceiro lugar desse ranking, mas faltam estudos atualizados que identifiquem a presença de urânio em todo o território nacional.
Reservas de urânio
Com essa potencialidade, o país pode se tornar um dos maiores fornecedores de energia do mundo. Essa é uma das apostas do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, que tem ressaltado a potencialidade das reservas nacionais, chamadas por especialistas de um novo “pré-sal nuclear”.
Mas, apesar do país deter todo o ciclo tecnológico, da extração do mineral, passando pelo enriquecimento e indo até a conversão em combustível, o programa nuclear vem cambaleante no último meio século. Iniciado durante os governos militares, tem sido marcado por incertezas com contingenciamentos e retomadas dos investimentos.
Sem a regularidade dos aportes, mesmo dominando o ciclo, o país ainda não desenvolveu a maturidade e a escala necessária para a produção no nível industrial. O investimento no enriquecimento do urânio é a única forma de capacitar o país a exportar o combustível nuclear e, assim, agregar valor ao produto, ao invés de seguir como simples exportador do mineral. A capacidade de produção, hoje, atende a apenas 20% do consumo das duas usinas brasileiras. O resto ainda é importado.
Cenário brasileiro
Em uma série de reportagens, o Correio vai jogar luz sobre o atual estágio do setor nuclear brasileiro. O jornal colheu relatos especialistas e percorreu as instalações nucleares do país. Um grupo relevante de cientistas, militares e profissionais de outras áreas trabalham para tornar o país uma potência nuclear, mas não atômica, já que o termo hoje é reservado para a bomba, objetivo rejeitado tanto por civis como por membros da caserna.
Durante a apuração, o Correio visitou a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAA), que abriga as duas únicas usinas brasileiras, Angra 1 e 2, uma estrutura que gera cerca de 1,9 gigawatts, mas que não chega ainda nem 2% do total gerado na matriz energética brasileira.
Em Resende (RJ), o jornal conheceu a estrutura da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que realiza a exploração das jazidas de urânio e faz o enriquecimento para fabricar o combustível que alimenta os reatores nucleares.
Em Itaguaí (RJ), na Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), empresa pública especializada em caldeiraria pesada, está localizada a única planta do subcontinente capaz de construir as gigantescas estruturas usadas na indústria nuclear. Criada para fabricar as peças das oito usinas previstas no plano nuclear brasileiro, elaborado na década de 1970, a unidade está subutilizada.
Ao lado da indústria está a base de submarinos da Marinha, onde o estaleiro que constrói os submarinos convencionais, parte do acordo com a França, já
desenvolve também o primeiro submarino com propulsão nuclear do hemisfério sul.
Em São Paulo, na cidade de Iperó, no Centro Tecnológico Nuclear da Marinha (Aramar), visitamos a base que desenvolve as super centrífugas, necessárias para o enriquecimento do urânio, e um dos segredos industriais mais bem guardados do país. A solução nacional é cobiçada por ser uma das mais eficientes do mundo. Lá também conhecemos o Labgene, onde está sendo construído o reator do submarino, dentro de uma réplica da embarcação que servirá para a validação do projeto e para o treinamento das tripulações.
A reportagem também conheceu os reatores de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) dentro da Universidade de São Paulo (USP). Essas instituições participam dos esforços para a produção de radiofármacos, fundamentais no tratamento de diversas enfermidades como câncer.
* O repórter e o fotógrafo viajaram a convite da Abdan
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