
No mesmo dia em que a China deu o troco ao tarifaço dos Estados Unidos, o dólar voltou a cair, nesta terça-feira (4/2), pelo 12º pregão consecutivo – a maior sequência de queda desde o início do Plano Real, em julho de 1994. Após recuar ao piso diário de R$ 5,757, a divisa norte-americana oscilou em torno de R$ 5,76 ao longo do dia e terminou cotada a R$ 5,772 para a venda, menor patamar desde 19 de novembro de 2024, com queda de 0,75%.
A retaliação chinesa ocorre no mesmo dia em que começou a valer a nova taxa de 10% sobre os produtos importados chineses. As tarifas chinesas entram em vigor na próxima segunda-feira (10/2) e incluem um imposto de 15% sobre carvão e gás natural liquefeito, e taxa de 10% sobre petróleo, máquinas agrícolas, caminhonetes e alguns carros de luxo.
Na véspera, Trump adiou em um mês a taxação em 25% sobre os produtos do México e do Canadá, que integram o Nafta, acordo de livre-comércio entre os países da América do Norte, após conversas com o republicano.
O governo chinês alegou que Washington violou as regras do comércio internacional, regidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), ao impor aumento unilateral de tarifas. O ministério do Comércio da China anunciou ainda que apresentará uma queixa à OMC para intervir a fim de "salvaguardar seus direitos e interesses legítimos".
Briga de titãs
Essa briga entre as duas maiores potências globais e os principais parceiros comerciais do Brasil ainda deve ter desdobramentos e ainda não está claro qual será o verdadeiro impacto no mercado brasileiro. Não à toa, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sinalizou cautela e tem evitado comentar o assunto.
Na avaliação de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), é recomendável que o governo brasileiro fique bem quieto, porque ainda não há nada concreto contra o Brasil. “A melhor atitude é acompanhar de perto os acontecimentos e a reação dos dois importantes parceiros comerciais do Brasil. É preciso muito cuidado com um e com outro para não perder as relações políticas e econômicas com cada um deles”, orientou.
Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, essa nova guerra comercial travada pelos Estados Unidos e seus principais parceiros comerciais, podendo se estender para União Europeia, é um jogo que só terá perdedores. “Vai ser difícil alguém ganhar nessa briga. Pontualmente, alguém pode ganhar, mas, nesse jogo, todos perdem”, resumiu. Castro engrossou o coro com Barbosa ao defender que o governo brasileiro fique bem quieto, a fim de evitar que qualquer atrito com os Estados Unidos, ou com a China.
“O saldo da balança comercial entre o Brasil e os EUA é superavitário para os norte-americanos. O Brasil sempre perdeu, historicamente, e quase empatou ano passado. E, se não fizermos o nosso dever de casa para diminuir o famoso custo logístico das nossas exportações, os produtos manufaturados brasileiros continuarão sendo pouco competitivos para os mercados norte-americano e europeu”, destacou. “O custo Brasil continua alto e não há condições de o país exportar para os EUA. Temos que torcer para conseguir exportar manufaturados para os vizinhos da América do Sul. As exportações atuais são entre matrizes e filiais, tanto dos EUA quanto da Europa”, explicou Castro.
O presidente da AEB ainda avaliou que Trump atirou sem olhar para as consequências das suas medidas, uma vez que ele mesmo estimulou que empresas norte-americanas fossem para o México para reduzir a dependência de importações de componentes chineses, dentro do conceito de “nearshore”, ou seja, trazer os parceiros comerciais mais próximos.
Riscos para investimentos
Na avaliação do especialista em comércio exterior, o dólar caiu novamente, mas não dá para ter certeza se haverá acomodação nesse novo patamar, abaixo de R$ 5,80. “O dólar caiu muito mas não é bom tirar proveito, porque Trump toma decisões por impulso e isso é muito ruim, porque estamos perdendo a previsibilidade. Para o Brasil isso é péssimo, porque não há nada definitivo nesse momento e tudo pode mudar a qualquer momento”, ressaltou Castro.
E, devido aos recuos de Trump em relação ao México e ao Canadá, mostra que o câmbio ainda apresentará muita volatilidade, na avaliação do especialista em relações internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados. “Cada semana vai ter algum anúncio desse tipo e vai ser um sobe e desce no câmbio e nas bolsas. Esse cenário é péssimo para os investimentos de médio e longos prazos, porque o aumento das incertezas afugenta os investidores”, alertou. Na avaliação dele, é bem provável que Trump busque algum acordo quando as taxas de inflação começarem a subir nos Estados Unidos devido ao aumento dos tributos sobre os produtos importados e da deportação de trabalhadores ilegais – que vai encarecer a mão de obra dos serviços em geral.
Especialistas ainda lembram que, o dólar tende a recuar diante da perspectiva de mais altas de juros nos próximos além de março, quando o Banco Central confirmou em ata, divulgada nesta terça-feira, que elevará a taxa básica da economia (Selic), de 13,25% para 14,25% ao ano. "Avaliamos que a sinalização implícita do Banco Central na ata é elevar os juros de forma gradual mas combinado com aumento do grau de utilização da política cambial de venda de divisas, pois ressalta a taxa de câmbio como 'determinante relevante' do atual quadro inflacionário", afirmou Eduardo Velho, economista-chefe da Equatorial Investimentos. Pelas projeções dele, a Selic poderá encerrar 2025 entre 15,75% e 16% anuais.
Benefício curto
Os especialistas reconheceram que o Brasil pode ser impactado positivamente com a taxação de produtos chineses pelos EUA e de produtos norte-americanos na China, porque ambos os países podem buscar mercados alternativos, mas isso poderá durar pouco tempo.
Vitor Agnello, analista educacional da CM Capital, acrescentou que alguns setores nacionais podem ficar mais competitivos e as ações de empresas desses segmentos podem registrar valorização na Bolsa. Ele citou como exemplos são as da Petrobras, por ser a principal empresa exportadora de petróleo do país, as da Embraer por exportar tecnologia em aviação e aviões, que é uma demanda grande chinesa e dos EUA, a Weg, que exporta muitas peças de veículos e motores, e as da Vale, por abrir uma possibilidade de negócio de metais fortes, que é uma demanda americana para o desenvolvimento de suas tecnologias. Contudo, Agnello ressaltou que, no momento, o câmbio abaixo de R$ 5,80, não tem nada a ver com as preocupações com o mercado doméstico. “Por enquanto, os discursos de Trump estão mexendo com o mercado e ainda não temos uma análise sólida para onde essa briga comercial vai. Não temos como prever o que é imprevisível”, disse.
Assim como o dólar, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) encerrou o dia de ontem em queda. O Índice Bovespa (IBovespa), principal indicador da B3, recuou 0,65%, para 125.147 pontos, enquanto as bolsas internacionais voltaram a subir. Em Nova York, o Índice Dow Jones encerrou com leve valorização, de 0,30%, e a Nasdaq, bolsa das empresas de tecnologia, avançou 1,35%. O índice pan-europeu Stoxx 600, por sua vez, fechou em alta de 0,26%.
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