
As trapalhadas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na condução da guerra tarifária têm feito um estrago na economia global, mexendo com os mercados de ações e de câmbio, dificultando o trabalho de economistas em prever os cenários à frente devido ao aumento das incertezas nos mercados. Apesar do adiamento por 90 dias da aplicação das tarifas de reciprocidade, anunciadas no último dia 2, os recentes recuos do republicano ainda são vistos com cautela.
O consenso entre os analistas é de que haverá um processo de desaceleração da atividade global e uma recessão não ainda está descartada. Mas ainda não está certo o tamanho do estrago, especialmente com a escalada do conflito entre os EUA e China. O governo chinês, que ampliou para 125% os impostos sobre produtos norte-americanos, pediu, ontem, que os EUA acabem com as tarifas recíprocas após um novo recuo da Casa Branca ao isentar produtos eletrônicos chineses.
E, no meio dessa confusão, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro pode desacelerar mais do que vinha desacelerando, como reflexo do aperto monetário iniciado em setembro do ano passado. Logo, esse baixo crescimento deve ajudar a desequilibrar ainda mais as contas públicas, que será o calcanhar de Aquiles do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste ano e no próximo.
Já de olho nas eleições gerais de 2026, analistas estão na expectativa de anúncios de novas medidas expansionistas pelo petista para aumentar o consumo, como aconteceu no ano passado e ajudou e muito no avanço de 3,4% no PIB. Com isso, o foco do mercado estará no aumento da dívida pública bruta, que será inevitável.
Conforme dados do Banco Central, a dívida pública bruta voltou a subir em fevereiro, chegando a 76,2% do PIB. Pela metodologia do Fundo Monetário Internacional (FMI), que inclui os títulos do Tesouro Nacional na carteira do BC, esse percentual chegou a 88,7% do PIB atingindo inéditos R$ 10,5 trilhões.
Esse dado é reflexo do fato de as contas do setor público consolidado retornarem para o vermelho em fevereiro, mesmo com as despesas mais restritas devido ao atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, que foi sancionada apenas na noite de quinta-feira, poucos dias antes do envio do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, previsto para ser enviado amanhã ao Congresso.
Eduardo Velho, economista-chefe da Equador Investimentos, destaca que, mesmo se a inflação der sinais de arrefecimento, por conta da desaceleração da atividade já contratada devido à taxa Selic elevada, dificilmente o Banco Central poderá antecipar uma queda dos juros em razão do quadro fiscal que seguirá desafiador.
"A tendência é de aumento da dívida pública bruta e isso vai reforçar o movimento de os investidores apostarem na desvalorização do real", frisa Velho, que prevê o dólar mais valorizado, acima de R$ 5,80 e mais perto de R$ 6 até o fim do ano, devendo anular os efeitos da desaceleração na inflação.
Ele ainda lembra que, apesar do saldo positivo das contas públicas de janeiro, a volta do deficit primário em fevereiro, antes de o Orçamento deste ano ter sido aprovado pelo Congresso, é um alerta de que o quadro fiscal vai piorar ao longo do ano,dificultando uma queda dos juros para um dígito a médio prazo. Atualmente, a taxa básica de juros (Selic) está em 14,25% ao ano e, como a inflação oficial roda acima do teto da meta, de 4,5%, as projeções do mercado para os juros no fim desde ano seguem em 15% anuais e acima de 10% até 2028.
O economista Alexandre Espírito Santo, da Way Investimentos, ressalta que o Brasil, mesmo tendo uma balança comercial deficitária com os EUA, não passará ao largo dessa guerra comercial. "Para evitar impactos maiores dessa crise, o país precisa conquistar a confiança dos investidores. E, para isso, teoricamente, é preciso fazer um ajuste fiscal, mas o atual ciclo político não ajuda, fora outros problemas do país que é essa polarização. Esse clima de fla-flu não ajuda", alerta.
Santo, recentemente, revisou de 2,2% para 1,8% a previsão do crescimento do PIB brasileiro deste ano, mas ainda não refez as projeções para a variação do PIB global, de 2,9%. Para ele, por conta dos impactos das incertezas ampliadas nos últimos dias, haverá uma desaceleração maior lá fora e, "provavelmente, o crescimento global será abaixo de 2,5%".
Rombo fiscal
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, também estima avanço de 1,8% no PIB deste ano, e reconhece que lembra que, dado que o o cenário fiscal já é conhecido e demandará alguma resposta de ajuste em 2027, não se deve esperar grandes modificações nessa questão nos próximos dois anos. Pelas estimativas dele, o rombo fiscal deste ano deve ficar na casa de 0,6% do PIB, e a dívida pública bruta em torno de 80% do PIB, uma vez que não estão previstas medidas relevantes de desajuste.
"A isenção do Imposto de Renda, a princípio, pode ser neutra do ponto de vista fiscal, caso os 141 mil contribuintes mais ricos que pagarão 10% de imposto não achem brechas. De qualquer maneira, depois do malfadado pacote fiscal de novembro de 2024, as notícias fiscais tendem a ser neutras, no sentido de já estarem na conta dos analistas", afirma.
Contudo, ele ressalta que a percepção de enfraquecimento do presidente Lula nas pesquisas de opinião anima o mercado a imaginar sua derrota ano que vem como um avanço para a pauta fiscal. Mas avalia que ainda é muito cedo para considerar a derrota de Lula. "O governo tem feito medidas que podem ajudar na imagem de Lula ano que vem e sua candidatura ainda é forte e a chance de vitoria ainda é maior do que a de derrota. Isso teria potencial para trazer turbulencia adicional, já que vai ser uma disputa agressiva, nos moldes do que vivenciamos desde 2014. Com isso, a chance de uma piora adicional na taxa de câmbio ainda está presente para 2026", acrescenta.
O economista José Francisco de Lima Gonçalves, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), reconhece que o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, "tende a examinar os efeitos defasados do ciclo de alta da Selic sobre a atividade em conjunto com o risco crescente de piora da atividade econômica global e local, inclusive os preços das commodities", mas os impactos da desaceleração sobre o equilíbrio fiscal também deverá pesar.
Perdas globais
Na avaliação dos analistas, a escalada da guerra tributária entre Estados Unidos e China não terá vencedores, apenas perdedores. Essas medidas protecionistas do republicano estão sendo vistas como equivocadas e como um verdadeiro tiro no pé. "A retaliação não só não compensa como descompensa e o que vemos nesse cenário é uma marcha da insensatez, porque a forma de negociação de Trump é não convencional e totalmente fora do contexto da diplomacia tradicional", reconhece o diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). "Nenhuma guerra tem ganhadores e até para os proponentes, sobretudo, é um jogo de riscos. Trump abriu a caixa de Pandora que não estava prevista", frisa.
A diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, divulgou uma nota afirmando que os efeitos macroeconômicos negativos dessa guerra tarifária "se estenderão às outras economias, especialmente as nações menos desenvolvidas". Pelas estimativas da entidade, uma divisão da economia global em dois blocos poderia levar a uma redução a longo prazo do PIB real global em quase 7%.
Saiba Mais
Vale lembrar que as novas taxas impostas por Trump são as maiores da história, aumentando também os riscos inflacionários na maior economia global, prejudicando o processo de queda de juros norte-americanos.
Não à toa, no último sábado, o governo Trump deu mais um recuo ante a taxação de 145% dos produtos chineses e anunciou isenção tarifária de produtos eletrônicos, como chips, computadores e smartphones. Uma das categorias recém-isentadas, os smartphones, somaram US$ 41 bilhões nas importações dos EUA em 2024, representando 81% de todas as importações desse produto.
O especialista em Relações Internacionais Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, também reconhece o aumento dos riscos para a economia global com o tarifaço anunciado por Trump, mas ele reconhece que recente o recuo do republicano vem surpreendendo até mesmo quem votou nele. Para ele, os motivos por trás do recuo de Trump ao adiar os efeitos por 90 dias para a grande maioria dos países afetados ainda não estão muito claros.
Ele reforça que o discurso de retomar a produção industrial nos EUA é algo economicamente inviável. "Essa verticalização é improvável. Não sei se o Trump acredita nisso, mas é uma estratégia que não sabemos o que está por trás. E o recuo recente dele está relacionado com a pressão interna, porque as medidas dependem de quanto os donos do dinheiro aguentam perder com essa volatilidade dos mercados, que têm saído dos modelos e isso custa muito alto", afirma.
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Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, destaca que a venda maciça de títulos do governo americano de longo prazo - as treasuries - nos últimos dias foi o principal motivo para o recuo do republicano, mas a medida trouxe um "alívio momentâneo" nos mercados norte-americanos. "Por vários motivos, isso não significa que os problemas acabaram. O primeiro deles é que a incerteza continua, e incerteza é pior que risco, porque risco se calcula e se precifica, enquanto incerteza é um risco que não tem preço. Portanto, do mesmo modo que a recuperação dos ativos da última quarta-feira pode ser um prenúncio de período de calmaria nos mercados, também pode ser apenas um tempo para pegar fôlego", afirma Leal.
Juros
De acordo com o CEO da BMJ, a tendência de juros elevados no Brasil continua, porque o Copom não vai olhar para o sobe e desce dos mercados da semana passada. "Falar que Trump salvou Lula é uma análise superficial e circunstancial e completamente fora de sentido, pois, em uma guerra tarifária, haverá mais perdedores", frisa Parente.
Sergio Vale, da MB Associados, em relatório aos clientes, destaca que as estimativas do Budget Lab, da Universidade Yale, sobre as consequências econômicas das tarifas são o empobrecimento da população norte-americana, uma vez que as taxas médias nos EUA devem chegar a 22%, números que não se viam desde a Grande Depressão. "Com todas as elevações que foram implementadas este ano, Trump fará com que o norte-americano de renda média perca US$ 3,8 mil de poder de compra, e a queda do PIB até 2026 pode chegar a quase 1,3%", escreve Vale.
Para ele, se houver retaliação de alguns países aos EUA, uma recessão mundial será inevitável. "Isso significa que o Brasil se aproximará cada vez mais da China nos próximos anos. A corrente de comércio, a soma das exportações e das importações, que já havia começado a subir no primeiro mandato de Trump, vai provavelmente acelerar ainda mais, pois hoje a corrente com os chineses e praticamente o dobro dos americanos", complementa.