
Organizações ligadas ao jornalismo defendem o aprofundamento da investigação conduzida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o Google por suposto abuso de posição dominante. O foco é a exibição de conteúdos jornalísticos nas plataformas da gigante da tecnologia sem a devida remuneração, prática observada em diversos países.
A investigação, aberta pelo Cade em 2018 e arquivada em 2024, foi reaberta em abril deste ano. Agora, o inquérito administrativo de nº 08700.003498/2019-03 será analisado em julgamento previsto para a próxima sessão ordinária do Tribunal Administrativo da autarquia, marcada para quarta-feira (28). Entidades do setor afirmam que o inquérito precisa evoluir para um processo formal, que permita maior aprofundamento das provas e responsabilizações.
A apuração mira o uso, pelo Google, de trechos de reportagens em produtos como o Google Search e o Google News sem remuneração aos veículos. A prática conhecida como scraping estaria prejudicando o ecossistema jornalístico ao reter tráfego nas plataformas e reduzir o acesso direto aos sites de notícias, afetando, assim, a publicidade digital. Além disso, há indícios de self-preferencing quando o Google privilegia seus próprios serviços nos resultados de busca.
Falta de transparência e prejuízos ao setor
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) sustenta que a baixa transparência das plataformas digitais exige uma investigação mais aprofundada. “É preciso produzir mais informações sobre os impactos das ferramentas de busca, especialmente quando se trata de um monopólio global como o Google”, afirma Bia Barbosa, coordenadora de incidência da RSF para a América Latina. Ela também aponta que a falta de dados públicos dificulta medir o impacto real dessas práticas sobre a imprensa nacional.
Outro ponto central é o mercado publicitário. Segundo a RSF, o Google exibe conteúdo patrocinado em suas páginas de resposta e concorre diretamente com os veículos jornalísticos pela atenção dos usuários. “Mesmo que não houvesse anúncios no Search, o Google competiria com os meios de comunicação por meio do AdSense, que coleta dados de navegação e direciona publicidade com base em preferências comportamentais”, destaca Bia.
Uso de inteligência artificial reforça debate
O uso crescente da inteligência artificial (IA) nas buscas também preocupa especialistas. “O Brasil sempre esteve à frente nas discussões sobre práticas anticompetitivas. Não faria sentido ignorar esse debate agora, quando se inicia a era da IA”, alerta Marcelo Rech, presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Bia Barbosa complementa: “As respostas produzidas pela IA retêm o tráfego que poderia ir para os veículos de imprensa”.
Liberdade de imprensa e concorrência
Outras entidades do setor jornalístico também se manifestaram. Flávio Lara Resende, presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), afirma que o Cade deve reconhecer a gravidade das condutas investigadas. “O favorecimento sistemático dos próprios serviços do Google compromete a livre concorrência e reduz a pluralidade de vozes no ambiente digital”, aponta.
Rafael Soriano, presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), defende o aprofundamento da análise como forma de proteger o mercado editorial brasileiro. Já Maia Fortes, diretora-executiva da Associação de Jornalismo Digital (Ajor), reforça a importância do julgamento. “É essencial que o Cade tenha acesso a dados qualificados sobre tráfego, ranqueamento e impacto do conteúdo jornalístico”, explica.
A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também endossou a necessidade de maior rigor na apuração, por meio de sua vice-presidente Regina Pimenta.
Cenário internacional
A atuação do Google no setor também vem sendo questionada por autoridades antitruste em diversas partes do mundo. Nos Estados Unidos, o Departamento de Justiça (DOJ) recomendou que a empresa se desfaça das plataformas de publicidade AdX e DFP, após decisão judicial apontar abuso de posição dominante. Segundo o DOJ, as medidas são essenciais para restaurar a concorrência no mercado de anúncios online.
O julgamento no Brasil, portanto, ocorre em um contexto global de questionamentos sobre o papel das plataformas digitais na sustentabilidade da imprensa e na livre concorrência nos meios digitais.
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula
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