
Depois de autorizar o governo a descontar parte dos pagamentos de precatórios (dívidas judiciais) na conta do arcabouço fiscal, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu sinal verde para o governo não contabilizar os valores que serão usados para ressarcir as vítimas das fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que devem começar a ocorrer a partir do dia 24 deste mês. A medida homologada pelo ministro Antonio Dias Toffoli pode até ajudar o governo a cumprir a meta fiscal a curto prazo, mas tende a piorar o quadro das contas públicas, neste ano e nos próximos, se houver escalonamento prolongado dos pagamentos, de acordo com especialistas.
Eles lembram que essa nova despesa, assim como os precatórios, vai impactar no aumento da dívida pública bruta, um dos termômetros da sustentabilidade das contas públicas monitorados pelo mercado financeiro que segue crescendo e em patamares preocupantes.
Neste ano, R$ 44,1 bilhões do pagamento de dívidas judiciais serão descontados do cálculo final, ajudando o governo a cumprir a meta fiscal, e, no ano que vem, a previsão é que esse valor passe para R$ 55,1 bilhões. Pelas estimativas do governo, o desembolso das vítimas do INSS deverá girar em torno de R$ 4 bilhões.
“Os valores dos pagamentos previstos para as vítimas do INSS não chegam a ser uma bomba fiscal, como os precatórios, que são muito maiores, sim. Contudo, ajudam a piorar o quadro fiscal que já não é bom, pois o governo segue buscando cumprir o piso da meta em vez de perseguir o centro dela”, destacou o especialista em contas públicas e consultor Murilo Viana, da GO Associados.
Viana reconheceu que a decisão do STF é favorável ao governo, porque ele enfrenta dificuldades para o cumprimento da meta fiscal em meio à confusão em torno da derrubada do decreto que aumentava o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Congresso, pois gerou um buraco adicional de R$ 10 bilhões nas receitas previstas do governo para este ano. O impasse entre Executivo e Legislativo em torno do tema foi parar no Supremo e está sendo analisado pelo ministro Alexandre de Moraes.
“O arcabouço fiscal tem duas pernas, o limite de crescimento de despesas de 2,5%, em termos reais (acima da inflação) e a banda de tolerância da meta fiscal, de 0,25 ponto percentual. Essa banda foi criada para suportar imprevistos, como algum grau de frustração de receita, ou de atividade econômica menor do que o esperado, mas o governo tem buscado sempre o limite inferior da meta, porque a dificuldade para o cumprimento da regra fiscal está cada vez maior”, alertou.
A meta fiscal deste ano é de deficit primário zero, com tolerância de um saldo negativo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), e, no próximo ano, passa para resultado primário negativo com limite inferior de rombo fiscal zerado. Especialistas acreditam que o governo não conseguirá cumprir a meta fiscal no próximo ano, por conta da expectativa de aumento de gastos em ano eleitoral.
A solução adotada pelo Supremo para esse novo gasto nas contas públicas era vista como inevitável pelos especialistas, já que é um consenso de que o governo segue com dificuldades para conseguir ampliar as receitas e, em meio ao impasse do IOF, o Congresso não deve ajudar o Executivo nessa seara. "Era algo esperado e, apesar da sinalização de que esse caminho não seria escolhido pela equipe econômica na época, acabou sendo a alternativa", destacou Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos.
Vale lembrar que esse buraco do INSS tende a aumentar, pois o valor previsto pelo governo para os reembolsos do INSS é inferior às estimativas dos desvios detectados pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (AGU) na Operação Sem Desconto, deflagrada em maio. As autoridades identificaram fraudes no órgão responsável pelo pagamento das aposentadorias e pensões, entre os anos de 2019 e 2024, de, pelo menos, R$ 6,3 bilhões. A CGU, inclusive, destacou em relatório que as fraudes são mais antigas do que esse prazo, podendo chegar até 2016.
Conforme dados do Banco Central, a Dívida Bruta do Governo Geral, que compreende o Governo Federal, o INSS e os governos estaduais e municipais, segue crescendo. Em maio, vançou 0,2 ponto percentual, na comparação com o mês anterior, para 76,1% do PIB, totalizando R$ 9,3 trilhões. Pela metodologia do Fundo Monetário Internacional (FMI), que inclui na conta os títulos públicos na carteira do BC e é utilizada na comparação com outros países, a relação dívida-PIB ficou em 88,4% do PIB.
Relatório recente da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, indica que o governo não conseguirá zerar o rombo fiscal até 2035, e, no cenário base, a dívida pública bruta deverá chegar a 100% do PIB em 2030, patamar insustentável para um país emergente com taxa de juros da economia (Selic) rodando em 15% ao ano.
Homologação de decisão
Na mesma decisão de quinta-feira, o ministro Dias Toffoli homologou o acordo que foi apresentado na véspera pela Advocacia-Geral da União (AGU) para que os pagamentos aos aposentados e pensionistas sejam realizados a partir de 24 de julho, em três lotes.
O ministro afirmou na decisão que deixar os recursos fora do arcabouço fiscal se justifica por dois motivos: o pagamento dos valores pela Fazenda já seria incluído em precatório em caso de responsabilização do Poder Público; e também porque a "providência está justificada nos postulados da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da confiança legítima nas instituições, os quais foram abalados com a supressão espúria de recursos de natureza alimentar do patrimônio de cidadãos brasileiros vulneráveis".
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, considerou "importante" a decisão do STF de excluir os gastos do ressarcimento do arcabouço. "Na verdade, foi um tratamento dado de igual forma ao de um precatório. Como os precatórios, a partir de um determinado limite, estão fora (do arcabouço)", disse Haddad, na quinta-feira, em evento no Rio de Janeiro.
Apesar de Haddad continuar afirmando em suas declarações que o governo pretende manter a meta fiscal de 2026, analistas do mercado consideram cada vez mais difícil que o governo conseguirá cumprir o objetivo proposto no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do próximo ano que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso.
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