Infraestrutura

Asfalto feito de plástico reciclado eleva sustentabilidade de rodovias

Nova série do Correio, "Caminhos de Plástico", mostra como uso de material reaproveitado visa reduzir custos das rodovias e incentivar a infraestrutura sustentável no Brasil. Dois casos no interior de São Paulo indicam que tecnologia pode ser a nova cara da pavimentação no país

Pavimento na SP-310, e Rio Claro-SP, com plástico reciclado  -  (crédito: Emerson Maciel/Stratura)
Pavimento na SP-310, e Rio Claro-SP, com plástico reciclado - (crédito: Emerson Maciel/Stratura)

Com a promessa de impulsionar a economia e a sustentabilidade na infraestrutura, o uso do plástico reciclado na produção de estradas é uma técnica promissora para o futuro das rodovias. Segundo levantamento recente publicado pela Universidade de Tsinghua, China, mais de 268 milhões de toneladas do material foram descartados no mundo em um ano, trazendo preocupação para o destino do planeta. A série do Correio, Caminhos de Plástico, mostra como a nova proposta pode reduzir os custos do setor, diminuir as emissões de gases de efeito estufa e o descarte irregular do lixo.

A universidade destaca que, de todo o plástico produzido a nível global, somente 9,5% é produzido a partir de material reciclado, ou seja, retorna ao mercado após ser consumido e descartado uma vez. Com base em dados de 2022, o estudo aponta que 268 milhões de toneladas de plástico foram descartadas no mundo aquele ano e 194 milhões de toneladas foram separadas irregularmente, poluindo mares, rios e diversos tipos de vegetação do planeta.

Os pesquisadores alertam que, nos últimos anos, a taxa de reciclagem global permaneceu estagnada e que a indústria ainda tem uma alta dependência de combustíveis fósseis. O mau desempenho pode comprometer esforços globais para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.

No Brasil, dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostram que a geração de resíduos plásticos nos centros urbanos chegou a 13,7 milhões de toneladas em 2022. Isso indica que, em média, cada pessoa do país foi responsável pelo descarte de 64 quilos do material por ano. Os números revelam que mais de 3 milhões de toneladas de resíduos sólidos tiveram como destino final o descarte em rios e mares.

Para reduzir o descarte de plástico, pesquisadores na Holanda desenvolveram o projeto Plastic Road. Eles conseguiram inaugurar, em setembro de 2018, a primeira ciclovia no mundo feita inteiramente de material reciclado triturado, na cidade de Zwolle, cerca de uma hora de Amsterdã. Segundo os fabricantes, o item pode ser pré-fabricado e montado em questão de dias, além de poder durar três vezes mais do que uma estrada normal.

De acordo com os idealizadores do projeto, a composição da via elimina o risco de rachaduras e buracos, além de reduzir a necessidade de manutenção. Por meio de um conjunto de tubos e cabos abaixo da camada superior, a estrutura permeável permite que a água escoe rapidamente, além de produzir poucos ruídos em relação a uma ciclovia feita com asfalto ou concreto.

Inaugurada em 2018, a ciclovia de Zwolle é o primeiro caso de construção feita inteiramente com plástico reciclado no mundo.
Inaugurada em 2018, a ciclovia de Zwolle é o primeiro caso de construção feita inteiramente com plástico reciclado no mundo. (foto: PlasticRoad)

Após implementar o projeto em outras cidades da Holanda, a iniciativa chegou ao fim há cerca de três anos. Procurada pelo Correio, a empresa Wavin — que liderava a ação juntamente com a KWS e a Total — afirmou que a demanda no mercado não foi o suficiente para manter a parceria. Apesar disso, o caso influenciou outras ciclovias em países, como o Reino Unido, a Índia, o México e, também, o Brasil.

Plástico reciclado em rodovias 03/08
Plástico reciclado em rodovias 03/08 (foto: Editoria de Arte CB)

Plástico e asfalto

Com dimensões continentais, o Brasil apostou no modal rodoviário, em meados do século passado, para ser o principal sistema de transporte de cargas do país, além de ser responsável pelo maior fluxo de passageiros todos os anos. Dados levantados pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), na Pesquisa CNT de Rodovias 2024, indicam que há mais de 1,7 milhão de km de malha rodoviária no país. No entanto, apenas 12,4% desse total (213,5 mil km) corresponde a estradas pavimentadas.

A pesquisa mostra que 24.766 km de rodovias no país se encontram em condições ruins ou péssimas, o que representa mais de 20% de todas as estradas pavimentadas analisadas pelo estudo. Além disso, o Brasil está bem distante de outros países com dimensões similares, como EUA e China, além de Rússia e Austrália, no quesito de densidade da malha rodoviária pavimentada. No país, há cerca de 25 km a cada mil km² de área, enquanto a Argentina, por exemplo, possui 42,3 km.

A partir de experiências internacionais, pesquisadores brasileiros começaram a desenvolver novas tecnologias para obter um pavimento de melhor qualidade e que apresentasse uma durabilidade maior do que o asfalto convencional. No interior de São Paulo, o projeto tornou-se realidade há três anos por meio de um experimento liderado pelos engenheiros Assis Villela e Robinson Ávila, da concessionária de rodovias Eixo SP, e pelo engenheiro químico Emerson Rodrigues Maciel, da Stratura Asfaltos.

Diferente do projeto desenvolvido na Holanda, em 2018, em que o pavimento era todo revestido de plástico reciclado e projetado apenas para o trânsito de bicicletas ou veículos leves, a técnica desenvolvida pelos brasileiros mistura o asfalto com uma proporção de plástico reciclado na composição final e o material é aprimorado para suportar cargas pesadas de caminhões e ônibus.

A tecnologia de incorporar plástico reciclado pós-consumo (PCR) na mistura asfáltica é vista como uma alternativa promissora para o setor de transporte. De acordo com os engenheiros, a ideia une duas vantagens: ao mesmo tempo em que promove uma destinação adequada dos resíduos plásticos, pode melhorar a qualidade dos pavimentos.

No início dos anos 2000, o Brasil começou a misturar borracha triturada de pneus na composição asfáltica. A técnica se mostrou eficiente e ganhou proporções maiores à medida em que os projetos foram se concretizando. Somente no estado de São Paulo, mais de 1,3 mil km de rodovias pavimentadas possuem material de borracha reciclada em sua composição.

Em um processo similar, o uso de plástico virgem começou a ser usado na pavimentação com asfalto em anos mais recentes. A técnica de utilizar o polímero nessa composição pode garantir maior durabilidade às rodovias, além de ser mais resistente a intempéries climáticas, como alagamentos e variações extremas de temperatura. A adição do asfalto modificado por polímeros (AMP) auxilia na prevenção da oxidação e da degradação da pista.

Experimento

Os profissionais da Eixo SP e da Stratura também testaram, pela primeira vez no país, o uso de plástico reciclado em uma rodovia. O trecho escolhido foi o km 171 da Rodovia Washington Luiz, ou SP-310, localizado no município de Rio Claro, a 173 km da capital paulista. Nesse caso, foi utilizado 1,5% de plástico reciclado na mistura asfáltica, o que representou 450 kg de material, ou aproximadamente 200 mil embalagens pós-consumo.

O engenheiro Robinson Ávila, um dos autores do projeto, conta que o material usado nesse tipo de aplicação é o polipropileno (PP) — que está presente em sacolas de supermercado e embalagens de margarina, sorvete e sacos de arroz e feijão.

"Nós conseguimos parcerias com algumas cooperativas de reciclagem, que fizeram em uma escala menor, para nós, a seleção do plástico. E aí ele não pode ter nenhuma impureza, tem que passar por uma moagem e por uma lavagem, para poder ter o plástico sem contaminação", explica.

O plástico reciclado é triturado antes de ser misturado ao asfalto.
O plástico reciclado é triturado antes de ser misturado ao asfalto. (foto: Emerson Maciel/Stratura)

Após ser triturado e queimado, o plástico reciclado passa por um processo de mistura com o asfalto e também é submetido a temperaturas extremas, para formar a junção dos dois materiais. De acordo com o engenheiro químico Emerson Maciel, a técnica de unir o plástico pós-consumo com o asfalto recebido das refinarias é chamada de "via-úmida".

"Os dois materiais são misturados em um tanque, com alguns aditivos a uma determinada temperatura para que se incorporem. Em um determinado tempo, ocorre o processo químico e é possível as amostras e começar a fazer todos os ensaios necessários para especificar o produto", detalha.

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Em seguida, o asfalto misturado com plástico é levado para uma usina, onde é misturado com pedra, antes de ser transportado por caminhões para fazer a aplicação do pavimento na estrada. O primeiro trecho de rodovia que utiliza plástico reciclado em sua composição foi inaugurado em julho de 2022. Com apenas 1 km e somente em uma faixa da pista, a obra obteve uma economia de 450 litros de petróleo poupados, além de redução de 1.360 kWh no consumo de energia elétrica e de 3.550 litros de água.

Dois anos depois, em julho de 2024, as empresas inauguraram um trecho nas mesmas proporções, no km 563 da Rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (SP-294), em Parapuã (foto abaixo), no oeste paulista. Dessa vez, eles decidiram quadruplicar a quantidade de plástico reciclado na mistura, utilizando 1.800 quilos de produto reutilizável na composição. Além disso, foi utilizado 25% de asfalto reaproveitado, ou RAP (Reclaimed Asphalt Pavement, em inglês). 

Segundo experimento com plástico reciclado em rodovias no país ocorreu em 2024, no município de Parapuã-SP
Segundo experimento com plástico reciclado em rodovias no país ocorreu em 2024, no município de Parapuã-SP (foto: Emerson Maciel/Stratura)

Na avaliação do engenheiro Robinson Ávila, representante da concessionária que levou à frente o projeto, o desempenho das pistas é satisfatório. "Sabemos que o asfalto com polímero tem uma durabilidade muito maior do que o asfalto sem polímero. Então, o que estamos vendo agora é que esse asfalto com polímero reciclado vai dar o desempenho de um bom asfalto com polímero", ressalta.

Para Emerson Maciel, a demanda principal do projeto era testar uma nova tecnologia que fosse sustentável, a partir da prática da economia circular. "Uma vez produzido esse plástico ou sendo utilizado, qual o destino que ele poderia ter ao final, que não fosse o lixão, ou no próprio meio ambiente? Então, essa foi a ideia e, principalmente, a questão de apelo social, de um produto que ainda dá para usar dentro da cadeia produtiva e trazer inúmeros benefícios, como um todo", afirma o engenheiro.

A ideia de promover o uso do plástico pós-consumo em rodovias do Brasil foi testada na prática e, até o momento, é considerada um sucesso a ser aprimorado nos próximos anos. Os idealizadores do projeto e especialistas no setor de transporte rodoviário, no entanto, ainda manifestam cautela em relação a novos investimentos. Na próxima reportagem da série Caminhos de Plástico, analistas e representantes do setor público abordam os prós e contras dessa técnica e discutem a viabilidade econômica destes projetos e outras perspectivas da área.


  • Plástico reciclado em rodovias 03/08
    Plástico reciclado em rodovias 03/08 Foto: Editoria de Arte CB
  • Pavimento na SP-310, e Rio Claro-SP, com plástico reciclado
    Pavimento na SP-310, e Rio Claro-SP, com plástico reciclado Foto: Emerson Maciel/Stratura
  • Segundo experimento com plástico reciclado em rodovias no país ocorreu em 2024, no município de Parapuã-SP
    Segundo experimento com plástico reciclado em rodovias no país ocorreu em 2024, no município de Parapuã-SP Foto: Emerson Maciel/Stratura
  • Inaugurada em 2018, a ciclovia de Zwolle é o primeiro caso de construção feita inteiramente com plástico reciclado no mundo.
    Inaugurada em 2018, a ciclovia de Zwolle é o primeiro caso de construção feita inteiramente com plástico reciclado no mundo. Foto: PlasticRoad
  • O plástico reciclado é triturado antes de ser misturado ao asfalto.
    O plástico reciclado é triturado antes de ser misturado ao asfalto. Foto: Emerson Maciel/Stratura
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postado em 03/08/2025 04:00 / atualizado em 04/08/2025 14:19
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