
De janeiro a julho deste ano, o Brasil exportou o equivalente a US$ 1,3 bilhão em café não torrado, ou verde, para os Estados Unidos. Foi, de longe, o produto agrícola mais vendido para o país norte-americano nesse período. Em um mercado que consome cerca de 25 milhões de sacas de café por ano, o produto brasileiro respondeu por 8,1 milhões em 2024, o que representa cerca de 30% de todo o consumo. Ainda assim, o café ficou de fora da lista de produtos isentos da tarifa de 50% aplicada às importações vindas do Brasil pelos EUA. Para o diretor-geral do Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Marcos Matos, que concedeu entrevista exclusiva ao Correio, a resolução para o problema específico do produto pode vir por meio de negociações diretas do setor com os norte-americanos, sem a necessidade de passar pelo governo federal, já que a política tem sido um entrave. Nesta semana, a entidade terá uma reunião com o Departamento de Estado dos EUA, chefiado por Marco Rubio, para tentar um acordo de inclusão do café nas exceções ao tarifaço. Sobre o encontro, o representante da Cecafé demonstra confiança na solução do conflito. Confira a entrevista na íntegra:
Como a Cecafé avalia o plano Brasil Soberano?
Os EUA são o maior importador de cafés do Brasil, representam cerca de 16% das nossas exportações. Quando consideramos os cafés verdes beneficiados, os cafés industrializados, como o solúvel, a gente exportou para os Estados Unidos, em 2024, US$ 2 bilhões, 8,1 milhões de sacas de cafés. Colocado tudo isso, toda medida de socorro é emergencial e mitiga impactos. Porque, em primeira instância, a negociação bilateral, a busca por colocar o café na lista de exceção é a estratégia central, e não podemos deixar que isso se perca ao longo das discussões políticas. Então, a agenda econômica, o senso de urgência, isso deve ser constante nas agendas.
O programa contém um projeto de lei complementar, que amplia o Reintegra, com benefícios tributários. Isso vai ser positivo para o setor?
O Reintegra é um sistema em que as empresas recebem os resíduos tributários e foi ali projetado de 3% para empresas maiores e de 6% para empresas menores. Contudo, o Reintegra, pelo decreto em que ele foi instituído, contempla apenas os cafés industrializados, o café solúvel, o café torrado e moído. Só que 90% do que o Brasil exporta para os EUA são cafés verdes beneficiados. Esses cafés verdes não fazem parte do Reintegra. Então, 90% dos US$ 2 bilhões estão fora do Reintegra. Vai ser preciso achar uma forma emergencial para que os cafés verdes sejam englobados nessa ação que ajuda as empresas, porque os contratos estão sendo postergados, os contratos estão sendo rediscutidos. E este momento era para estar fazendo o auge das vendas, porque a gente acabou de colher a nossa safra 25.
Ainda há a questão sobre o Adiantamento dos Contratos de Câmbio (ACCs), que representa a antecipação de recebíveis sobre exportações futuras de uma empresa e não foi mencionada no texto da MP. A entidade acredita que isso deve ser discutido?
Toda exportação é amparada por uma estruturação financeira. Então, quando você tem problemas entre as partes, e isso pode acontecer em casos mais extremos, quando o contrato não é executado, o que acontece? Isso vira uma dívida em reais com juros altos para o exportador. A gente precisa transformar isso em dívidas de longo prazo com juros mais baixos. Isso foi apresentado pelo setor privado, e a gente ainda não viu apresentado pelo poder público.
Qual o tamanho do café brasileiro para o mercado norte-americano neste momento?
Segundo a National Coffee Association (NCA), cada dólar que os EUA importam de café — majoritariamente cafés verdes — agrega US$ 43 na economia. São 2,2 milhões de empregos, US$ 343 bilhões, aí eles consideram tudo, uma cafeteria, as grandes marcas nas redes de supermercados, a logística, o trade, tudo que você imagina, o custo para você manter essas indústrias, as cafeterias. Então, tudo que gira em torno do café nos EUA, eles detectaram que 1,2% do PIB norte-americano se deve ao café. É o maior mercado nosso de exportação.
Alguns setores que não foram incluídos na lista de exceção reclamaram que houve priorização para determinados segmentos por parte do governo brasileiro. A entidade acredita nisso?
Essa discussão a gente tem a todo momento, porque alguns produtos entraram e outros, não. É claro que são setores diferentes. Os setores que entraram, os grandes, têm investimentos hoje nos EUA, são indústrias brasileiras investindo em parques industriais nos EUA; é o caso dos aviões da Embraer, o caso do suco de laranja, com terminais e investimentos. E, no caso da laranja, 70% vêm do Brasil. Então, a gente também tem que olhar que o café — nós somos 32% — somos muito importantes, mas existem outros, na visão de alguém que não conhece o mercado de café, porque mesmo sendo 32%, a gente é muito importante, principalmente agora que os níveis de estoques no mundo estão muito baixos.
E por que vocês acreditam que o café não entrou nessa lista?
Conversando com os nossos parceiros, parecia ser necessário manter produtos importantes fora, para que as negociações acontecessem. Existe uma necessidade de negociar ali, existe uma relação bilateral. E no caso do café, nas reuniões anteriores, a publicação da lista, os nossos parceiros já tinham comentado que o secretário de Comércio (dos EUA), (Howard) Lutnick falou na reunião que, no caso do café — não vou entrar aqui no mérito das carnes, que são um outro setor —, como os nossos concorrentes já tinham passado por negociação, o Vietnã tinha sido taxado por 46% e caiu para 20%. Indonésia, 32%, e caiu para 19%. Nicarágua, 18%. A Colômbia é um caso à parte, que está com 10%, mas eles têm um acordo comercial, tem o Pacto andino, têm outras questões. Então, os nossos concorrentes já estão no processo de bilateral, e por que o Brasil não vai realizar? Então, no caso, a lista de exceção é totalmente factível, existe essa compreensão de que pode impactar demais o consumidor americano, eles sabem disso.
Acredita, então, que essa discussão está obstruída neste momento?
No caso brasileiro, o café precisa passar por uma negociação bilateral. E é justamente o obstáculo que a gente vê à frente, porque a gente tem momentos em que a política entre os dois países fica em uma tensão mais alta, que é o que aconteceu agora. Reuniões que eram para acontecer foram canceladas e a gente fica em uma situação de incerteza. E para o mercado funcionar bem, a gente precisa da previsibilidade, que é tudo que nós não temos neste momento. Por isso, essa conversa nossa é tão importante, por isso que as medidas mitigadoras são tão importantes e o café verde tem que estar contemplado.
Há um canal bom de comunicação com o governo neste momento para tentar reverter essa inclusão do café no tarifaço?
O nosso diálogo com o governo federal é o melhor possível. Tanto nosso quanto das demais cadeias. Foram duas reuniões com o vice-presidente Geraldo Alckmin, dia 15 de julho, e depois, dia 4 de agosto. Os contratos são permanentes, a todo momento municiando de informações e buscando o senso de urgência e a pauta econômica. A questão é a abertura de diálogo do governo brasileiro com o governo norte-americano. Essa é uma questão muito importante. Inclusive, foi noticiado que um parlamentar democrata que busca propor um projeto de lei para isentar os cafés dos tarifaços. Ele cita Brasil, Colômbia, Vietnã e Indonésia.
O Cecafé vai se reunir com o departamento de Estado dos EUA, no próximo dia 22 de agosto. O que esperar desse encontro?
A gente vai buscar essa isenção, esse tratamento, porque o interesse é muito forte de ambas as partes. Veja o impacto dos preços dos alimentos na inflação. No caso do café, ele é muito impactado e os consumidores já perceberam isso, já começaram a ter reações fortes. Mesmo o tarifaço começando dia 6 de agosto, o que estava em trânsito até 6 de agosto tem até 5 de outubro para chegar. Mas apesar disso, já foi uma sinalização para o mercado e as bolsas estão subindo. Então veja que isso já é uma realidade para o consumidor norte-americano. Então nós temos um forte argumento econômico e a gente vai tentar explorar isso.
E como está o contato com a National Coffee Association? Eles estão abertos para contribuir para a inclusão do café brasileiros na lista de isenções?
Eles têm um trabalho muito interessante do ponto de vista de mostrar para o consumidor os impactos na inflação, no consumo e impactos econômicos. Eles tomam muito cuidado na forma de se relacionar e nas matérias na mídia, por conta de interpretação de enfrentamento, que nessa hora seria muito ruim para todos fechar as portas. Então eles estão influenciando pessoas que são formadores de opinião para falar sobre. Atualizaram os estudos econômicos e isso eles mantêm reuniões diretamente com secretariados, Tesouro, comércio de estado, a própria Casa Branca. Então eles mantêm um diálogo. O dado econômico, a importância econômica para o consumidor, a questão econômica, que é realmente muito importante para os dois países, é a grande argumentação colocada e isso é de conhecimento nos secretariados.
Mas ainda há a questão política nessa história.
Esse problema político está bloqueando o início de uma negociação que beneficiaria nosso setor diretamente pela lógica que já todo mundo sabe. Então, da parte deles, e o diagnóstico deles é de que, o conhecimento está lá, os assuntos estão na mesa, mas a questão política bloqueia. Então, todas as reuniões que foram canceladas, essas notícias da mídia, essas argumentações mais agressivas, tudo isso nos impacta diretamente, atrasa a negociação, fecha canais, nos prejudica e a gente está tentando achar uma forma de que as questões políticas sejam desconsideradas ou debatidas em outra instância e a pauta econômica possa avançar com senso de urgência. Então esse é o nosso grande desafio e, hoje, com um viés de imprevisibilidade.
Nas reuniões com o vice-presidente, houve uma menção mais forte sobre redirecionar as exportações para outros países?
A gente viu, por exemplo, a China em 2025, de janeiro a julho, que importou quase 580 mil sacas do Brasil, na 11ª posição no ranking. Então, é bem provável que esse ano a gente também tenha uma exportação mais alta. Mas o consumo interno nos Estados Unidos é de 25,5 milhões, e o consumo interno na China é de pouco mais de 5 milhões de sacas. Os EUA são cinco vezes o tamanho da China nesse aspecto. Então não há a menor hipótese da gente redirecionar. A gente tem que negociar, achar um senso de urgência, porque é de interesse de ambas as partes. Então, tem uma sinergia de interesses, 76% da população americana toma café. O mercado a gente abre, estrutura e, tendo disponibilidade de café, a gente vai aumentar as exportações para os Estados Unidos e outros países.
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