
O Brasil tem mais de 100 milhões de hectares de áreas degradadas que poderiam ser recuperadas. Segundo levantamentos recentes da WWF e WRI, a restauração florestal tem potencial de movimentar até US$ 30 bilhões por ano e gerar 2,5 milhões de empregos diretos no país, em cadeias que unem preservação ambiental, inovação produtiva e desenvolvimento social. Para Thais Ferraz, bióloga diretora programática do Instituto Clima e Sociedade (iCS), trata-se de uma oportunidade única de combinar combate à crise climática com geração de renda em larga escala.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Em conversa com o Correio, durante a Rio Climate Action Week, Ferraz detalhou como a restauração pode se tornar motor da bioeconomia brasileira. Confira os principais trechos da entrevista.
O reflorestamento tem potencial de movimentar até US$ 30 bilhões ao ano, segundo levantamento da WWF. Que números ajudam a ilustrar essa relevância?
Esse levantamento fala da cadeia da sociobioeconomia e aponta que a restauração pode movimentar até 30 bilhões de dólares por ano. Já um estudo do WRI estima a geração de 2,5 milhões de empregos diretamente relacionados à restauração. Esses dados mostram o potencial de movimentação econômica e relevância dessa cadeia, porque hoje ainda estamos mais no campo do potencial do que da realidade. O Brasil tem uma situação única, com mais de 100 milhões de hectares degradados. A restauração pode ser tanto ecológica, que se alinha às metas climáticas globais e gera sequestro de carbono e créditos comercializáveis, quanto produtiva, em maior escala ou em sistemas agroflorestais, muito adequados para a agricultura familiar. Em um estudo avaliando 27 milhões de hectares potencialmente degradados, vimos que 66% dessas áreas pertencem a pequenos e médios produtores. É uma agenda com potencial enorme para diferentes escalas de produtores, com impacto social, ambiental e econômico.
Quais são os principais obstáculos para expandir esse mercado no Brasil?
A questão fundiária é um legado bastante relevante. O fato de existirem políticas públicas que já assumem essas metas é um avanço, mas ainda é preciso muito esforço de implementação. A análise do Cadastro Ambiental Rural, por exemplo, é fundamental para a aplicação do Código Florestal e precisa ser acelerada. Outro ponto é o acesso ao financiamento. Esses negócios ainda são muito novos, com projetos de longo prazo, então precisam de apoio. Diferentemente de um produtor de soja, por exemplo, que já tem um retorno conhecido, a restauração ainda carece de casos concretos. Quanto mais exemplos bem-sucedidos tivermos, mais fácil será atrair recursos.
E como engajar os pequenos produtores nesse processo, considerando que muitos ainda desmatam?
Para a agricultura familiar, os sistemas agroflorestais são muito adequados, porque estão mais em harmonia com o meio ambiente. O desafio é fazer com que o crédito e a assistência técnica cheguem a esses produtores, priorizando práticas sustentáveis. Hoje, há um gargalo enorme, tanto em crédito quanto em assistência. Na profissionalização, também surgem novas ocupações. O estudo que mencionei, dos 2,5 milhões de empregos, mostra que muitos deles exigem maior qualificação.
O Brasil chega à COP com metas climáticas ambiciosas. Como mostrar resultados concretos e, ao mesmo tempo, garantir que não fique apenas na vitrine?
A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira traz de forma clara a relevância da agenda de restauração, tanto ecológica quanto produtiva, em diferentes escalas, grandes e pequenos produtores. Um grande exemplo é a ênfase dada na agenda de ação, paralela à negociação oficial, em que diversos setores assumem compromissos. A restauração é prioridade dentro dessa agenda. O Brasil tem políticas públicas estruturadas, como linhas de financiamento do BNDES. A COP é uma vitrine, mas também um momento de mostrar que existem exemplos concretos em andamento e condições reais para escalar.
Você mencionou o Nature Investment Lab (NIL). Pode detalhar?
O NIL nasceu no final de 2023, após uma reunião com atores do setor financeiro, público e privado, para identificar gargalos comuns e construir soluções pré-competitivas. Ele reúne instituições financeiras, empresas e organizações sem fins lucrativos, com o objetivo de avançar em barreiras regulatórias e mecanismos para destravar recursos. Um exemplo foi a parceria com o EcoInvest, um fundo blended do governo que alavanca recursos privados. Nós ajudamos a detalhar os critérios técnicos para soluções baseadas na natureza. Outro foi o edital ProFloresta, do BNDES, que contratou hectares de restauração com critérios exigentes e valores altos, ajudando a padronizar contratos e fortalecer a reputação internacional do setor.
E quanto ao pagamento por serviços ambientais? Há uma grande dúvida de onde virá essa remuneração…
Essa é uma pauta urgente. As florestas precisam remunerar quem vive nelas. O fundo TFFF (Tropical Forest Forever Facility — Fundo Florestas Tropicais para Sempre), que deve ser apresentado na COP, tem esse objetivo: financiar a conservação e remunerar serviços ambientais. O Brasil tem uma legislação ambiental robusta, mas é preciso garantir que ela seja cumprida. Ao mesmo tempo, é fundamental gerar renda para as populações da floresta. A sociobiodiversidade se apresenta como uma solução, e o pagamento por serviços ambientais é essencial nesse contexto.
Economia
Economia
Economia
Economia
Economia
Economia