Os líderes das duas maiores economias globais devem se reunir nesta semana em um encontro bilateral na Coreia do Sul. A reunião entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e Xi Jinping, da China, marcada para quinta-feira, pode indicar um avanço ou concretização de um novo acordo comercial entre as duas nações — que tiveram as relações estremecidas novamente, após quase cinco meses de trégua no tarifaço.
Nesse contexto, o fim das restrições à compra de soja norte-americana no país asiático deve ser uma das condições apresentadas por Trump para avançar em um acordo. O republicano afirmou que os EUA exigirão ações da parte de Pequim nesse processo e mencionou a retomada das importações do produto, solicitando que os níveis retomem "pelo menos" aos patamares anteriores à sobretaxação.
Em abril, a China impôs uma tarifa de 20% sobre a importação da soja dos Estados Unidos. No mês seguinte, a comercialização desse produto foi suspensa no país asiático. Em setembro, que marca o início da colheita do grão na América do Norte, nenhum navio com o produto embarcou para o território chinês. Além disso, um relatório publicado no começo do mês por uma das principais entidades agrícolas dos EUA aponta que o volume para o mercado chinês entre janeiro e agosto deste ano recuou quase 78% em relação ao mesmo período de 2024.
A China é o maior exportador de soja no mundo. Usado amplamente na fabricação do óleo de cozinha e em rações para animais, a semente é a base para um dos alimentos mais tradicionais da cultura chinesa: o tofu. O país também recebe de fora. O Brasil é o principal vendedor do produto para os chineses, seguido justamente pelos Estados Unidos.
Com as retaliações a Trump, os brasileiros foram beneficiados, como mostram os dados publicados pelo governo federal. De janeiro a setembro deste ano, as exportações de soja do Brasil para a China cresceram 1,9%. Apesar de parecer modesto, em termos nominais isso representa um avanço de mais de meio bilhão de reais em relação ao mesmo período do ano passado.
A participação da China na exportação do produto avançou para 77,6% nos nove meses analisados, ao passo que, apenas em setembro, essa parcela chegou a 92,3% e bateu o recorde da série histórica para o mês, em termos nominais, com a venda de US$ 2,9 bilhões.
Expectativas
Donald Trump se encontra com Xi Jinping após ter agenda com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião dos países do sudeste asiático, na Malásia. O clima positivo entre Brasil e EUA pode contribuir com a pauta exportadora no agronegócio. Apesar disso, é necessário observar como vai se dar o avanço das conversas entre os dois países, visto que, como disse o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, os Estados Unidos esperam que os brasileiros priorizem o comércio com Washington.
O presidente da Associação de Produtores de Soja do Brasil - Mato Grosso (Aprosoja-MT), Lucas Costa Beber, ressalta que, por não haver as negociações da soja norte-americana, os preços na Bolsa de Chicago, onde o produto é listado, estão travados. "No Brasil, os preços têm se mantido um pouco mais elevados devido, justamente, à elevação dos prêmios da soja, já que não há negociação dos Estados Unidos, a soja brasileira descola de Chicago e acaba valorizando", destaca.
Mesmo assim, na semana dos dias 12 a 18 de setembro, a soja valorizou aproximadamente 2,5% nos EUA. O presidente da Aprosoja-MT acredita que, se houver um breve acordo já nesta próxima reunião, é possível que os preços em Chicago voltem a subir e, consequentemente, o ritmo das exportações brasileiras também diminua.
"Pensando a longo prazo, se não houver um acordo, quanto mais demora, o produtor norte-americano já começa a planejar o plantio da safra do ano que vem e há uma tendência de redução de tamanho de área", analista Beber. "Consecutivamente, há uma diminuição da oferta da soja norte-americana para as próximas safras, o que pode ser uma grande oportunidade para a soja brasileira, como aconteceu na primeira guerra comercial Estados Unidos e China, iniciada no ano de 2019", acrescenta.
A elevação de tarifas sobre produtos agrícolas dos EUA por parte da China gerou descontentamento de diversos setores produtivos com a administração Trump, que no último dia 23 respondeu às insatisfações com a reabertura de 2,1 mil escritórios do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em todo o país. A medida também tem o objetivo de ajudar os produtores a acessarem um crédito de US$ 3 bilhões liberado pelo governo.
Impacto
Na avaliação do especialista em finanças Marcos Sarmento, do Ibmec Brasília, a nova medida da administração Trump é consequência da pressão política desse e de outros setores da economia com as perdas financeiras que estão sofrendo com o tarifaço. Ele também acredita que o encontro dos líderes das duas maiores economias do mundo pode iniciar um diálogo para encontrar meios de evitar um enfraquecimento do comércio bilateral, o que afeta diretamente os dois países e, indiretamente, outras economias.
"Em geral, a integração comercial entre países beneficia a todos. Alguns possuem maior capacidade para produzir determinados bens que outros. Faz mais sentido continuar produzindo o que se tem vantagem competitiva do que assumir custos elevados para produzir artigos os quais não possuem a mesma condição", destaca Sarmento.
Sobre os benefícios para o Brasil, caso as restrições sobre a soja norte-americana permaneçam, o CEO da Inteligência Comercial, Luciano Bravo, acredita que esse cenário seria passageiro e depende da capacidade de o Brasil aumentar a quantidade de oferta disponível para a soja brasileira em relação à China. O especialista ainda ressaltou que esse mercado vem crescendo, mas enfrenta problemas de produção e logística deste produto.
"Se a tarifa permanecer, com certeza esse benefício para a soja brasileira irá continuar. Porém, não será um impacto grande porque o Brasil também enfrenta dificuldade de atender a demandas crescentes, como temos hoje, inclusive, em outros produtos das commodities brasileiras", avalia.
A aproximação da China em detrimento de uma queda da influência norte-americana na pauta exportadora brasileira poderia gerar riscos no médio e longo prazo, na avaliação do advogado Lando Bottosso, especialista em direito agrário e financeiro. "Um alinhamento excessivo com a China pode obstar futuras parcerias comerciais, limitar a margem de negociação com potências ocidentais e reduzir a capacidade do Brasil de atuar com independência em fóruns multilaterais", aponta.
