
No terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve ser bem menor no último ano do ciclo, se comparado ao segundo mandato do petista. Ao que indicam as projeções mais recentes, a economia brasileira deve crescer abaixo dos 2% em 2026, o que, se for confirmado, é o pior resultado do governo 'Lula 3' e muito aquém do forte avanço de 7,5% em 2010, quando o atual chefe do Executivo deixou o Planalto para dar lugar à sucessora Dilma Rousseff, no ano seguinte.
Os motivos para o retrocesso da atividade econômica, no entanto, vão muito além da situação do Executivo, na visão de especialistas ouvidos pelo Correio. Segundo eles, a dificuldade fiscal do governo tem relação direta com um problema crônico nos setores da indústria e de serviços nacionais: o baixo investimento.
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Na avaliação do superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcio Guerra, o país passa pelo que ele chama de um "ciclo não contínuo de investimentos". "O Brasil não consegue desde 2019 manter os investimentos constantes por longo período, de forma consistente", afirma. Um relatório elaborado pela própria entidade projeta uma taxa de crescimento do investimento — também chamada de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — no país em 3,7% em 2025 e de apenas 0,6% no ano seguinte.
"A gente tem alternado entre elevações e quedas de investimento e essa falta de continuidade para um país que precisa se desenvolver e que tem dimensões continentais é bastante preocupante", acrescenta Guerra, que também destaca o cenário de juros altos como entrave para o estímulo de FBCF: "Se o país passa muito tempo sem ter continuamente que investir nessas infraestruturas ou na capacidade de ampliação da sua capacidade de produção, de produzir bens e de prestar a serviço, isso compromete a capacidade de crescimento".
Na projeção da CNI para o PIB em 2026, a entidade espera um avanço de apenas 1,8%, com um crescimento de apenas 1,1% da atividade industrial e de 1,9% dos serviços. Sobre as dificuldades para um crescimento maior da indústria no país, Guerra explica que o Brasil ainda carece de um pensamento mais voltado para o setor, além das próprias políticas em si. "Porque a política industrial não se resolve em um ciclo", avalia o porta-voz.
Longo prazo
Marcio Guerra considera positivo o trabalho do vice-presidente Geraldo Alckmin à frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Mas entende que o país ainda está longe de ter uma estratégia de longo prazo.
"A política industrial não traz resultados no curto prazo. E o Brasil não teve uma discussão constante sobre a estratégia industrial. Não trouxe nas discussões políticas, nos planos de governo, não se discutiu estratégia industrial, ou seja, não se colocou a indústria como uma estratégia de desenvolvimento. Não se não se colocou a indústria na centralidade, diferentemente de outros países", comenta o superintendente da CNI. Na mesma projeção, a entidade também considera que o agro ficará estável (0%) no próximo ano.
Para o economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Felipe Queiroz, a baixa taxa de investimento da economia é o maior entrave que impede um crescimento sustentável de médio e longo prazo. "Nós teríamos que ter uma taxa de investimento maior em pesquisa e desenvolvimento, porque isso aumenta o valor agregado da produção, melhora a capacidade de competição do país em nível internacional, produz mais, exporta mais e, consequentemente o país cresce mais", afirma.
- Leia também: Incertezas podem desacelerar o PIB em 2026
Queiroz reforça a necessidade de reduzir a Selic e sustenta que a taxa de juros em patamares elevados é um problema estrutural do país. Segundo ele, fazer o que seriam as reformas estruturais e cuidar da política fiscal para depois afrouxar a política monetária seria como "sair da causa e ir direto para a consequência". "Nós temos hoje uma política fiscal expansionista, porque há uma tentativa de estimular a demanda agregada, estimular o investimento, já que com uma taxa de juros de 15%, a propensão a investir é muito menor. Então, o país hoje vive engessado dentro de uma 'ciranda' do rentismo", considera.
Diante disso, o especialista avalia que no país há a predominância de uma ótica de acumulação de curto prazo, em detrimento de um crescimento sustentável de médio e longo prazo. "É o caso que nós vemos quando a taxa de inflação está em 4,5%, e nós temos uma taxa de juros na casa de 15%. Isso desestimula o investimento industrial, desestimula a produção e aleija o país em médio e longo prazo, porque sem investimento é muito difícil um país competir internacionalmente", destaca, ainda, Queiroz.
Descompasso
A escassez de investimento se deve, na leitura de representantes da indústria e serviços, a um descompasso entre a política fiscal e a monetária. Esse descasamento ganhou proporções ainda maiores nos últimos três anos, primeiro com o final da gestão do ex-presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro, ex-chefe do Executivo, e do início de mandato do atual presidente, Gabriel Galípolo.
Quando assumiu, o indicado por Lula ao cargo promoveu sucessivos aumentos da taxa básica de juros, que fizeram com que a Selic atingisse em junho deste ano ao maior patamar em quase duas décadas, aos 15%. Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, os diretores destacaram que "a estratégia em curso, de manutenção do nível corrente da taxa de juros por período bastante prolongado, é adequada para assegurar a convergência da inflação à meta". Desde 2024, a meta é de 3%, com intervalo de tolerância entre 1,5% e 4,5%.
Apesar de ser um remédio geralmente eficaz para frear a alta dos preços, o controle inflacionário por meio da taxa de juros afeta diretamente o comportamento do setor produtivo, particularmente na decisão de investir.
Marcio Guerra, superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acredita que o governo deve mostrar "sinais mais contundentes" em relação à política fiscal. As últimas edições do Relatório de Mercado Focus mostram que a mediana das previsões para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) até 2028 ainda está acima do centro da meta de 3%. Para 2026, os agentes esperam uma inflação de 4,33%, de acordo com o boletim divulgado no último dia 19 de dezembro.
"O grande entrave está justamente na questão fiscal. Esse processo de flexibilização da taxa de juros poderia ser mais confortável ao Banco Central, se os sinais das contas fiscais pudessem ter sido mais rígidos do ponto de vista dos gastos. Então, esse descompasso, essa falta de entendimento do Executivo acabam prejudicando isso, mas a autonomia do Banco Central tem que existir. O mercado funciona dessa maneira", avalia Guerra.
Reformas insuficientes
O caminho do crescimento sustentável também passa pelas reformas estruturantes, a exemplo das adotadas pelo país na última década, como a trabalhista, da previdência, e mais recentemente, a tributária, que terá o início do período de transição já a partir deste mês de janeiro. No entanto, especialistas consultados pelo Correio afirmam que as mudanças aprovadas não devem gerar o efeito esperado na economia a curto ou médio prazo.
Apesar de considerar a implementação da reforma sobre o consumo como um passo relevante, o economista da GO Associados Luccas Saqueto explica que, com a implementação gradual, os efeitos sobre a produtividade levarão anos para se materializar. "Ao mesmo tempo, reformas igualmente decisivas, como a revisão das despesas obrigatórias, a melhora do arcabouço fiscal no médio prazo e avanços mais consistentes na agenda microeconômica e regulatória, seguem lentas ou fragmentadas", considera.
Para ampliar de forma consistente os fluxos de investimento, Saqueto destaca que o país precisa reconstruir credibilidade fiscal, com uma trajetória clara de estabilização da dívida, além de maior coordenação entre política fiscal e monetária. Segundo ele, o investidor não deixou o Brasil, mas segue seletivo. "Previsibilidade regulatória, respeito a contratos e segurança jurídica são condições centrais, especialmente em setores intensivos em capital. Além disso, é fundamental apresentar um programa contínuo de projetos bem estruturados, sobretudo em concessões e PPPs (parcerias público-privadas), com adequada alocação de riscos. Quando essas condições aparecem, o capital privado, doméstico e internacional tende a responder rapidamente", avalia.
Já o analista sênior da Tendências Consultoria Silvio Campos Neto acredita que o investidor precisa de mais confiança para investir no Brasil e cita a necessidade de manter um quadro de estabilidade econômica e do ambiente democrático. Infelizmente, neste momento deixamos a desejar nestes dois quesitos. "Na parte econômica, claramente temos uma situação fiscal insustentável nos próximos anos, algo que já elevou a percepção de risco nos mercados e se traduz em taxas reais de juros extremamente elevadas", avalia.
"Como só são esperadas medidas corretivas após as eleições de 2026 e há completa incerteza sobre o desfecho deste processo eleitoral, este fator continuará sendo um entrave para novas iniciativas no curto prazo. Em relação à questão regulatória, apesar de avanços obtidos, há grande preocupação com voluntarismos em decisões judiciais, o que eleva a incerteza e o retorno exigido para investimentos", acrescenta o economista.
Para 2026, Campos Neto destaca que as perspectivas são mais comedidas para os investimentos, tendo em vista a continuidade de um cenário de juros elevados e de incerteza eleitoral. "Ainda assim, setores nos quais o Brasil possui suas vantagens comparativas devem continuar recebendo maior atenção dos investidores, como a indústria extrativa e o agronegócio. Além disso, os segmentos de infraestrutura devem continuar se beneficiando dos recentes aprimoramentos regulatórios e dos leilões realizados nos últimos anos", destaca.
Embora não considere o cenário atual como de todo adverso, o analista acredita que falta ao Brasil uma efetiva mudança de patamar nos níveis dos investimentos em relação ao PIB, que esbarra não somente nos pontos mencionados pelo economista, mas também no fato de o Brasil ser uma economia com baixo nível de poupança interna — algo que também reflete o déficit público e o foco excessivamente de curto prazo nas decisões de agentes econômicos. Diante de tantas incertezas, o caminho para o crescimento pode estar longe de ser atingido.

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