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Diante de incertezas, jovens investem em renda para aposentadoria

Diante de incertezas sobre a previdência social, a Geração Z antecipa decisões financeiras, investindo cedo em renda fixa, ações e planos privados, em busca de autonomia, segurança e estabilidade econômica ao longo da vida

Dificuldades de acesso ao crédito e queda na natalidade fazem a Geração Z encarar o próprio futuro financeiro mais cedo. Com a expectativa de vida em alta, o peso de sustentar a previdência social recai cada vez mais sobre esses jovens, que duvidam se conseguirão se aposentar apenas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

No curto prazo, juros mais altos reduzem o poder de compra, mas também estimulam aplicações em renda fixa. Ao completar 18 anos, o estudante universitário Daniel Domingues — atualmente com 23 — decidiu investir em Certificados de Depósito Bancário (CDB) e em títulos do Tesouro Direto, com foco no longo prazo.

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Para ele, o planejamento financeiro está sempre voltado aos resultados que esses investimentos poderão gerar em 10 anos ou mais. "Muitas vezes, me faz investir em coisas que pouco rentáveis imediatamente, mas que acredito serem sólidas o suficiente para gerar lucro mais adiante", conta.

A renda fixa foi a porta de entrada de Daniel para o mundo dos investimentos, assim como para milhões de brasileiros. Hoje, ele também aplica em ações na bolsa de valores e em bitcoin, sem nunca considerar abrir mão dos títulos que já possui.

"Meu principal objetivo ao investir é preservar o valor do patrimônio acumulado e obter lucro real sempre que possível, com o objetivo de complementar minha renda", destaca o estudante. Ele acrescenta que também pensa em gerar recursos para a aposentadoria, construindo uma carteira de ativos que pague dividendos.

O estudante Elter Rodrigues, de 20 anos, optou por dividir sua carteira de investimentos em duas partes: 50% em renda fixa e 50% em renda variável, incluindo ações, fundos imobiliários e criptomoedas. Segundo ele, a estratégia tem como objetivo assegurar lucro constante, mesmo que pequeno. "Os investimentos em renda variável, eu deixo tudo em uma corretora apenas, e os de renda fixa, eu divido em três bancos diferentes", conta.

Como já tem o hábito de investir mensalmente, ele aproveita para acompanhar os investimentos e elaborar relatórios sobre o desempenho da carteira, além de se manter sempre atento às notícias das empresas e fundos nos quais aplica. "E, a cada semestre, eu faço um balanço das ações que tenho e decido se vendo, compro mais ou mantenho", afirma.

Elter reserva todo mês uma quantia, aplicando metade em renda fixa e metade em renda variável. Ele costuma investir o que sobra no fim do mês. Embora planeje comprar um carro, seu principal objetivo é gerar uma renda extra mensal. "Penso em guardar dinheiro para a aposentadoria, já faço alguns investimentos pensando justamente na renda passiva (como os fundos imobiliários) e nos juros compostos. A renda fixa ajuda bastante nessa questão também, já que sempre rende alguma coisa", acrescenta.

Planejamento

A crescente preocupação com o futuro financeiro tem levado jovens brasileiros a buscar alternativas para além da previdência pública. Entre pessoas de 18 a 30 anos, a adesão a planos privados cresce, refletida no atual número de 8,4 milhões de participantes, que equivalem a 11,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

A principal motivação é a percepção de que depender apenas do INSS pode não ser suficiente para manter o padrão de vida após a aposentadoria. Sandro Costa, presidente da Comissão de Produtos por Sobrevivência da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (Fenaprevi), observa que "quanto mais cedo uma pessoa começa a guardar dinheiro, seja para realizar um projeto de vida, seja para a própria aposentadoria, melhor".

Costa explica que uma pessoa que começa a poupar com 30 anos de antecedência terá 63% da reserva formada pelos rendimentos e apenas 37% virão do próprio bolso, enquanto quem inicia próximo ao fim da vida laboral terá apenas 14% da reserva oriundos dos rendimentos, precisando aportar 86% diretamente da própria renda.

Para exemplificar, ele compara dois cenários. "Quem inicia aos 25 anos precisaria aportar cerca de R$ 250 mil para acumular R$ 1 milhão; quem começa aos 45 precisaria mais que dobrar o valor", conta.

O presidente da comissão acrescenta que o aumento da longevidade reforça a necessidade de planejamento. "Nós estamos vivendo mais. Um jovem de 25 anos, hoje, provavelmente, vai chegar aos 85, 90 anos. Ele vai precisar de bastante dinheiro para manter o padrão de vida".

O setor busca ampliar a compreensão da previdência como um instrumento de apoio ao longo de diferentes fases da vida. Planos voltados para menores também ajudam no aprendizado financeiro precoce, permitindo que os jovens acompanhem extratos e a evolução de suas reservas.

Entre os principais obstáculos para a formação de patrimônio, ele destaca o apelo do consumo imediato. "É muito mais atrativo comprar um tênis, um carro ou fazer uma viagem do que poupar", comenta.

Costa também alerta para os riscos de encarar plataformas de apostas como forma de investimento. "Essas plataformas não são instrumentos de investimento, longe disso. Devem ser tratadas apenas como entretenimento e com limites claros. Definitivamente não é a forma de guardar dinheiro ou conseguir recursos para o futuro."

A planejadora financeira Gabriela Vale reforça que investir vai além da escolha de um produto. "Investimento não é um fim em si, mas um meio para concretizar objetivos", afirma. Ela orienta que o primeiro passo para os jovens é organizar as finanças, manter uma reserva de segurança e alinhar as metas ao próprio perfil de risco.

Segundo Vale, a previdência complementar pode ser útil para quem busca constância, especialmente por permitir aportes automáticos. Ela destaca, porém, que a qualidade dos fundos e as taxas devem ser avaliadas com atenção, lembrando que "o que enriquece é o quanto você guarda por mês, não o quanto rende o seu investimento".

Reinaldo Domingos, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira, afirma que "comportamento é o principal determinante para a construção de patrimônio". Segundo ele, a falta de planejamento não decorre apenas de renda limitada, mas também de "desconhecimento e analfabetismo financeiro histórico". Domingos reforça que guardar dinheiro sem um objetivo definido não garante continuidade: "Dinheiro sem destino é dinheiro perdido".

Ele defende métodos que auxiliem na definição de metas e na constância dos aportes e acrescenta que, diante da inflação, da pressão do consumo e do aumento da longevidade, "a previdência privada se torna uma alternativa relevante para quem busca autonomia no futuro" e que "quanto mais cedo o jovem começar, mais cedo alcançará a independência financeira".

Choque de gerações

Gleisson Rubin, diretor do Instituto de Longevidade do Grupo MAG, contextualiza a mudança de percepção das novas gerações sobre previdência e investimentos. Ele explica que, historicamente, a previdência no Brasil sempre foi voltada para a esfera pública, mas que "essa mudança de pensamento do jovem não pode ser compreendida sem levar em consideração o próprio movimento de mudança na demografia do país".

Segundo Rubin, "nos últimos 40 anos, a quantidade de filhos por mulher caiu, as gerações mais novas são numericamente muito menores e o mercado de trabalho terá menos pessoas contribuindo, o que compromete o equilíbrio do sistema".

Ele cita dados: "No final dos anos 1980, o INSS tinha seis contribuintes para cada aposentado. Hoje são dois contribuintes para cada beneficiário. Em 2060, teremos mais aposentados do que contribuintes".

Rubin ressalta que as gerações Baby Boomers e X viviam sob o signo da estabilidade, mantendo carreira e residência fixas, enquanto Millenials e Geração Z "saem da faculdade com clareza de que terão mais de uma profissão, precisarão se reinventar e possuem maior mobilidade geográfica".

O especialista observa que isso influencia os investimentos. "Estas gerações buscam ativos que saiam do convencional, incluindo criptomoedas, têm muito acesso à informação, mas têm dificuldade de olhar para o longo prazo", diz. Rubin aponta que o estilo de vida instantâneo contribui para a busca de retorno rápido, criando ambiente propício à proliferação de jogos on-line e promessas de ganhos milagrosos.

Ele reforça a importância de "não encarar a previdência apenas como instrumento de aposentadoria, mas como um recurso que pode ser usado em diferentes fases da vida, como para financiar educação, adquirir um imóvel ou realizar uma transição de carreira". Rubin conclui que o tempo e os juros compostos são determinantes. "Quanto mais cedo se começa a poupar, menor é o esforço necessário para alcançar o mesmo resultado de quem inicia mais tarde", enfatiza.

Já o especialista em educação financeira e analista no Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) Eduardo Trigueiro, destaca a necessidade de uma base sólida antes de investir. "O intuito é que as pessoas se tornem autônomas e independentes em relação às suas decisões financeiras e possam utilizar seus recursos da melhor maneira possível".

Ele ressalta que os principais erros de iniciantes são "investir em algo que não conhecem" e "não atrelar o dinheiro ao investimento adequado ao objetivo". Trigueiro recomenda começar pelo básico, como poupança, CDBs e Tesouro Direto, ressaltando que a diversificação se torna mais relevante para quem já possui uma reserva acumulada. Sobre a previdência complementar, afirma: "É ideal para pessoas que precisam de disciplina programada de aportes mensais e complementa a previdência oficial, pensando no longo prazo".

Trigueiro reforça que qualquer estratégia financeira deve passar pela organização e otimização dos recursos. "O importante é que a pessoa saiba destinar o dinheiro de forma que tenha o melhor proveito não só no presente, mas principalmente no futuro", avalia.

Especialistas destacam que, diante das mudanças demográficas, do aumento da longevidade e das incertezas sobre a sustentabilidade da previdência oficial, a adesão a planos privados se torna cada vez mais relevante. Quanto mais cedo o jovem começar, maior a chance de alcançar a independência financeira e menor será o esforço necessário para acumular patrimônio ao longo da vida.

A educação financeira, aliada à disciplina e ao conhecimento sobre produtos de investimento, é essencial para que os jovens planejem o futuro de forma consistente e segura. Com hábitos de poupança bem estruturados, é possível transformar recursos guardados em instrumentos que garantam autonomia e qualidade de vida. 

*Estagiária sob a supervisão de Rafaela Gonçalves

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