Tecnologia

O perigoso oligopólio da infraestrutura em nuvem

A concentração de servidores nas mãos de poucas empresas estrangeiras coloca em risco a soberania brasileira sobre dados

O mercado global de serviços de nuvem segue concentrado nas mãos de poucas gigantes da tecnologia, evidenciando um cenário de oligopólio que influencia o funcionamento de serviços digitais críticos. Em 2025, Amazon Web Services (AWS) lidera com cerca de 30% de participação no mercado global de infraestrutura de nuvem, seguida por Microsoft Azure com 20% e Google Cloud com 13%.

Juntos, os serviços representam mais de 60% do mercado mundial de nuvem. Poucos outros provedores, como Alibaba e Oracle, mantêm fatias inferiores a 5% cada, mostrando a forte concentração da indústria nas mãos das chamadas "Big Three".

A instabilidade registrada no último mês pela empresa Clouflare, que fornece serviço de intermediação de tráfego de conteúdos on-line, expôs a fragilidade de serviços que dependem da rede global de nuvem, assim como o apagão global no ano passado e outros relatos menores de problemas de núvem. Uma falha técnica da Cloudflare afetou plataformas como X, ChatGPT, Amazon, Spotify e o portal Gov.br, que ficaram fora do ar ou apresentaram lentidão. Bancos, como Bradesco e Banco do Brasil, também registraram ocorrências de usuários. No Downdetector, onde houve mais de cinco mil reclamações, o problema atingiu, ainda, serviços, como Canva, League of Legends e o próprio Downdetector.

O serviço da Cloudflare funciona como intermediário de tráfego e distribuição de conteúdos, o que amplia a cadeia de impactos quando ocorrem interrupções. A empresa relatou que clientes afetados precisariam restabelecer seus próprios sistemas, o que prolongaria o efeito da queda. O software, usado por 24 milhões de serviços on-line, já havia registrado incidentes em 2019 e 2022, quando erros internos derrubaram sites por até uma hora e meia. A Cloudflare é responsável por cerca de 25% de todo o tráfego mundial.

No cenário atual, em que bancos, órgãos públicos e plataformas digitais utilizam nuvem para armazenamento e processamento, falhas dessa natureza trazem riscos adicionais ao país. Para o advogado Luiz Augusto D'Urso, especialista em direito digital e presidente da Comissão Nacional de Cibercrimes da Abracrim, a dependência de empresas estrangeiras causa preocupação. "Órgãos públicos ficarem dependentes de empresas privadas nunca é o ideal, mas claro, é normal acontecer. Agora, depender de empresas privadas estrangeiras, ainda mais instituições públicas tão relevantes para o cenário nacional, pode ser um problema. Porque qualquer desacordo que nós tenhamos com aquele país ou com aquela empresa, elas terão a posse dos dados," afirmou o advogado.

"É uma empresa muito importante quando a gente fala de infraestrutura da internet, de segurança de provedores, de aceleração de acesso. Eles atendem grande parte do mercado mundial. Quando eles dão problema, as instabilidades são globais", disse. O advogado compara o episódio ao que ocorreu com a CrowdStrike no ano passado e com outras empresas do setor, associando o impacto ao peso que poucas corporações exercem sobre a infraestrutura digital. "A internet, hoje, está sob um grande monopólio de poucas empresas. Quando essas empresas dão problema, o impacto é global. O atendimento é mundial e os problemas são na mesma proporção", afirmou.

Para o especialista, os efeitos atingem setores centrais da economia. "Essa empresa presta serviço para bancos, empresas aéreas, hospitais, redes sociais, associações e instituições do governo. Quando esses serviços não ficam disponíveis, afeta milhares ou milhões de pessoas", disse.

Nuvem de governo

O Serpro e o Dataprev iniciaram a oferta da Nuvem de Governo para os mais de 250 órgãos públicos do Executivo Federal, com investimento superior a R$ 1 bilhão. Os catálogos divulgados pelo Ministério da Gestão detalham produtos e condições de uso, direcionados principalmente ao armazenamento de dados sensíveis. Segundo a regulamentação, órgãos ligados ao Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação devem utilizar essa nuvem para dados de sigilo fiscal, bancário, comercial e empresarial. Caso optem por não utilizá-la, a decisão deve ser expressamente determinada pelo Comitê de Governança Digital, com base em mapeamento de riscos.

O Ministério da Gestão e da Inovação explicou que o modelo da Nuvem de Governo foi estruturado a partir da Portaria nº 5.950, publicada em outubro de 2023. Segundo a pasta, essa configuração assegura que o governo brasileiro mantenha a soberania sobre a guarda e operação dos dados públicos e garanta a continuidade dos serviços digitais do Estado.

A pasta destacou que não há exigência de interoperabilidade entre sistemas de diferentes órgãos. As contratações se referem ao espaço remoto de armazenamento, com data centers instalados no Brasil e infraestrutura sob controle das empresas públicas de tecnologia. Todos os órgãos públicos podem aderir ao serviço, independentemente da esfera de governo ou poder. Contudo, os órgãos federais que fazem parte do SISP (Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação) terão que migrar seus dados classificados para uma nuvem de governo ofertada por essas duas empresas públicas.

A necessidade de soluções internas também é defendida por Gabriel Gomes de Oliveira, membro do IEEE e professor colaborador da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas - FEEC-Unicamp. Ele afirma que o mercado de nuvem e segurança digital é impulsionado pela Inteligência Artificial, que depende de "dados ricos", estruturados em variedade, volume e velocidade.

Para ele, há um monopólio exercido por big techs como Google, Amazon e Microsoft, além do peso da Nvidia no processamento de IA. A concentração traz riscos à medida que empresas dominantes detêm a capacidade de cobrança, o que afeta países com menor poder tecnológico e financeiro. "Por isso, é crucial que entidades públicas busquem inovação e financiamento por meio de empresas parceiras do governo para evitar o monopólio. O ideal é ter empresas que concorram entre si de forma legal e, acima de tudo, desenvolver uma tecnologia soberana brasileira que entenda as necessidades do ecossistema nacional."

Estagiário sob a supervisão de Edla Lula

 


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