Em crise, os Correios detalharam nesta segunda-feira (29/12) o plano de recuperação que pretende levar a estatal de volta ao azul até 2027. Além de ações emergenciais, como o empréstimo bilionário contratado na semana passada com grandes bancos, a companhia vai demitir, de forma voluntária, até 15 mil funcionários, fechar 1.000 agências e alienar imóveis ociosos, na expectativa de reduzir gastos em R$ 7,4 bilhões por ano.
Segundo balanço apresentado no final de novembro, os Correios acumularam deficit de R$ 6 bilhões em 2025, completando 13 trimestres seguidos de prejuízo, desde o quatro trimestre de 2022, no final do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. É, atualmente, a estatal mais deficitária.
Durante coletiva de imprensa, o presidente dos Correios, Emmanoel Rondon, detalhou as três fases do Plano de Reestruturação 2025–2027. A conversa com jornalistas foi convocada após a aprovação, na sexta passada (26/12), de R$ 12 bilhões em crédito contratado de cinco bancos: Caixa, Bradesco e Banco do Brasil, com R$ 3 bilhões cada; e Santander e Itaú, com R$ 1,5 bilhão cada.
A medida é considerada essencial para o início da recuperação, embora ainda faltem outros R$ 8 bilhões, que podem ser captados no próximo ano. A estatal ainda avalia como obter o valor restante, se por novos empréstimos de instituições financeiras ou por aporte direto do Tesouro Nacional.
“Isso vai permitir a adimplência da gente nos contratos que temos com fornecedores, com os benefícios de empregados e tributos, e recuperar a qualidade da operação. A gente criou um grupo de trabalho na última semana para focar na recuperação da qualidade”, comentou Rondon. Ele explicou que as primeiras ações, emergenciais, visam evitar um prejuízo ainda maior no próximo ano.
“Se nenhuma correção for feita para quebrar esse ciclo aqui, o resultado negativo fica potencializado, podendo chegar a R$ 26 bilhões em 2026. Por isso, a correção de rota precisa ser feita de forma rápida”, explicou. Mesmo com o plano, a expectativa é que o próximo ano tenha uma “leve piora” em relação a 2025, e que o lucro volte a partir de 2027.
A primeira fase, que objetiva recuperar a liquidez do caixa e melhorar a operação, segue até março. Em seguida, entre 2026 e 2027, a fase 2 representa uma reorganização da empresa, prevendo reduzir em até R$ 7,4 bilhões os gastos anuais. Uma das principais medidas será o Programa de Demissão Voluntária (PDV), que começa em janeiro, que prevê o desligamento de 10 mil funcionários em 2026 e outros 5 mil em 2027.
O número representa cerca de 17% do quadro de empregados, que gira em torno de 86 mil atualmente. A medida deve uma economia de R$ 2,1 bilhões por ano. A companhia vai rever ainda seus planos de saúde e de previdência.
Venda de imóveis
Essa etapa inclui ainda a venda de imóveis ociosos, com captação estimada em R$ 1,5 bilhões em 2026, e o fechamento de cerca de 1.000 das 5.000 unidades dos Correios, economizando R$ 2,1 bilhões por ano. Rondon garantiu que a mudança não vai afetar a universalização do atendimento. Por lei, os Correios devem garantir que os serviços postais básicos, como o envio de cartas e encomendas, sejam acessados por quaisquer cidadãos, em qualquer área do território brasileiro, inclusive em regiões de difícil acesso.
“A gente vai fazer a ponderação entre o resultado e o cumprimento da universalização, para a gente não feri-la ao fecharmos pontos de venda da empresa”, afirmou. A companhia também vai acelerar 11 parcerias privadas que estão em negociação, e que podem gerar impacto de R$ 1,7 bilhão no próximo ano.
A terceira e última fase do plano envolve uma mudança na estrutura societária dos Correios. Atualmente, a participação é apenas estatal. Para isso, a empresa vai contratar uma consultoria externa para estudar o melhor modelo, que pode ser adotado a partir de 2027. Segundo Rondon, a mudança visa dar sustentabilidade no médio e longo prazo para o serviço postal.
Questionado, ele descartou que uma privatização esteja no radar, mas mencionou como possibilidade o modelo de capital misto, como ocorre hoje com a Petrobras e o Banco do Brasil. “Hoje, não tem um olhar sobre privatização, mas tem um olhar sobre parcerias e conjuntos societários. Tem exemplos de sociedades de economia mista, que funcionam. Tem exemplos sem economia mista, mas com parcerias específicas para temas relevantes, como negócios financeiros e seguridade. A gente também está enxergando dessa forma”, respondeu o presidente.
“O que a gente espera que a consultoria nos traga são estudos que casem com a realidade da empresa no contexto que a gente está, para enxergar qual o modelo seguir. Mas a gente está bem aberto, não tem nenhuma definição ainda”, acrescentou.
Crise prolongada
Segundo Rondon, os Correios enfrentam uma crise iniciada ainda em 2016, ano em que as receitas por encomendas — especialmente por compras online — superaram as receitas com cartas. Desde então, a estatal enfrenta dificuldades para ajustar as contas, e passou a competir com gigantes do setor privado, como a Amazon e, mais recentemente, Shopee e AliExpress, bem como outras empresas do setor de logística.
“É uma dinâmica de mercado que ocorreu no mundo todo, e algumas empresas de correios conseguiram se adaptar. Mas várias ainda apresentam prejuízos. Um exemplo é a empresa americana de correios (UPS, na sigla em inglês, que está reportando prejuízo da ordem de US$ 9 bilhões”, disse.
Além do mercado desafiador, a crise recente, iniciada no final de 2022, também é causada por outros fatores. Por exemplo, um aumento com os gastos de pessoal, causados por reajustes salariais. Dois terços dos R$ 23 bilhões em gastos fixos da companhia são direcionados aos funcionários.
Houve ainda uma queda nas receitas, impactadas, por exemplo, pela “taxa das blusinhas”. A mesma medida que taxou compras internacionais de até US$ 50, em agosto de 2024, também permitiu que outras empresas passassem a importar esses produtos, o que era exclusividade dos Correios.
A empresa estima perda de R$ 2,2 bilhões com a mudança. Houve ainda um salto no gasto com precatórios — valores pagos por decisões judiciais — de R$ 485 milhões em 2022 para R$ 1,58 bilhão em 2025 (apenas até junho).
