AGRONEGÓCIO

Impulsionando o desenvolvimento: como programas de fomento alavancam o agronegócio no Brasil e transformam vidas

Sistema Nacional de Fomento (SNF) responde por 64% de todo o crédito rural no país e representa saída mais acessível e sustentável para impulsionar o setor

O fomento ao agronegócio brasileiro impulsiona o crescimento sustentado do setor, com foco no desenvolvimento de longo prazo, independentemente do tamanho do negócio. O Sistema Nacional de Fomento (SNF) responde por 64% de todo o crédito rural no país, além de ter participação de 74% na oferta de crédito de longo prazo, 84% no crédito ao setor público e 98% no financiamento de infraestrutura, segundo dados da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE).

“O crédito de fomento é essencial porque atua de forma contracíclica e está fortemente voltado ao longo prazo. No quarto trimestre de 2024, 74,2% da carteira do SNF estava alocada em investimento, e 45,5% do crédito de longo prazo para empresas — operações com prazo igual ou superior a três anos — estava concentrado no Sistema”, detalha André Godoy, diretor-executivo da ABDE. 

Esse perfil, segundo ele, garante previsibilidade, modernização e resiliência regional, mesmo em períodos de adversidade. A ABDE ainda trabalha em um levantamento que indicará quantos produtores foram atendidos pelos aportes, mas adianta que, em 2024, Pronaf, Pronamp e o Renovagro somaram, por meio de instituições do SNF, R$ 81,4 bilhões de recursos disponibilizados para o setor rural. (leia a entrevista completa abaixo).

Crescimento no Centro-Oeste ultrapassa 10%

No último trimestre de 2024, a carteira de crédito do SNF registrou crescimento em todas as regiões do país. Apesar de Norte (+16%) e Sul (+13,6%) terem tido os maiores percentuais de aumento no financiamento, Nordeste (+12,2%) e  Centro-Oeste (+11%) também se destacaram. A região Sudeste concentra o maior volume absoluto, mas teve o menor crescimento proporcional (+9,8%). De acordo com a ABDE, isso se deve à maturidade do mercado local.

No Centro-Oeste, o Banco do Brasil, um dos principais agentes repassadores do Sistema Nacional de Fomento (SNF), desembolsou R$ 64,5 bilhões em crédito para a safra 2024/2025, um aumento de 200% em 10 anos (foram R$ 21,5 bilhões na safra 2014/2015).

Os dados revelam que o crescimento do crédito disponibilizado pelo BB concentra-se majoritariamente no financiamento à agricultura de larga escala, que viu seus desembolsos subirem 235% na região, alcançando R$ 58,6 bilhões. O incremento é impulsionado por operações de custeio (R$ 40,1 bilhões, alta de 301%) e de investimento (R$ 12,1 bilhões, alta de 91%), demonstrando um forte movimento de capitalização e modernização no setor.

Quanto ao Distrito Federal, a evolução do crédito foi de 136% no período analisado, atingindo R$ 238 milhões na safra 2024/2025. Contudo, esse crescimento se deu quase exclusivamente na agricultura empresarial, que absorveu R$ 237 milhões (aumento de 149%). 

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Lindinalvo Joaquim Silva: financiamento foi essencial para expandir o negócio
 

Trauma vencido e sucesso na expansão

O acesso cada vez mais democratizado ao crédito tem contribuído tanto para o avanço do setor quanto para a mudança de cultura organizacional. Lindinalvo Joaquim Silva, 68 anos, é um dos exemplos de empresários que alcançou uma expansão sustentável do negócio graças a recursos captados por meio do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), com a intermediação do Banco do Brasil.

Lindinalvo começou a trajetória no ramo de granjas em Uberlândia (MG), sua terra natal, em 1977. Atuava na limpeza de banheiros e de vestiários. Aos poucos foi assumindo diferentes cargos e se apaixonando pelo ofício. Passou pelos setores de vacinação, seleção e incubação de pintinhos. Ali conheceu a mulher, Ina, que se tornaria uma das principais responsáveis pela trajetória de empreendedorismo que anos depois uniria toda a família. 

Juliana Campos/Arquivo pessoal -
Juliana Campos/Arquivo pessoal -

Em 1988, Lindinalvo chegou a Brasília, para trabalhar como gerente em uma das empresas pioneiras do setor na capital. Foram anos dedicados à organização e depois a consultorias por todo o país. Enquanto isso, dona Ina tocava, num pequeno galpão, uma incubadora com capacidade para pouco menos de 5 mil ovos por semana, construída com materiais resgatados por Lindinalvo em um ferro velho em Minas Gerais.

Com o dinheiro das consultorias e do crescimento do negócio próprio, Lindinalvo decidiu, em 2008, dedicar-se exclusivamente à empresa familiar, que a esta altura já integrava os dois filhos do casal, Julian Campos e Linthon Vinícius. Foi quando compraram o terreno onde hoje está instalada a unidade pioneira da LJIL Agroavícola, na Ponte Alta do Gama. 

A história de um empréstimo mal sucedido feito pelo bisavô, há décadas, atormentava Lindinalvo, que nunca havia registrado uma dívida sequer. Era trauma, como ele mesmo define, que precisou vencer quando percebeu que essa seria a única forma de expandir o negócio.

Com investimento total de R$ 35 milhões nos últimos anos, a empresa dobrou de tamanho: de duas passou a abrigar quatro alas. O processo de incubação dos ovos culmina no cuidado com os pintinhos até o nascimento, momento em que são enviados para as granjas parceiras para o posterior abate. 

O aporte mais recente, 100% financiado pelo Banco do Brasil, resultou na expansão para o município de São João D’Aliança (GO), com a Fazenda Alvorada e a entrada em outro ramo do setor. “Criamos galinhas de genética pura, que custam 500 dólares cada, para produzir ovos”, afirma ele. “Foi aí que eu comecei a entender que se eu pegasse o dinheiro e fizesse uma boa gestão desse dinheiro, ficaria  tranquilo, e poderia esquecer aquele trauma do meu bisavô, porque eu dava conta.”

Hoje, a LJIL emprega 210 funcionários e incuba 92 milhões de ovos por ano. A Ponte Alta do Gama é sede do incubatório; Alexânia (GO) abriga a granja de frango de corte; e São João d’Aliança, as granjas de matrizes e as granjas de recrias. Seu Lindinalvo ainda encontrou tempo para, aos 50 anos, cursar administração e conquistar o tão sonhado diploma universitário. “É preciso ter amor pelo que você faz e acreditar naquilo, além de estar ao lado de pessoas boas”, orgulha-se o empresário.

Antonio Cunha/Esp. CB/D.A. Press - 2017 - Cláudio Malinski é agrônomo, produtor rural e sócio da Coopa-DF

Impacto regional comprovado

Cláudio Malinski é agrônomo, produtor rural e sócio da Coopa-DF, uma cooperativa fundada em 1978 que reúne 210 cooperados. Olhando para a própria experiência e para o que ocorre no setor, ele assegura que o Sistema Nacional de Fomento muda a realidade do produtor e impulsiona o desenvolvimento regional, movimentando toda a cadeia produtiva. 

“Gera mais receita para o produtor, mais empregos e mais impostos. As empresas de fertilizantes, máquinas, defensivos agrícolas vendem mais. Cria-se, em volta desses pólos, uma rede de apoio de restaurantes, empreiteiros, pessoas que alugam caminhões, empresas que entregam comida nas fazendas, todo mundo ganha”, detalha Malinski. 

Cláudio cultiva soja e milho na propriedade. Há três anos, fez uma parceria para começar a produzir batatas, cebola e hortaliças. Foi então que precisou investir em um pivô central de cerca de R$ 800 mil. Com recursos do FCO, financiou R$ 499 mil em 10 anos, com juro de 5,5% ao ano.

“Só consegui expandir o negócio por causa das condições do FCO. Hoje, se eu quisesse, já teria pagado o pivô. Mas o juro é tão baixo, que não compensa. Uso a renda gerada por ele como capital de giro para melhorar o solo, por exemplo”, explica. 

 

Fomento Rural tira produtores da miséria   

O zootecnista Aécio Prado, extensionista rural da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF), ressalta que um dos desafios do SNF é chegar às famílias de empreendedores que mais precisam. 

Para essa parcela de agricultores familiares existe o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais ou, simplesmente, Programa Fomento Rural. Ele combina acompanhamento social e produtivo e transferência direta de R$ 4,6 mil, que as famílias usam para financiar seus projetos produtivos e que não precisam devolver para o governo. 

No guarda-chuva do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o crédito atende pessoas que vivem no campo, estão inscritas no Cadastro Único e estão em situação de pobreza, com renda mensal de até R$ 218 por pessoa do núcleo familiar. 

Aécio Prado trabalha com esse programa desde 2012, quando ainda era conhecido como Brasil sem Miséria, e coleciona histórias de pessoas que mudaram completamente de vida, a partir da capacitação e do financiamento do projeto pelo Fomento Rural.

Desesperança

Ele conta que é comum encontrar um cenário entre agricultores familiares de pobreza e de famílias desesperançadas. “Muitas vezes elas não têm fé em si mesmas e não acreditam serem capazes de mudar a realidade. Então, é um processo de escuta de anseios, aptidões e com foco em garantir a segurança alimentar. O objetivo é ajudá-las a escolher projetos viáveis, que gerem renda”, explica.  

Entre tantas vidas que ajudou a transformar, Aécio cita a história de Federica e Augusto. Um casal morador de um núcleo rural na região do Sol Nascente, comunidade distante cerca de 40 km da Praça dos Três Poderes. “Eles começaram com um aviário, expandiram o negócio com mais uma estrutura e, depois, passaram a cultivar flores”, resume. 

O Correio foi atrás do casal para conhecer de perto essa história. Augusto Júnior, 42 anos, herdou a chácara da mãe, que por sua vez, herdou do pai. Casou-se com Federica Cordeiro dos Santos, 41, quando tinha cerca de 20 anos. Eles tiveram duas filhas, Estephany, 20, Yasmin, 18, e o caçula Arthur, 6 anos. 

Em 2013, quando a família começou a receber assistência da Ematerr, a vida era só trabalho e quase nenhum retorno financeiro. Plantavam mandioca, milho e vendiam para vizinhos e em feiras. Com apoio do Aécio, o casal montou um projeto para criar e vender frangos. Com recursos do Fomento Rural, construíram um aviário e começaram a vender a produção para um abatedouro da região. 

Roda de prosperidade

Ao mesmo tempo, Federica começou a graduação de pedagogia. O negócio ia de vento em popa e eles construíram outro aviário. Chegaram a ter 300 frangos na propriedade, quando, de repente, o frigorífico mudou as regras e passou a comprar apenas produções em grande escala. “Não conseguíamos atender a quantidade que eles precisavam. Meu marido começou a ir para as feiras para vender os frangos. Chegou a um ponto em que estávamos tendo prejuízo e tivemos que mudar radicalmente”, relembra Federica.  

Era meados de 2016. E novamente, com a consultoria do Aécio Prado, da Emater, a família se desfez dos aviários e investiu no cultivo de plantas ornamentais e frutíferas. Desta vez, o recomeçou foi sem a ajuda financeira do Governo Federal. “Antes a gente não imaginava que ia chegar onde chegou. A gente é  muito simples. Amadurecemos, aprendemos a administrar a propriedade. Melhoramos muito de vida. Continuamos com muito trabalho, ainda temos uma vida simples, mas agora temos renda”, compara.

Perguntada sobre se tem um sonho que quer ver realizado, Federica afirma que é ver os filhos estabilizados e bem. “A mais velha forma-se em direito ano que vem. A do meio terminou o ensino médio e está na fase de escolher o curso. O Arthur ainda está pequeno. Vê-los bem e felizes, é o meu sonho”, resume a agricultora e pedagoga Federica.   

Ver essa transformação na vida de Cláudio e Federica transforma também a vida de Aécio. “Quando olho para todos os casos de sucesso, e são muitos, eu me realizo profissionalmente. Mais que um programa de distribuição de renda, o Fomento Rural promove a inclusão social e digital. Por meio de programas de compras governamentais, as pessoas da agricultura familiar conseguem um preço justo pelos seus produtos e tem a venda garantida. É uma roda de prosperidade girando”, finaliza.

 

ABDE/Divulgação - André Godoy, diretor-presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE)

 

Entrevista | André Godoy, diretor-executivo da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE)

De que forma o crédito de fomento contribui para o desenvolvimento regional e para a segurança de longo prazo do setor em comparação ao crédito privado?

O crédito de fomento é essencial porque chega aonde o mercado tradicional muitas vezes não alcança. Ele tem como missão reduzir desigualdades regionais, fortalecer atividades produtivas em áreas menos favorecidas e apoiar públicos que enfrentam mais barreiras de acesso ao crédito privado, como agricultores familiares, pequenos e médios produtores e municípios de menor porte. Enquanto o crédito privado tende a se concentrar em setores e regiões de maior retorno imediato, o crédito de fomento trabalha com uma lógica de longo prazo: financia infraestrutura, inovação, sustentabilidade e investimentos estruturantes, que são indispensáveis para que o desenvolvimento seja equilibrado entre as diferentes regiões do país. Essa atuação garante não apenas que recursos cheguem à base da pirâmide produtiva, mas também que eles promovam inclusão social, geração de emprego e renda, segurança alimentar e maior resiliência das economias locais frente às crises. Em resumo, o crédito de fomento é um instrumento que alia eficiência produtiva com justiça social, sendo um pilar estratégico para a segurança de longo prazo do setor e para a construção de um Brasil mais equilibrado e sustentável.

Qual é o diferencial qualitativo do crédito de fomento?

O grande diferencial é a intencionalidade. O crédito de fomento está orientado para projetos estruturantes, que vão da infraestrutura à inovação, e tem como foco públicos com maior dificuldade de acesso ao crédito privado, como agricultores familiares, pequenas e médias empresas e regiões menos atendidas. É o SNF que responde pela maior parte do crédito de investimento no Brasil e tem papel histórico no financiamento de infraestrutura.

Qual é o papel da ABDE no monitoramento e alinhamento dos agentes de fomento às melhores práticas de sustentabilidade?

A ABDE representa o Sistema Nacional de Fomento (SNF), atualmente composto por 35 instituições financeiras de desenvolvimento. É pautada por ações que busquem o desenvolvimento econômico aliado a práticas de sustentabilidade e mudanças climáticas. Nesse contexto, desenvolvemos, em parceria com o PNUD, a metodologia de alinhamento das carteiras de crédito aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mais de R$ 2 trilhões em financiamentos concedidos pelo SNF foram alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU entre 2020 e 2023. Segundo o estudo, o volume anual de recursos alinhados aos ODS cresceu 46% entre 2020 e 2023, passando de R$ 413,5 bilhões em 2020 para R$ 454,6 bilhões em 2021, R$ 563,1 bilhões em 2022 e R$ 603,8 bilhões em 2023, o que demonstra o fortalecimento do compromisso das instituições de fomento com a Agenda 2030. 

Como o SNF garante que o fomento está sendo direcionado para projetos que promovam eficiência produtiva e inclusão social?

A arquitetura do financiamento explica esse direcionamento. Programas como Pronaf, Pronamp e Renovagro asseguram que públicos estratégicos — agricultura familiar, médios produtores e empreendedores que adotam práticas sustentáveis — tenham acesso ao crédito. Esse desenho equilibra eficiência produtiva e inclusão social. Há também linhas de crédito que financiam projetos de inovação, voltados para as mudanças climáticas e transição energética, o que impulsiona o desenvolvimento regional, social e ambiental.

Quais são os principais desafios sistêmicos e burocráticos que o SNF enfrenta hoje para que o crédito chegue de forma mais ágil e menos onerosa à base da pirâmide produtiva?

Os principais gargalos estão relacionados à exigência de garantias e seguros, ainda limitados para pequenos produtores; à necessidade de integração entre assistência técnica e crédito; e à padronização dos processos de documentação e cadastros, especialmente para a agricultura familiar. Também é essencial garantir previsibilidade orçamentária nos recursos equalizáveis, de forma que não haja descontinuidade no acesso ao crédito rural.

 

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