Judô

Ouro olímpico de Rogério Sampaio completa 30 anos nesta segunda (1/8)

O ex-atleta Rogério Sampaio é hoje diretor-geral do Comitê Olímpico do Brasil (COB)

MARCOS PAULO LIMAEnviado especial
postado em 01/08/2022 00:01 / atualizado em 01/08/2022 16:41
 (crédito: Divulgação/CBJ)
(crédito: Divulgação/CBJ)

São Paulo — O quimono, a faixa preta e os pés descalços sobre o tatame deram lugar ao traje social. Aos 54 anos, Rogério Sampaio Cardoso caminha imponente entre dirigentes e atletas na Casa Itaim, Zona Oeste da capital paulista, na última terça-feira, no evento que abriu a contagem de dois anos para os Jogos de Paris-2024. Trinta anos após levar o Brasil ao ouro na categoria meio-leve (-65kg) do judô em Barcelona-1992, ele continua fazendo parte da indústria de medalhas do esporte nacional. Depois da experiência como professor e técnico, virou gestor. É diretor-geral do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Um dos fiéis escudeiros do presidente da entidade, Paulo Wanderley. O dirigente era o técnico dele na conquista de 1º de agosto de 1992 nos cinco combates que culminaram com o triunfo diante do húngaro Jozsef Csak. A luta de 1 minuto e 36 segundos mudou para sempre a vida do atleta eternizado no Hall da Fama. Em entrevista exclusiva ao Correio, o judoca admite que o triunfo consolidou uma revolução na modalidade e projeta o sucesso do Brasil daqui a dois anos, na França — a segunda maior potência do judô.

Há três décadas, você conquistava no judô a única medalha individual do Brasil nos Jogos de Barcelona-1992. Quais são as recordações daquele dia?

São 30 anos, mas parece que foi ontem. As lembranças que eu tenho daquele 1º de agosto de 1992 estão muito vivas. Um dia glorioso. Coroou a minha carreira. Eu sinto saudade. Coloquei para fora 100% de tudo aquilo que eu treinei.

Estava consumado o que a infância sonhou?

Eu comecei a fazer judô com quatro anos e meio. Ali em Barcelona, eu estava com 25 usando 100% do meu potencial técnico, físico e emocional. Lutei de igual para igual com os melhores do mundo e conquistei a oitava medalha de ouro na história do esporte brasileiro.

O presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley, era o seu técnico em Barcelona. Até que ponto ele influenciou?

Eu sempre tive a orientação dele desde o início da minha carreira. A minha primeira competição foi o Campeonato Pan-Americano Júnior, na Cidade do México, em 1985. Meu treinador era o Paulo. Depois, estivemos juntos no Mundial Júnior, em 1986, em outros diversos torneios internacionais ao longo dos anos e nos meus principais títulos: a medalha olímpica de ouro em 1992 e o bronze no Campeonato Mundial de 1993.

Eram tempos difíceis para o esporte brasileiro…

No Mundial, a gente ainda construía uma tradição de conquistas no judô. Eu havia mudado de categoria (do meio-leve para leve). Antes de mim, somente três atletas brasileiros conquistaram medalha em campeonatos mundiais. O Chiaki Ishii (-93kg) em 1971, o Walter Carmona (-86kg) em 1979; o Aurélio Miguel (-95kg) em 1987; e eu (leve), em 1993. Hoje, temos mais de 50 medalhas em campeonatos mundiais.

Ao contrário de hoje, o técnico era praticamente mais um no meio da torcida, em 1992.

O professor Paulo Wanderley sempre esteve muito próximo. Agregava muito treinamento. Mas, naquela época, o treinador, diferentemente de hoje, não sentava naquela cadeirinha à beira da área de competição. Ficava na arquibancada. Mas desde cedo, naquele 1º de agosto, ele esteve comigo desde a pesagem.

E chegou a blindá-lo de nós, da imprensa.

Depois que saímos da pesagem, nós fomos para o refeitório tomar o café da manhã. Havia um grupo de jornalistas querendo uma entrevista. Eu havia lutado no penúltimo dia do judô. Até então, o Brasil não havia conquistado medalhas. Havia uma pressão da imprensa, da mídia, querendo entender por que ainda não tinha conquistado medalha. O professor me mandou para o quarto e disse que seguraria.

Acha que ele fez bem?

Parece ser uma coisa simples, mas é muito importante para o atleta. Ele tem que estar tranquilo para enfrentar um grande desafio dali a poucas horas, que é o início das competições. Ele (Paulo Wanderley) ficava sempre muito atento a tudo o que girava em torno do dia a dia do atleta. Isso era extremamente importante para que o judô brasileiro desse sequência naquele momento ao histórico de medalhas.

Foi uma campanha dura?

As lutas foram muito tranquilas. Consegui controlar as ações nos três primeiros combates. Ditar os momentos de ataque, defesa, sem deixar o batimento cardíaco subir muito. O que traz desgaste é deixar o batimento cardíaco elevar. Sempre procurei controlar isso. A segunda luta foi a mais dura. A única em que comecei perdendo. O sul-coreano conseguiu uma pontuação no começo e tive de acelerar o ritmo para reverter o resultado. Venci as três primeiras por ippon. Isso fez com que eu tivesse um desgaste físico pequeno.

Aí veio o alemão Udo Quellmalz…

Na semifinal, houve o momento mais duro entre todas as disputas contra o Quellmalz, que era o então campeão do mundo e depois foi ouro em Atlanta-1996. Havia lutado duas vezes contra ele: ganhei uma e perdi outra. Era sempre um combate muito duro. Consegui vencê-lo por pontos. A única nos Jogos de 1992.

A semi foi mais difícil do que a luta pelo ouro contra Jozsef Csak?

O adversário era muito forte. Ele havia sido campeão europeu no ano anterior. Um dos melhores do mundo. Mas era um jogo que encaixava para mim. Era mais baixo do que eu, destro. Eu sentia mais facilidade contra destros do que canhotos. Além disso, ele se movimentava. Uma das características do meu judô era justamente a movimentação. Eu entrei muito confiante.

Em algum momento você se sentiu só no tatame, carente do técnico?

Apesar do Paulo não sentar na cadeirinha e da arquibancada lotada, eu conseguia olhar muito para ele. Sempre tive como característica na parte técnica um judô agressivo. De buscar o ataque o tempo todo. Não foram poucas às vezes em que eu estava vencendo a luta por pontos, com larga vantagem, e continuava atacando.

Isso é arriscado?

A competição dos Jogos Olímpicos não permite erros. Às vezes, você pode ser o melhor do mundo, mas se cometer um erro fica distante da medalha. O Paulo passava tranquilidade. Dizia para eu ter calma. Isso, de certa maneira, foi importante para manter o equilíbrio nos momentos difíceis.

O Brasil ganhou ouro no judô, no vôlei masculino e bronze na natação com Gustavo Borges. O desempenho em Barcelona-1992 mudou a sua vida?

Algo que qualquer pessoa busca é reconhecimento. Isso, veio muito cedo. Conquistei uma medalha olímpica de ouro aos 25 anos. A dificuldade continua a mesma, mas, naquela época, o esporte olímpico brasileiro nem sempre trazia ouro. Isso facilitou a sequência da minha vida profissional. Primeiro como atleta, depois treinador e, agora, gestor esportivo. Abre portas até hoje.

O seu triunfo consolidou a mudança no patamar do judô?

O judô já tinha um grande número de praticantes em 1992. Mesmo antes do ouro do Aurélio Miguel (-95kg), em Seul-1988, a modalidade sempre se preocupou em ser utilizada como instrumento educacional. As academias tinham um bom número de alunos. A conquista do Aurélio na Coreia do Sul alçou o judô brasileiro a se tornar uma das principais modalidades do país em termos de conquistas. Deu ênfase educacional. Quando veio a minha, o número de praticantes estourou de vez. Fico extremamente feliz por contribuir com isso.

Faltam menos de dois anos para os Jogos de Paris-2024. Quem antes era cobrado por resultado, agora cobra. Você é diretor-geral do COB. O que esperar do judô?

Tem condições de fazer um bom papel. Paris-2024 vai ser tão desafiador quanto os Jogos de Tóquio-2020. O Japão, a maior força nesse esporte no mundo, nós sabíamos que limparia o quadro de medalhas. A França é a segunda potência mundial. Eles também farão um trabalho nesse sentido.

Foram dois bronzes na casa do Japão. O que esperar na França?

O judô brasileiro conseguiu passar pelo momento difícil, faz hoje um trabalho de boa qualidade na transição. A gente vê alguns jovens atletas surgindo. Estou muito confiante em um grande desempenho em Paris. Não sei se nós teremos medalha de ouro, há expectativa, mas entendemos que um bom número de medalhas é um bom indicativo para a modalidade.

*O repórter viajou a convite do Comitê Olímpico do Brasil (COB)

 


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