
Imagine a Libertadores como um almanaque. A cada página folheada, uma história, uma conquista e, claro, muitos heróis. Grande parte dos emancipadores dos desejos dos 26 clubes campeões do principal torneio da América do Sul desde a primeira edição, em 1960, são atacantes matadores, meias talentosos e até zagueiros raçudos e técnicos. Mas não nos esqueçamos dos goleiros. Falando apenas de Brasil, o Corinthians não teria erguido o troféu em 2012 sem Cássio. Dificilmente, o Atlético-MG alcançaria a glória sem a bênção de São Victor no ano seguinte. Fábio deu um balão no etarismo ao brindar o Fluminense com a primeira taça em 2023, aos 43 anos, e tornar-se o mais velho dono das traves vitorioso. A lista segue com Rogério Ceni e Zetti pelo São Paulo, Carlos Germano pelo Vasco, Raul Plasmann por Cruzeiro e Flamengo e outros. Candidatos a primeiro tetra do país na competição, Palmeiras e Flamengo estão cientes da mística e apostam em Carlos Miguel e Agustín Rossi, protagonistas do segundo capítulo da série Glória Eterna, do Correio, para a decisão de sábado.
O Palmeiras chega à sétima final de Libertadores, a terceira em seis anos. O Flamengo celebra a quarta participação na decisão em sete temporadas. O encontro também será o segundo entre eles na fase mais aguda da disputa. No atual elenco, há remanescentes das duas últimas conquistas alviverde (2020 e 2021) e rubro-negra (2019 e 2022), como Gustavo Gómez, Raphael Veiga, Arrascaeta e Bruno Henrique. Debaixo das traves, porém, o cenário é novo. Na recente era vitoriosa, os paulistas jogarão a primeira vez sem Weverton. Por outro lado, os cariocas acostumaram-se ao rodízio de goleiros em decisões, depois de Diego Alves e Santos.
Treinador mais longevo do Brasil, com cinco anos de trabalho, Abel Ferreira raramente teve de se preocupar com o intocável Weverton. O paredão do Brasil na conquista do primeiro ouro olímpico nos Jogos do Rio-2016 também fechou a meta nas decisões continentais contra Santos e os cariocas, mas está recuperação de lesão há mais de um mês, uma fissura em osso da mão direita. A responsabilidade caiu no colo de Carlos Miguel. Natural de Rio das Ostras (RJ), Carlos Miguel não é mais garoto, mas recebe, aos 27 anos, a maior chance de uma carreira condicionada à reserva. Revelado pelo Internacional, rodou por Santa Cruz e Boa Esporte-MG até permanecer por três anos no Corinthians, sob a sombra de Cássio. Quando o ídolo alvinegro arrumou as malas para o Cruzeiro, Carlos Miguel foi seduzido pela proposta do Nottingham Forest, da Inglaterra. Na mais badalada das ligas do planeta, bola disputou apenas três partidas.
O retorno ao Brasil foi com a pompa de que seria o principal candidato a substituir Weverton após o fim do contrato em 31 de dezembro do próximo ano. Apesar da ligação com o Corinthians, ainda que rasa, não titubeou. Foi contestado no início ao sofrer seis gols em duas partidas, contra Flamengo e LDU, mas foi respaldado e deu resposta nos quatro jogos seguidos sem ser vazado. Carlos Miguel tem o que o futebol pós-moderno pede aos goleiros. Gigante de 2,04m de altura, o palmeirense também evolui com os pés. Não basta ser grandalhão e rifar a bola. O conceito do técnico Abel pede ligações diretas em muitos momentos da partida e pode ser diferencial para aliviar a pressão da possível marcação intensa do Flamengo em Lima.
O Flamengo de Filipe Luís confia a missão do tetra a Agustín Rossi, sobretudo em possível decisão por pênaltis. O treinador rubro-negro tinha traumas com disputas dessa magnitude até as quartas de final desta Libertadores, contra os Estudiantes. Foi assim que o técnico se despediu nas oitavas da Copa do Brasil contra o Atlético-MG. Também veio à memória as cobranças desperdiçadas contra o Racing, Corinthians e Palmeiras nos tempos de lateral. Com oito intervenções milagrosas, Rossi deu cabo no abalo do dono da prancheta. O argentino aterrissou no Rio de Janeiro em julho de 2023 e pode conquistar o primeiro título continental após quebrar um tabu debaixo das redes rubro-negras. Foi peça-chave nas conquistas da Copa do Brasil 2024 e da Supercopa 2025 e se orgulha de ser o primeiro goleiro estrangeiro do clube mais popular do Brasil desde 1985. O último havia sido o compatriota Ubaldo Fillol. Curiosamente, Fillol chegou à Gávea em 1983, dois anos do primeiro título da Libertadores e com missão de substituir Raul Plasmann.
Rossi já é maior do que Fillol no Flamengo. O antecessor acumulou 71 partidas e um título da Taça Guanabara e outro da Taça Rio. O paredão desta geração ostenta 139 partidas e pode dar uma passo para a eternidade no clube com o inédito tetra da Libertadores. Chega com moral para Lima. Ele foi titular em todos os 12 jogos do time nesta campanha e não sofreu gol em oito. É o recordista no fundamento. A saída com os pés também pode ser um trunfo com o argentino. O lance do primeiro gol rubro-negro contra o Palmeiras, pela 29ª rodada, ilustra bem. O anjo da guarda tem a bola dominada dentro da área, visualiza Pedro em condições de fazer o pivô no meio e liberar a infiltração de Arrascaeta e abrir caminho para o triunfo importante há mais de um mês, no Maracanã.

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