Após dois anos de paralisação de atividades devido à pandemia do novo coronavírus, que teve início em março de 2020 no Brasil, o Centro de Educação Paulo Freire (Cepafre) de Ceilândia se prepara para o retorno das aulas presenciais de alfabetização de jovens e adultos. São esperados 125 novos alunos, que terão a chance de aprender a ler e a escrever, gratuitamente.
Confira o especial do Correio sobre as histórias e inspirações da Ceilândia.
Os novos matriculados serão acompanhados por um alfabetizador, de segunda a quinta-feira, no período noturno. Ao fim do curso, que tem duração de oito meses, eles terão autonomia e capacidade de ir e vir, fazer cálculos simples necessários no cotidiano e poderão ter a oportunidade de se encaminhar para completar a formação básica, pela educação de jovens e adultos (EJA).
“É um trabalho social imenso e reverbera na autonomia das pessoas. Quando você está em uma parada de ônibus daqui e alguém pede para você dizer qual é o ônibus que está vindo, porque ela está sem óculos, na verdade, é porque ela não sabe ler. E é isso que combatemos, a limitação”, pontua a coordenadora pedagógica do Cepafre, Madalena Torres.
“A alfabetização permite que ela enxergue, leia, saiba ir e vir, não tenha medo de ser passada para trás na hora de receber um troco e, mais importante, permite que ela sonhe a continuar a estudar”, acrescenta a professora, que também é a membro mais velha do coletivo e a primeira presidente da instituição, carga que assumiu em 1989.
Esse é o 33º ano de funcionamento do Cepafre, que já alfabetizou 16 mil pessoas em Ceilândia. A marca é expressiva principalmente quando se compara com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2015, que registrou 17 mil analfabetos na cidade, que completa 51 anos em 27 de março.
“Com esses números, imagina a contribuição da nossa organização para a cidade. Se não tivéssemos começado há 32 anos, qual seria a marca de analfabetos revelada na Pnad? Se a gente tivesse mais patrocínio, suportes financeiros, essa estatística ia mudar muito mais”, diz Madalena.
As aulas terão início no fim de março e serão realizadas, a maioria delas, em escolas parceiras da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF): o Centro de Ensino Fundamental 19 de Ceilândia, a Escola Classe 33 de Ceilândia e a 36 do Sol Nascente. Além disso, uma das turmas ocorrerá em Samambaia, no Centro de Ensino Fundamental 404 da região.
O Cepafre também conta com o apoio de organizações privadas. Uma das classes será ministrada no Instituto Nova Jerusalém, no P Sul. A prática de parcerias é um dos pontos fortes da instituição, que também já recebeu apoio do Sindicato de Professores do DF (Sinpro-DF) e do Sicoob.
Interessados podem solicitar uma vaga por telefone, nos números indicados no fim da matéria. Há, também, o endereço de cada escola. Depois da fase de inscrição, a equipe da instituição fará um mapeamento do nível de alfabetização de cada inscrito para direcionar a melhor abordagem.
Busca ativa e estilo de aprendizagem focado no aluno: os dois maiores pilares de sucesso do coletivo
A coordenadora e os outros membros da diretoria da instituição esperam, ansiosos, pelo começo das aulas. O grupo, junto com os cinco alfabetizadores que liderarão as cinco novas turmas, iniciou um dos passos mais importantes do Centro: o processo de buscar novos alunos.
“Diferente das escolas normais, nas quais os alunos são direcionados pelo 156, nós fazemos uma busca ativa. O que é isso? Nós saímos de rua em rua, batemos de porta em porta, abordamos em filas de padaria e de lotéricas, falando sobre o curso e convidando para se inscrever”, detalha Madalena.
Por esse motivo, a coordenadora afirma que o curso é de caráter popular. “O Cepafre não é privado, nem público, é uma escola de educação popular, é para a comunidade e para a comunidade”, frisa a coordenadora.
Um dos maiores desafios do retorno, explica Madalena, é encontrar os potenciais alunos. Antes espalhados em esquinas, em volta de mesas de dominó, ou pelas ruas em passeios no fim da tarde, os jovens, adultos e idosos não alfabetizados muitas vezes estão em casa devido à pandemia da covid-19.
“É o período mais difícil de toda nossa vida. As pessoas estão com medo, ainda mais aqueles que já perderam alguém e se amendrontam”, desabafa.
A dificuldade de encontrar e cativar possíveis alunos também é vista nos centros de ensino que oferecem EJA. Em fevereiro, a SEEDF afirmou que “sobram vagas na modalidade” após o início da pandemia. Por este motivo, a busca ativa do Cepafre pode se tornar ainda mais essencial neste ano.
Assim que os alunos topam o desafio de aprender a ler e escrever em tempo divergente do comum, eles percebem que o estilo de aprendizagem escolhido pelo Centro é personalizado. A formação da instituição é focada no aluno, inspirada na didática do patrono da educação brasileira, Paulo Freire. Um exemplo é a escolha das palavras para a alfabetização: todas fazem parte do cotidiano dos ceilandenses e foram coletadas em pesquisa feita por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).
“Nós usamos as palavras mais faladas da cidade, justamente para eles já irem aprendendo e tendo mais autonomia nas atividades do dia a dia. Esses termos foram captados a partir de uma pesquisa em 1988 e são atualizados anualmente. Lote, comida, barraco, trabalho, associação, lixo e hospital são alguns deles, palavras do seio da comunidade”, descreve a coordenadora.
Dessa forma, os alunos conseguem se movimentar pela cidade com autonomia e segurança, assim como para conquistar benefícios e exercer negócios. “A grande questão é a libertação das pessoas. É o que Paulo Freire pensava. É tirar da raiz, botar para fora, trazer a autonomia delas à tona para serem empoderadas para sair, pensar, livre para viver muito melhor e ter uma participação mais ativa nos movimentos sociais”, frisa Madalena.
A coordenadora diz que continua no projeto desde o início porque ela mesma viveu a libertação que veio do conhecimento e da aprendizagem ensinada. “Eu era uma técnica de contabilidade e participava de um grupo na igreja católica. Um dia uma colega do grupo falou sobre o projeto e pediu para abrigarmos as aulas, senão ele acabaria, em 1986. Aceitamos. Me chamaram para ser alfabetizadora e eu não me achava capaz”, lembra.
“Por isso que o ensino de Paulo Freire me cativa, e eu sei do poder da autonomia. Eu não tinha magistério, nem me sentia capaz, mas eu comecei. Depois, fiz magistério, me formei em filosofia, fiz pós e mestrado. Era muito tímida e, hoje, estou mais segura. O conhecimento dado aqui, inspirado no patrono, liberta pessoas não alfabetizadas, com 15 ou 80 anos, e também aqueles que já sabem ler”, lembra, emocionada.
Curso de alfabetização para jovens, adultos e idosos
Mais informações sobre o coletivo: cepafre.blogspot.com
Contato para inscrição nas turmas (escolher de acordo com a localidade):
Centro de Ensino Fundamental 19 de Ceilândia
EQNN 18/20 – Ceilândia Sul-DF
Alfabetizadora: Socorro Lima
Contato: 98314-1318
Escola Classe 33 de Ceilândia
EQNO 13/15 – Setor O – Ceilândia-DF
Alfabetizadora: Glória Fonseca
Contato: 98596-2914
Instituto Nova Jerusalém
QNP 12 conjunto R casa 37 – Setor P. Sul Ceilândia-DF
Alfabetizador: Goete Pires
Contato: 98341-1585
Escola Classe 66
Setor Habitacional Sol Nascente – Trecho 3
Alfabetizador: Nelson Fernandes
Contato: 98139-5468
Centro de Ensino Fundamental 404 de Samambaia
QS 404 A/E – Samambaia Norte-DF
Alfabetizador: José Lucas
Contato: 99234-3229
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