EDUCAÇÃO LIBERTADORA

Centro de Educação Paulo Freire retoma atividades em Ceilândia

Tradicional centro de educação popular de Ceilândia reabre este ano. São esperados 125 novos alunos jovens e adultos, que terão a chance de aprender a ler e a escrever de graça

Talita de Souza
postado em 18/03/2022 01:14 / atualizado em 22/03/2022 18:03
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                           )
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

Após dois anos de paralisação de atividades devido à pandemia do novo coronavírus, que teve início em março de 2020 no Brasil, o Centro de Educação Paulo Freire (Cepafre) de Ceilândia se prepara para o retorno das aulas presenciais de alfabetização de jovens e adultos. São esperados 125 novos alunos, que terão a chance de aprender a ler e a escrever, gratuitamente.

Confira o especial do Correio sobre as histórias e inspirações da Ceilândia.

Os novos matriculados serão acompanhados por um alfabetizador, de segunda a quinta-feira, no período noturno. Ao fim do curso, que tem duração de oito meses, eles terão autonomia e capacidade de ir e vir, fazer cálculos simples necessários no cotidiano e poderão ter a oportunidade de se encaminhar para completar a formação básica, pela educação de jovens e adultos (EJA).

“É um trabalho social imenso e reverbera na autonomia das pessoas. Quando você está em uma parada de ônibus daqui e alguém pede para você dizer qual é o ônibus que está vindo, porque ela está sem óculos, na verdade, é porque ela não sabe ler. E é isso que combatemos, a limitação”, pontua a coordenadora pedagógica do Cepafre, Madalena Torres.

“A alfabetização permite que ela enxergue, leia, saiba ir e vir, não tenha medo de ser passada para trás na hora de receber um troco e, mais importante, permite que ela sonhe a continuar a estudar”, acrescenta a professora, que também é a membro mais velha do coletivo e a primeira presidente da instituição, carga que assumiu em 1989.

Esse é o 33º ano de funcionamento do Cepafre, que já alfabetizou 16 mil pessoas em Ceilândia. A marca é expressiva principalmente quando se compara com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2015, que registrou 17 mil analfabetos na cidade, que completa 51 anos em 27 de março.

“Com esses números, imagina a contribuição da nossa organização para a cidade. Se não tivéssemos começado há 32 anos, qual seria a marca de analfabetos revelada na Pnad? Se a gente tivesse mais patrocínio, suportes financeiros, essa estatística ia mudar muito mais”, diz Madalena.

Turma de alfabetização em 2014, que tinha aulas em uma sala da Igreja Nossa Senhora Barkita, no Sol Nascente
Turma de alfabetização em 2014, que tinha aulas em uma sala da Igreja Nossa Senhora Barkita, no Sol Nascente (foto: Cepafre/Reprodução)

As aulas terão início no fim de março e serão realizadas, a maioria delas, em escolas parceiras da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF): o Centro de Ensino Fundamental 19 de Ceilândia, a Escola Classe 33 de Ceilândia e a 36 do Sol Nascente. Além disso, uma das turmas ocorrerá em Samambaia, no Centro de Ensino Fundamental 404 da região.

O Cepafre também conta com o apoio de organizações privadas. Uma das classes será ministrada no Instituto Nova Jerusalém, no P Sul. A prática de parcerias é um dos pontos fortes da instituição, que também já recebeu apoio do Sindicato de Professores do DF (Sinpro-DF) e do Sicoob.

Interessados podem solicitar uma vaga por telefone, nos números indicados no fim da matéria. Há, também, o endereço de cada escola. Depois da fase de inscrição, a equipe da instituição fará um mapeamento do nível de alfabetização de cada inscrito para direcionar a melhor abordagem.

Busca ativa e estilo de aprendizagem focado no aluno: os dois maiores pilares de sucesso do coletivo

A coordenadora e os outros membros da diretoria da instituição esperam, ansiosos, pelo começo das aulas. O grupo, junto com os cinco alfabetizadores que liderarão as cinco novas turmas, iniciou um dos passos mais importantes do Centro: o processo de buscar novos alunos.

“Diferente das escolas normais, nas quais os alunos são direcionados pelo 156, nós fazemos uma busca ativa. O que é isso? Nós saímos de rua em rua, batemos de porta em porta, abordamos em filas de padaria e de lotéricas, falando sobre o curso e convidando para se inscrever”, detalha Madalena.

Por esse motivo, a coordenadora afirma que o curso é de caráter popular. “O Cepafre não é privado, nem público, é uma escola de educação popular, é para a comunidade e para a comunidade”, frisa a coordenadora.

Um dos maiores desafios do retorno, explica Madalena, é encontrar os potenciais alunos. Antes espalhados em esquinas, em volta de mesas de dominó, ou pelas ruas em passeios no fim da tarde, os jovens, adultos e idosos não alfabetizados muitas vezes estão em casa devido à pandemia da covid-19.

“É o período mais difícil de toda nossa vida. As pessoas estão com medo, ainda mais aqueles que já perderam alguém e se amendrontam”, desabafa.

A dificuldade de encontrar e cativar possíveis alunos também é vista nos centros de ensino que oferecem EJA. Em fevereiro, a SEEDF afirmou que “sobram vagas na modalidade” após o início da pandemia. Por este motivo, a busca ativa do Cepafre pode se tornar ainda mais essencial neste ano.

Aluna sendo auxiliada pela alfabetizadora Regina Celi no Centro Educacional 11, no P Norte, em 2015
Aluna sendo auxiliada pela alfabetizadora Regina Celi no Centro Educacional 11, no P Norte, em 2015 (foto: Cepafre/Reprodução)

Assim que os alunos topam o desafio de aprender a ler e escrever em tempo divergente do comum, eles percebem que o estilo de aprendizagem escolhido pelo Centro é personalizado. A formação da instituição é focada no aluno, inspirada na didática do patrono da educação brasileira, Paulo Freire. Um exemplo é a escolha das palavras para a alfabetização: todas fazem parte do cotidiano dos ceilandenses e foram coletadas em pesquisa feita por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB).

“Nós usamos as palavras mais faladas da cidade, justamente para eles já irem aprendendo e tendo mais autonomia nas atividades do dia a dia. Esses termos foram captados a partir de uma pesquisa em 1988 e são atualizados anualmente. Lote, comida, barraco, trabalho, associação, lixo e hospital são alguns deles, palavras do seio da comunidade”, descreve a coordenadora.

Dessa forma, os alunos conseguem se movimentar pela cidade com autonomia e segurança, assim como para conquistar benefícios e exercer negócios. “A grande questão é a libertação das pessoas. É o que Paulo Freire pensava. É tirar da raiz, botar para fora, trazer a autonomia delas à tona para serem empoderadas para sair, pensar, livre para viver muito melhor e ter uma participação mais ativa nos movimentos sociais”, frisa Madalena.

A coordenadora diz que continua no projeto desde o início porque ela mesma viveu a libertação que veio do conhecimento e da aprendizagem ensinada. “Eu era uma técnica de contabilidade e participava de um grupo na igreja católica. Um dia uma colega do grupo falou sobre o projeto e pediu para abrigarmos as aulas, senão ele acabaria, em 1986. Aceitamos. Me chamaram para ser alfabetizadora e eu não me achava capaz”, lembra.

“Por isso que o ensino de Paulo Freire me cativa, e eu sei do poder da autonomia. Eu não tinha magistério, nem me sentia capaz, mas eu comecei. Depois, fiz magistério, me formei em filosofia, fiz pós e mestrado. Era muito tímida e, hoje, estou mais segura. O conhecimento dado aqui, inspirado no patrono, liberta pessoas não alfabetizadas, com 15 ou 80 anos, e também aqueles que já sabem ler”, lembra, emocionada.

Curso de alfabetização para jovens, adultos e idosos

Mais informações sobre o coletivo: cepafre.blogspot.com
Contato para inscrição nas turmas (escolher de acordo com a localidade):

Centro de Ensino Fundamental 19 de Ceilândia
EQNN 18/20 – Ceilândia Sul-DF
Alfabetizadora: Socorro Lima
Contato: 98314-1318

Escola Classe 33 de Ceilândia
EQNO 13/15 – Setor O – Ceilândia-DF
Alfabetizadora: Glória Fonseca
Contato: 98596-2914

Instituto Nova Jerusalém
QNP 12 conjunto R casa 37 – Setor P. Sul Ceilândia-DF
Alfabetizador: Goete Pires
Contato: 98341-1585

Escola Classe 66
Setor Habitacional Sol Nascente – Trecho 3
Alfabetizador: Nelson Fernandes
Contato: 98139-5468

Centro de Ensino Fundamental 404 de Samambaia
QS 404 A/E – Samambaia Norte-DF
Alfabetizador: José Lucas
Contato: 99234-3229

  • Madalena inspira-se em Paulo Freire. Ela usa o método dele para alfabetizar adultos. Em 1990, a professora registrou o encontro com o educador, na UnB
    Madalena inspira-se em Paulo Freire. Ela usa o método dele para alfabetizar adultos. Em 1990, a professora registrou o encontro com o educador, na UnB Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Turma de alfabetização em 2014, que tinha aulas em uma sala da Igreja Nossa Senhora Barkita, no Sol Nascente
    Turma de alfabetização em 2014, que tinha aulas em uma sala da Igreja Nossa Senhora Barkita, no Sol Nascente Foto: Cepafre/Reprodução
  • Madalena auxiliando alunas do Cepafre em 2015
    Madalena auxiliando alunas do Cepafre em 2015 Foto: Cepafre/Reprodução
  • Aluna sendo auxiliada pela alfabetizadora Regina Celi no Centro Educacional 11, no P Norte, em 2015
    Aluna sendo auxiliada pela alfabetizadora Regina Celi no Centro Educacional 11, no P Norte, em 2015 Foto: Cepafre/Reprodução
  • Alfabetizadoras auxiliam os alunos em uma turma de 2017, no CEF 30 da Ceilândia
    Alfabetizadoras auxiliam os alunos em uma turma de 2017, no CEF 30 da Ceilândia Foto: Cepafre/Reprodução
  •  11/11/20120. Credito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Vias perigosas no DF.  Especial Consciencia Negra. Maria Madalena Torres, professora aposentada da Secretaria de Educacao do Distrito Federal, dedicou a vida a alfabetizacao de jovens e adultos e fundou o CEPAFRE Centro de Alfabetizacao Paulo Freire.
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    11/11/20120. Credito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Vias perigosas no DF. Especial Consciencia Negra. Maria Madalena Torres, professora aposentada da Secretaria de Educacao do Distrito Federal, dedicou a vida a alfabetizacao de jovens e adultos e fundou o CEPAFRE Centro de Alfabetizacao Paulo Freire. Caption Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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