Entrevista

"Próximo reajuste para bolsistas já está no radar", diz presidente da Capes

Professora da UnB à frente da instituição de fomento à ciência, Mercedes Bustamante afirma que o governo federal pretende estabelecer um planejamento para melhorar e ampliar benefícios a pesquisadores. Na quinta-feira, ministro anunciou mais 5,3 mil bolsas

Thays Martins
Ândrea Malcher
postado em 04/03/2023 03:30 / atualizado em 04/03/2023 12:23
 (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
(crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

“Nossa função é casar oportunidade com talento”. É essa a visão da presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Mercedes Bustamante, para a gestão à frente da instituição. Nomeada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em janeiro, a professora da Universidade de Brasília (UnB) tem a missão de executar a aposta do governo para melhorar o cenário da educação e pesquisa brasileira.

A primeira providência foi conceder o reajuste das bolsas dos pesquisadores, que não ocorria há 10 anos. Mas o ministério da Educação não pretende ficar apenas nesse gesto. Bustamante explica que o governo trabalha para implementar um planejamento no reajuste e na concessão dos incentivos financeiros a pesquisadores.

Na última quinta-feira, Camilo Santana anunciou mais 5,3 mil bolsas. Em 2022, o governo concedeu 84,3 mil bolsas; Com o anúncio do ministro, passarão a ser 89,6 mil benefícios. Segundo Bustamante, o governo está dando mostra de que “a ciência é o caminho” e a “educação a ferramenta” para o desenvolvimento. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

O que permitiu o reajuste das bolsas e o aumento da oferta do benefício?
O primeiro ato que tive a oportunidade de assinar, como presidente da Capes, foi o reajuste das bolsas. É uma demanda antiga, são 10 anos sem reajuste. Isso só foi possível porque a gente conseguiu esse acréscimo no orçamento, por meio da PEC da Transição. Foi importante que a educação tenha sido considerada neste momento.

Existe um plano a curto, médio, longo prazo de aumentar o valor das bolsas?
A gente tem o teto do orçamento da Capes. Se não fosse a PEC da transição, não chegaríamos nem em dezembro. Obviamente, a gente não quer ficar outros 10 anos sem reajuste. Temos que ter um planejamento orçamentário para os próximos anos, para poder trazer reajustes com maior frequência. Daqui a pouco, começamos a discussão do orçamento de 2024. Mas temos demandas da comunidade. Não é só a bolsa. Tem, por exemplo, a discussão de como a gente estende a previdência social para os bolsistas, que isso conte como tempo de trabalho. Mas o próximo reajuste já está no radar. Temos que ter previsão de quando a poderemos implementar um novo reajuste.

Além das diretrizes do MEC, a Capes tem um critério interno para a concessão de bolsas. Como funciona?
A Capes tem um sistema de concessão de bolsas acoplada à avaliação de cursos de pós-graduação. Cursos que foram bem avaliados recebem incrementos no número de bolsas. É um estímulo à melhoria da qualidade dos processos de formação. Adicionalmente, esse modelo tem como variável importante o Índice de Desenvolvimento Humano dos municípios.

Seria uma forma de a instituição de ensino contribuir com estados e municípios?
Nem precisa ir muito longe, é só olhar aqui, a capital federal. Se você tem um contingente de bolsistas, onde eles vão utilizar esses recursos? Onde eles vivem. A bolsa serve para pagar aluguel, transporte, alimentação, usar serviços dentro da cidade. Então, é um recurso que rapidamente volta para a economia local. Quando você também coloca uma instituição em um município menor, ela vai contribuir de uma forma geral para a melhoria da qualidade dos recursos humanos, porque a universidade federal acaba sendo um polo cultural, de formação extramuros, porque um outro aspecto importante da formação é a extensão. Então, você é capaz de atuar dentro desses municípios, dentro das escolas, mas fora também, em outros espaços formativos e isso repercute. É um contágio positivo.

Como estão as avaliações dos cursos?
Uma das áreas centrais da Capes é a avaliação dos programas de pós-graduação. A gente teve uma melhoria nas notas dos cursos nesse último processo de avaliação. Esse reconhecimento parte da construção sólida que a Capes conseguiu fazer ao longo do tempo e está ancorada nesse processo de avaliação. O sistema nacional de pós-graduação é um caso de sucesso. Não significa que ele tenha que ser imutável, mas mostra que a gente conseguiu fazer muita coisa a partir de um elenco de ações indutoras, do fomento, de um programa de bolsas consistente e de programas de avaliação.

À parte a remuneração das bolsas, o que precisa melhorar?
Nossa perspectiva é não olhar mais para trás. Eu quero chegar lá em 2100 com que cara? Nossa função é chegar em 2030, mas para chegar em 2100, eu preciso preparar para 2030. Se você olhar o mapa da distribuição dos programas, a gente vê que a gente precisa interiorizar ainda muito mais. Será que é expandir o sistema, criando novos cursos, ou fazendo redes? Eu venho da área experimental. A gente monta o experimento, colhe os dados. Não deu o que a gente queria, a gente volta para a prancheta, vê onde se pode melhorar e retoma o experimento. A ciência evolui assim.

Houve um crescimento dos cotistas e de mulheres, mas o desafio ainda é manter esses alunos. Como fazer isso?
É visível o impacto positivo das ações afirmativas. As universidades se diversificaram, o que eu achei excelente. A gente traz outras visões, outras formas de ver um problema e traduzir isso em soluções. Mas a gente precisa ter uma ação de indução na pós-graduação. Muitas universidades implementaram individualmente suas ações afirmativas. A gente está fazendo esse levantamento para entender como isso funciona, se a gente transforma isso em um política geral da Capes.

Há outras abordagens para fortalecer as ações afirmativas?
A gente entende também que o processo de inclusão dos grupos sub representados é a importância de eles verem um líder. É muito mais fácil para uma menina querer entrar na carreira científica se ela consegue identificar mulheres pesquisadoras. Se há uma menina preta, que ela consiga ver que há mulheres pretas pesquisadoras que são referências. Esse papel do modelo é muito importante.

E em relação às mulheres?
A gente precisa tocar nessa questão da epidemia de violência contra a mulher. Os dados são aterradores. E as instituições de ensino e pesquisa não estão isentas dessa realidade. Como a gente pode trazer políticas e práticas? Primeiro dizer que o problema existe. Não tratar isso como uma coisa menor nem dizer que é um caso aqui e acolá. Não basta colocar oportunidade, o ambiente tem que ser receptivo. Por que que não tem fraldário nas universidades? Não tem espaço para amamentação? Quantas alunas têm que levar o filho para a aula? São questões que envolvem o ambiente como um todo.

O Ciências Sem Fronteiras vai voltar?
No curto prazo, não vamos conseguir equiparar o orçamento do Ciência Sem Fronteiras. Mas a Capes está reestruturando a área de internacionalização. Eu acho que o recado de que o Brasil está de volta também vai partir aqui da Capes. Breve, eu espero que a gente tenha a nomeação do novo diretor de relações internacionais, vai ser uma pessoa com bastante experiência na área. A gente já está discutindo como estreitar relações com outros países. A internacionalização é nos dois sentidos. A gente quer que o aluno brasileiro vá lá para fora, e a gente também quer trazer o aluno estrangeiro para o Brasil. A gente também tem o dever de casa para fazer, que é preparar as nossas instituições, até as nossas cidades, para receber o aluno estrangeiro. É uma conversa que é mais ampla do que a Capes.

Como impedir a “fuga de cérebros” em um país onde a ciência foi tão maltratada nos últimos anos?
O reajuste das bolsas é um primeiro passo, porque superamos uma defasagem que era muito acentuada. Mesmo assim, o reajuste cumpriu só uma parte, porque é o que era possível no momento. A gente passou por um período que foi muito duro efetivamente para a ciência e tecnologia, para a educação, sobretudo a pública. Os ataques às universidades públicas, principalmente à UnB, que é muito visada, os termos que foram utilizados, a ‘balbúrdia’, todo esse discurso foi muito nocivo. Para um jovem pesquisador, ele não está olhando só para o recurso que ele tem disponível. Ele olha o ecossistema de pesquisa e educação. Mesmo as instituições particulares, colocando uma grande quantidade de recursos nesses pesquisadores, muitos deles estavam desistindo desses recursos para ir para outras instituições. Então não é só a bolsa. É importante pensar como a gente trabalha em um ambiente em que o pesquisador sinta que ele tem com quem trocar.

Por quê?
Porque ele pode ter muito recurso no seu laboratório, mas se ele está do lado de um outro colega que sofre todas as restrições, ou com alunos que têm dificuldade até de conseguir chegar no fim do mês e pagar suas contas, contribui para um ambiente que não é salutar, em termos de desenvolvimento e pesquisa. É como tornar esses ambientes mais propícios para as pessoas quererem ficar. Se, ao abrir o jornal, todos os dias há um ataque à ciência, uma afirmação de negacionismo, quem está se formando se pergunta ‘o que estou fazendo aqui? não sou bem-vindo aqui’.

Por que é importante trabalhar essas questões?
Quando o país sinaliza que acredita que a ciência é o caminho para o desenvolvimento, que a educação é essa ferramenta, queremos trazer os alunos para as licenciaturas. Nosso objetivo é que eles queiram se tornar professores, queiram atuar na educação básica, sintam que têm estímulo a isso, que eles têm que estar nas universidades, mas também atuando nas escolas, conhecendo a realidade, e que as escolas se preparem para receber esses bolsistas. Era a situação do Brasil há décadas atrás. A carreira de professor tinha visibilidade. Por que a gente perdeu? São questões em que o discurso pesa muito.

Como fazer para a sociedade também valorizar a ciência?
A mídia tem um papel importante. Porque há um movimento organizado de desinformação; desinformação esta que nos últimos anos nos custou vidas. Foi assim na pandemia, com a questão da mudança do clima. Não é possível que as pessoas se surpreendam com casos extremos como o de São Sebastião (SP), porque esse é um recado que a ciência dá há pelo menos 30 anos. É preciso que essa interface ciência-política se aprimore: a ciência precisa se comunicar melhor. Cada vez mais pesquisadores vêm atuando como divulgadores da ciência e percebem que isso é importante. Mas também que a política se abra para entender a mensagem científica.

A senhora esteve na Capes como diretora em 2016. O que mudou de lá para cá?
Quando recebi o convite para vir para a Capes, eu sabia o desafio, porque conhecia o histórico de turbulência, das trocas constantes de ministros… Tem um desafio de recuperar essa credibilidade, o diálogo, a transparência. Mas me deu muita tranquilidade saber que a Capes tem um conjunto de servidores de carreira muito comprometidos. O serviço público brasileiro, também muito agredido ao longo dos anos, mostrou o papel importante de fazer uma transição de gestão e manter minimamente alguns processos. A diferença principal que eu vejo é que temos um passivo para recuperar. Em 2016, a Capes vinha de um momento de crescimento. Hoje, há processo de retomada.

 

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